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Polícia  | 07/11/2012 04h

São Paulo registra nova madrugada de violência

Reportagem de ZH acompanha onda de atentados que toma conta da capital paulista

Humberto Trezzi | São Paulo  |  humberto.trezzi@zerohora.com.br

Sangue e porrada na madrugada, rimava Lobão, num hino punk dos Anos 80. Passadas quase três décadas, a letra do bardo rebelde da Música Popular Brasileira (MPB) cai como uma luva para a São Paulo de 2012, a Paulicéia Desvairada — e transtornada - pela guerra entre bandidos e PMs. Um conflito que muitos têm ideia de como começou, mas ninguém sabe como vai terminar.

A madrugada de quarta-feira foi como todas as últimas para os paulistas: repleta de tiros, atentados, prisões e tensão, como constatou a reportagem de Zero Hora, em cinco horas de giro pela periferia paulistana.

O primeiro a levar chumbo foi o delegado Diogo Zamutti Junior, baleado num ombro por motoqueiros, na zona leste de São Paulo. Os criminosos atiraram e o policial civil só não morreu porque parte dos projéteis pegou no colete à prova de balas. Isso aconteceu ainda antes da virada de terça para quarta-feira. O delegado, baleado, dirigiu até uma delegacia na contramão e foi socorrido por colegas.

Na zona norte, na Freguesia do Ó, um jovem morreu com quatro tiros na cabeça. A suspeita é de que policiais militares o tenham executado, tanto que a Corregedoria da PM investiga o caso.

Em Guaianazes, outro homem foi morto e três baleados num bar, por motoqueiros. Quem seriam?

Difícil dizer, em meio ao conflito que opõem o Primeiro Comando da Capital (PCC, maior facção criminal enraizada nos presídios brasileiros) e as forças da lei em São Paulo. Podem ser criminosos comuns, policiais escondidos atrás de máscaras ou capacetes e também integrantes da facção dominante nos presídios paulistas (e brasileiros). Após a morte de 12 integrantes do chamado Partido do Crime (como é conhecido o PCC) fuzilados pela PM durante assalto a um supermercado, em meados deste ano, a máfia coordenada de trás das grades partiu para a vingança. Só este ano 90 PMs, três agentes penitenciários e dois policiais civis foram mortos - não todos pelo PCC, mas a maioria, com certeza, apontam investigações. Em contrapartida, mais de 350 civis tombaram em confronto com agentes da lei. Possivelmente, nem todos criminosos, porque algumas pessoas apenas bebiam nos bares, quando foram baleadas.

Nervosos, PMs e policiais civis montam barricadas em frente a postos policiais e delegacias. Usam carros velhos e depredados como escudo. Colocam obstáculos, obrigando os veículos a reduzir marcha e andar em vaivém. Ficam entrincheirados atrás das viaturas, dedos nos gatilhos dos fuzis. Um perigo para alguém distraído ou com medo de blitz.

Na Brasilândia, policiais civis do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a temida tropa de elite paulista), numa rara união, realizaram blitze a noite toda. Mais de 30 viaturas abordavam a tudo e a todos, num bairro considerado reduto do PCC. Precavidos, os motoristas que se atreviam a cruzar a região abusavam da humildade. Acendiam a lâmpada interna do carro, baixavam o farol, erguiam as mãos assim que paravam na blitz. Tudo para evitar serem fuzilados por engano.

Nesse ambiente de paranoia — onde se mata muito e se prende pouco — azar de quem tenta cometer crimes rotineiros, daqueles que nem virariam notícia. Rodrigo, um jovem ladrão e viciado em crack, invadiu uma residência na madrugada de quarta-feira no bairro da Penha. Os moradores fugiram, apavorados. Tudo terminaria bem para ele, que já carregava eletrodomésticos, se o sobrado que invadiu não ficasse atrás da 10ª Delegacia de Polícia, a mesma onde o delegado Diogo foi pedir socorro aos companheiros.

Traumatizados, os policiais civis saíram em bando da DP aos primeiros gritos de uma jovem, que correu aterrorizada, de roupas íntimas, assim que Rodrigo invadiu sua casa. Os policiais frearam a viatura no meio da rua e desceram de metralhadora e pistola na mão. Achavam que era uma quadrilha, mas o ladrão era um solitário "nóia" (viciado, na gíria paulistana). Azar o dele...e que azar. Foi derrubado, manietado e algemado, como gado.

— Pô, senhor, não fiz nada, nem tava armado. Peguei nada de ninguém — reclamou Rodrigo.

Os vizinhos queriam linchá-lo e foram impedidos pelos policiais civis. Um dos agentes retrucou:

— A vítima tá mentindo, então, é isso? — gritou o agente, antes de pedir ao colega: "dá uma olhada na casa, vê se ele dispensou a arma".

Rodrigo foi jogado no fundo de um camburão, enquanto chegavam mais viaturas — duas, três, cinco. Era agente para tudo que é lado. Alegou inocência, mas foi xingado pelos moradores. Até que um policial perdeu a paciência e disse, com todas as letras: "Cala a boca". E ele se calou.

Como calada está a maioria dos paulistanos, nessas noites que teimam em não ter fim.

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