Discursos que marcaram a campanha da Legalidade
Leonel Brizola (28/08/61)/João Goulart (30/10/61)

Discurso de Leonel Brizola pelas emissoras da Cadeia da Legalidade, às 11h do dia 28 de agosto de 1961, nos porões do Palácio Piratini:

Destruição
/ Desatino e Loucura / Ordem só interessa a Brizola / Chacina

    Peço a vossa atenção para as comunicações que vou fazer. Muita atenção. Atenção, povo de Porto Alegre! Atenção Rio Grande do Sul! Atenção Brasil! Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção para essas minhas palavras!

    Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo em ordem. Tudo em calma. Tudo com serenidade e frieza. Mas mandem as crianças para casa.
Quanto ao trabalho, é uma iniciativa que cada um deve tomar, de acordo com o que julgar conveniente. Quanto às repartições públicas estaduais, nada há de anormal. Os serviços públicos terão o seu início normal e os funcionários devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará qualquer falta que, por ventura, se verificar no dia de hoje.

    Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos mais graves a revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma cidadela que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela da civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes. No Palácio Piratini, além da minha família e de alguns servidores civis e militares do meu Gabinete, há um número bastante apreciável, mas apenas daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento dos serviços da sede do Governo. Mas todos os que aqui se encontram, estão de livre e espontânea vontade, como também, grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e retirou-se hoje, por nossa imposição.

  Aqui se encontram os contingentes que julgamos necessários, da gloriosa Brigada Militar " o Regimento Bento Gonçalves e outras forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos. Não é muito, mas também não é pouco para aqui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos. Queria que os meus patrícios do Rio Grande e toda a população de Porto Alegre, todos os meus conterrâneos do Brasil e todos os soldados da minha terra querida pudessem ver com seus olhos o espetáculo que se oferece. Aqui nos encontramos e falamos por esta estação de rádio que foi requisitada para o serviço de comunicação, a fim de manter a população informada e, com isso, auxiliar à paz e à manutenção da ordem. Falamos aqui do serviço de imprensa. Estamos rodeados por jornalistas que teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e elementos necessários para que cada um tenha oportunidade de ser também um voluntário, em defesa da Legalidade.

    Esta é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao conhecimento dos meus patrícios de todo o país, da América Latina e de todo o mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo diretamente da residência, onde me encontrava com minha família, acabava de receber a comunicação de que o ilustre general Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me solicitou audiência para um entendimento. Já transmiti, aqui mesmo, antes de iniciar minha palestra, que logo a seguir receberei S. Exa. com muito prazer, porque a discussão e o exame dos problemas é o meio que os homens civilizados utilizam para solucionar os problemas e as crises. Mas, pode ser que esta palestra não signifique uma simples visita de amigo. Que esta palestra não seja uma aliança entre o Poder Militar e o Poder Civil, para a defesa da ordem constitucional, do direito e da paz como se impõe neste momento, como defesa do povo, dos que trabalham e dos que produzem, dos estudantes e dos professores, dos juízes e dos agricultores, da família. Todos, até as nossas crianças desejam que o Poder Militar e o Poder Civil se identifiquem nesta hora para vivermos na Legalidade. Pode significar, também, uma comunicação ao governo do Estado da sua deposição. Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que eu, nem deste serviço, possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, conseqüências muito sérias. Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O certo porém é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar.

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Destruição

   Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios ficarão sabendo porque esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer porque penso que chegamos a viver horas decisivas. Muita atenção, meus conterrâneos para essa comunicação. Ontem à noite o sr. ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade e que está adotando decisões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não concorda com a posse do sr. João Goulart, que não concorda com que o presidente constitucional do Brasil exerça suas funções legais! Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isto é pueril, meus conterrâneos! Isso é pueril, meus patrícios! Não nos encontramos neste dilema. Que vão essas ou aquelas doutrinas para onde quiserem. Não nos encontramos entre uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta a muitos anticomunistas exaltados deste país, que é a coragem de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso com independência. Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente. Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos. Nada temos com os russos. Mas nada temos também com os americanos, que espoliam e mantêm nossa pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.

