O 3º Exército defende a posse de Jango
Dione Kuhn
General declara apoio à posse de Jango / Uma decisão controvertida / Ordem de última hora evitou confronto na Ilha da Pintada / O Retorno
General declara apoio à posse de Jango

Banco de Dados/ZH - 28/8/61

   No terceiro dia da série sobre a Legalidade, Zero Hora mostra como foram as horas que antecederam a decisão do 3º Exército de apoiar a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência, no dia 28 de agosto de 1961.

   Ninguém mais se entendia no interior do Palácio Piratini. Era um corre-corre permeado por informações desencontradas.
Por volta das 11h do dia 28 de agosto, o governador Leonel Brizola pegou uma metralhadora INA e foi para o estúdio da Rede da Legalidade fazer, de improviso, um apelo dramático.
   A poucas quadras dali, no Quartel-General (QG) do 3º Exército, generais e coronéis também haviam passado a madrugada em reunião permanente. O clima era de insubordinação em várias unidades do Exército no Estado. O comandante da Divisão de Cavalaria, de Santiago, general Oromar Osório, já estava rumando para o Paraná em defesa da posse de João Goulart. O comandante da Divisão de Infantaria de Santa Maria, general Pery Bevilaqua, se recusava a cumprir as ordens dos ministros militares de calar Brizola.
Pouco antes de descer para o estúdio, Brizola soube que Machado Lopes queria uma audiência. O encontro foi marcado para as 11h30min. Informado pelos jornalistas Flávio Alcaraz Gomes e Arlindo Pasqualini de que o general declararia adesão à Legalidade, Brizola preferiu fazer antes o discurso.
   O engenheiro Homero Simon disse ao governador que enquanto a uma luz vermelha estivesse acesa, sua voz estaria no ar.
– Botei o coração para fora. Falei com toda a força dos meus pulmões. Era uma emoção eu olhando para aquela luzinha procurando dizer mais e mais coisas – relembra Brizola.
   O governador não descartava a possibilidade de o general sugerir sua renúncia ou tentar prendê-lo. À Brigada Militar, ordenou que cercasse o gabinete tão logo o general entrasse. Assim que ouvisse do general o conselho para entregar o cargo, diria a ele que ordenasse a prisão por telefone, pois ficaria preso no palácio. O comandante chegou e, de imediato, deu apoio à posse constitucional de Jango.

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Uma decisão controvertida

   A decisão do general José Machado Lopes de defender a posse de João Goulart na Presidência nunca foi bem assimilada pelo Exército.
O general quebrou a hierarquia ao descumprir uma ordem do ministro da Guerra, Odílio Denys, para reprimir a resistência liderada por Leonel Brizola.
Às 9h45min do dia 28 de agosto de 1961, Machado Lopes recebeu do general Orlando Geisel, chefe de Gabinete do ministro, um radiograma que determinava agir "com a máxima energia e presteza". Na mensagem, Geisel recomendava empregar inclusive a Aeronáutica para realizar o bombardeio do Piratini se fosse necessário. Machado Lopes respondeu informando que só cumpriria ordens "dentro da Constituição vigente".
Na avaliação de um oficial da reserva que presenciou os momentos de tensão no Quartel-General (QG), Machado Lopes tinha um perfil contemporizador e não queria ser responsável por derramamento de sangue.
– Ele não quis tomar uma atitude máscula. A situação não era de brincadeira, era de quem tomasse uma atitude primeiro. Quem tomou foi Brizola.
O governador, no entender do oficial, foi habilidoso na montagem da resistência:
– Ele fez o diabo, tomou atitudes ilegais como requisitar uma emissora de rádio e todo o combustível e pneus do Estado, convocou voluntários, mandou preparar bancos de sangue. O general ficou sem ação.
Se decidisse cumprir as ordens repassadas por Geisel, Machado Lopes enfrentaria fortes resistências no 3º Exército. Dentro do próprio QG havia divergências entre os oficiais. Coronéis como Luiz Chaves Barlem e Argemiro Assis Brasil – que posteriormente foi chefe da Casa Militar de Jango - eram favoráveis ao movimento de Brizola. Além dos generais Pery Bevilaqua, de Santa Maria, e Oromar Osório, de Santiago, Sílvio Santa Rosa, comandante da 6ª Divisão de Infantaria, em Porto Alegre, também defendeu a posse de Jango.
No livro O III Exército na Crise da Renúncia de Jânio Quadros, publicado em 1980, Machado Lopes dá sua versão sobre o episódio de 1961. O general afirma ter preferido ficar ao lado da Constituição. Chama os ministros militares de "obcecados pela idéia de impedir a posse de João Goulart" e "esquecidos de que havia um Congresso encarregado de zelar pela soberania nacional".
O livro reserva a Brizola as mais fortes críticas. É classificado de anjo negro, de ambicioso e de agitador que "buscava alcançar o poder, levando o presidente a cometer desatinos políticos". Em um dos trechos, diz: "Admirador de Fidel Castro, procurava imitá-lo nos gestos e atitudes. Era grotesco vê-lo, no auge da crise, com uma metralhadora portátil numa das mãos e a Constituição na outra". Em 1964, com o regime militar, Machado Lopes foi para a reserva.

