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Festival de Cinema  | 11/08/2011 18h56min

Roger Lerina comenta os longas "El Casamiento" e "Olhe pra mim de novo"

Filmes foram exibidos na mostra competitiva do Festival de Cinema de Gramado

Roger Lerina  |  roger.lerina@zerohora.com.br

Semelhantes na diferença

El Casamiento 



O objetivo da curadoria do Festival de Gramado de selecionar longas que dialoguem entre si — reiterado ontem pelo curador José Carlos Avellar em entrevista a Zero Hora — ficou cristalino na noite de quarta-feira. As aproximações entre os dois filmes exibidos na competição são muitas: tanto o uruguaio El Casamiento (2011) quanto o brasileiro Olhe pra mim de Novo (2011) são documentários sobre transexuais e seu cotidiano. A proximidade chega ao detalhe: ambos são introduzidos por uma mensagem de secretária eletrônica gravada pelos protagonistas.

O filme do diretor uruguaio Aldo Garay mostra o dia a dia de um casal singular: Julia, 65 anos, é um homem que decidiu tornar-se mulher; Ignácio, 75, é um ex-pedreiro que conheceu o transexual há 20 anos, em uma noite de Natal, e desde então vive ao lado da companheira. El Casamiento acompanha o casal em dois momentos: em 1995, quando o realizador conheceu a dupla, e nos dias atuais. Tanto no passado quanto no presente, o filme registra muito bem os aspectos íntimos desse relacionamento: a carência material à beira da pobreza — que parece ser compensada por um caloroso afeto mútuo —, a naturalidade como Julia lida com sua condição feminina, o carinho dedicado de Ignácio pelo cachorro da casa, os problemas de saúde dos dois.

Em alguns momentos El Casamiento parece demorar-se demasiadamente em situações corriqueiras antes de chegar ao que se poderia considerar como clímax — o matrimônio formal dos protagonistas. Essa eventual dispersão, porém, é compensada pelo retrato que fica documentado ao final — um olhar ao mesmo tempo amoroso e melancólico de um casamento ímpar.


 Olhe pra mim de Novo




O diretor Kiko Goifman parece ser fascinado por personagens que ousam tirar seus fantasmas do sótão. Em 33 (2004), o próprio documentarista saía à procura de sua desconhecida mãe biológica; já em FilmeFobia (2009), Goifman e outras pessoas enfrentavam seus medos mais medonhos diante da câmera. Em Olhe pra mim de Novo, quem encara todas é uma figura marcante e decidida: Sillvyo Luccio, cearense que nasceu mulher, mas sempre se sentiu homem — e que decidiu trocar de sexo e de nome depois de inclusive já ter tido uma filha.

Codirigido por Claudia Priscilla, mulher de Goifman e diretora do documentário Leite e Ferro (2010), o documentário segue de perto seu personagem, mostrando Sillvyo ao lado da companheira, visitando em cidades nordestinas pessoas que sofrem preconceito por serem diferentes, consultando uma clínica de fertilização sobre a possibilidade de ter um bebê com sua mulher, reencontrando-se com a filha já adulta — talvez o melhor momento do filme, marcado por tensão, mágoa e afeto reprimido. Bem-resolvido com sua sexualidade e dono de opiniões fortes, Sillvyo fala com lucidez sobre a condição transexual e suas implicações, destacando as dificuldades e os preconceitos que depara diariamente em sua vida amorosa, familiar e social.

Um dos problemas do filme é justamente deixar-se encantar em demasia pela eloquência de seu objeto. O olhar de Olhe pra mim de novo é unânime: os realizadores contentam-se em apenas dar voz a Sillvyo, praticamente não questionando o personagem a respeito de suas certezas e dúvidas. Em termos de estrutura, o longa também apresenta questões: o entrecho em que Sillvyo perambula por diferentes locais, falando com pessoas como a mãe que decidiu fazer um teste de DNA no filho de 33 anos — coincidentemente, a mesma idade-título do primeiro longa de Goifman — porque desconfiava de que seu bebê havia sido trocado na maternidade, não encaixa muito bem com o restante da narrativa, que privilegia o protagonista e sua história. O mérito maior de Olhe pra mim de Novo é extracinematográfico: revelar um carismático personagem capaz de expor com clareza e convicção uma condição de gênero ainda pouco divulgada no Brasil.

 

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