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Ordem de última hora evitou confronto na Ilha da Pintada

Ronaldo Bernardi/ZH
   Com as mãos nos bolsos da japona, semblante tenso e olhar voltado para a Igreja das Dores, o comandante do 3º Exército, general José Machado Lopes, ordenou ao capitão presente a seu gabinete, no Quartel-General (QG) da Rua dos Andradas, o ataque à Ilha da Pintada.
Era início da madrugada do dia 28 de agosto de 1961. Objetivo da missão: enfrentar os mais de cem soldados da Brigada Militar que guarneciam o local e confiscar o cristal da torre de transmissão da Rádio Guaíba, equipamento indispensável para a Rede da Legalidade.
O ataque calaria o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Graças a um estúdio improvisado nos porões do Palácio Piratini, com equipamentos requisitados da Guaíba, Brizola vinha mantendo a população mobilizada desde domingo em defesa da posse constitucional de João Goulart na Presidência. Ao ordenar a invasão, Machado Lopes dava um passo decisivo para o confronto militar.
A missão cabia aos soldados da Companhia de Guarda, sob o comando do capitão Pedro Américo Leal, hoje coronel da reserva do Exército e vereador na Capital pelo PPB. O major Álcio da Costa e Silva, responsável pelo seviço de comunicações do QG, ficaria incumbido da retirada do cristal.
Leal já havia argumentado que a ilha estava tomada por soldados da BM. Horas antes, o sargento Eloy Faedrich, o cabo Antônio da Costa Pereira - que era remador - e um tenente tinham feito um reconhecimento da ilha. De barco, disfarçados de pescadores, os três viram que uma investida resultaria em mortes. Os brigadianos estavam preparados para a luta.
– Capitão, cumpra suas ordens – disse o general.
O capitão já estava no elevador e ainda voltou:
– General, não quero ordem por escrito, mas vai haver baixas na operação, não sei quantas. Vamos atacar uma tropa de muita tradição.
– Capitão, cumpra suas ordens.
Leal deixou o gabinete e rumou para a sede da companhia, na Rua Vieira de Castro. Lá determinou a preparação da tropa. Em três minutos os pelotões estavam em forma no pátio.
Havia divergências no grupo. Alguns achavam a investida uma loucura. O então soldado Gilberto Oliveira, hoje bancário aposentado, 58 anos, não tem dúvida de que a maioria não voltaria com vida da missão. Targino de Campos Homem, 18 anos, filho e neto de brigadianos, avisou a um tenente que se chegasse até a ilha poderia passar para o outro lado.
– Estava apenas de passagem pelo Exército, não pretendia seguir carreira. Não sei se voltaria com vida – diz Targino, 58 anos, hoje coronel da reserva da Brigada.
O pelotão de Targino chegou até a Ponte do Guaíba. Eram 3h quando o capitão Leal recebeu um telefonema do ajudante-de-ordens do comandante do Estado Maior do Exército, general Antônio Carlos Muricy, para suspender o ataque. Leal recusou ordens por telefone. Não demorou para o oficial chegar até a Companhia de Guarda e repassar pessoalmente a contra-ordem. No final da manhã do dia 28, Machado Lopes declarava seu apoio à causa legalista de Brizola.


Dione Kuhn
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O retorno


• 28 de agosto de 1961. O vice-presidente João Goulart encontra-se em Paris, o segundo ponto da sua escala de regresso ao Brasil, depois de uma viagem oficial à China. Em Paris, Jango toma conhecimento das articulações do Congresso para adotar o sistema parlamentarista de governo. Emissários da cúpula militar deixam claro ao vice-presidente que essa é a única hipótese de ele chegar à Presidência.

• No dia 30, quarta-feira, Jango chega a Nova York e é cercado por jornalistas no aeroporto. Perguntado se estava disposto a assumir a Presidência, responde:
– Mas não se trata de mim. É a Constituição do meu país que determina a minha posse. Jango anuncia sua chegada ao Brasil pelo Rio Grande do Sul, único Estado no qual se sente a salvo da ordem de prisão que teria sido dada às guarnições dos aeroportos pelos ministros militares.

• No dia 31 Jango desembarca em Buenos Aires, mas o aeroporto de Ezeiza está cercado por policiais. Jango permanece por três horas no hotel do aeroporto. Nenhuma representação oficial está presente. A imprensa não tem acesso à comitiva. O presidente argentino Arturo Frondizi tenta, com isso, evitar declarações polêmicas do vice-presidente e acalmar os meios militares de seu país. Semanas antes, os militares haviam manifestado irritação com a visita do líder da revolução de Cuba Ernesto Che Guevara a seu país de origem.

• Às 18h05min, o avião DC-3 da Transcontinental decola rumo a Montevidéu. No aeroporto de Carrasco uma multidão de jornalistas aguarda Jango. O ministro das Relações Exteriores do Uruguai e o embaixador do Brasil Walter Sarmanho também estão presentes. De lá Jango segue para a embaixada do Brasil. No dia seguinte, às 11h30min, recebe o deputado Tancredo Neves (PSD-MG), principal articulador da proposta de implantação do parlamentarismo. Jango é convencido a aceitar um sistema que retira poderes do presidente e dá forças ao parlamento. Brizola e Jango conversam pelo telefone.

• Madrugada do dia 28 de agosto. Um radioamador informa a Brizola que interceptou mensagem cifrada assinada pelo coronel Gustavo Borges, diretor do Departamento de Correios e Telégrafos, ordenando o bombardeio do Piratini por parte da 5ª Zona Aérea.


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