    Estes que muito elogiam a estratégia norte-americana querem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas isso foi dito pelo ministro da Guerra. Isso quer dizer que S. Exa. tomará todas as medidas contra o Rio Grande. Estou informado que todos os aeroportos do Brasil, onde pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos e com ordem de prender o sr. João Goulart, no momento da descida. Há pouco falei, pelo telefone, com o sr. João Goulart, em Paris, e disse a ele que todas as nossas palestras de ontem foram censuradas. Tenho provas. Censuradas não nos seus efeitos, mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas para essas forças de segurança. Hoje eu disse ao sr. João Goulart: decide de acordo com o que julgares conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto qualquer da América Latina. A decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília, correr o risco e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos nos braços. Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado. Vem como para um país culto e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde dominem os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa para o Uruguai, então, esta cidadela da liberdade, aqui pertinho de nós, e aqui traça os teus planos, como julgares conveniente.

    Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão do ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III Exército! Comandante, general Machado Lopes! Oficiais, sargentos e praças do III Exército, guardiões da ordem da nossa pátria. Vejam se não é loucura. Este homem está doente! Este homem está sofrendo de arteriosclerose, ou outra coisa. A atitude do marechal Odílio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação. Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores, contra os professores, juízes, contra a Igreja. Ainda há pouco, conversando com S. Exa. Reverendíssima Arcebispo Dom Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela paz, pela ordem legal, pela posse a quem constitucionalmente cabe governar o Brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Essa proclamação está em curso pelo país. As igrejas protestantes, todas as seitas religiosas clamam por paz, pela ordem legal. Não é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Queremos ordem civilizada, ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso.

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Desatino e Loucura

   Vejam se não é desatino. Vejam se não é loucura o que vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento. Jogarão o país no caos. Ninguém os respeitará. Ninguém terá confiança nessa autoridade que será imposta, delegada de uma ditadura. Ninguém impedirá que este país, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades do Interior surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra o que um louco e desatinado está querendo impor à família brasileira. Mas, confio, ainda, que um homem como o general

    Machado Lopes, que é soldado, um homem que vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Exército, como esta sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e um desatino e que cumpre salvar nossa pátria. Tenho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emoção deste momento, que talvez seja, para mim, a última oportunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei qualquer imposição.

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Ordem só interessa a Brizola

Desde ontem, organizamos um serviço de captação de notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioamadores, num serviço organizado. Passamos a captar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo em código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da Guerra. As mais graves revelações que quero vos transmitir. Ontem, por exemplo " vou ler rapidamente porque talvez isto provoque a destruição desta rádio " o ministro da Guerra considerava que a preservação da ordem "só interessa ao governador Brizola". Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! É outra prova da loucura! Diz o texto: "É necessário a firmeza do III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial".

    Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo considerado inimigo, meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz. Assim como este, uma série de outros rádios foi captada até no estado do Paraná, e aqui os recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram. Vejam o que diz o general Orlando Geisel, da ordem do marechal Odílio Denys, ao III Exército: "Deve o comandante do III Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o governador Brizola. Deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratem de restituir o respeito ao Exército. O III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza. Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio

    Grande do Sul que julgar conveniente. A Aeronáutica deve realizar o bombardeio, se for necessário. Está a caminho do Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra e mande dizer qual a reforço de que precisa. Diz mais o general Geisel: "Insisto que a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da situação do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas as ordens enviadas para coibir a ação do governador Brizola".

    Era isto, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a sofrer a destruição. Devem convergir sobre nós forças militares para nos destruir, segundo determinação do ministro da Guerra. Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes, que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma, aqui, o papel histórico que lhe cabe. Imponha ordem neste país. Que não se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a população civil, contra as autoridades. É uma loucura.

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Chacina

   Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham, e se eles quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado.

    Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação.

    Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!

    Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever."

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João Goulart em Porto Alegre, em 30 de outubro de 1961, na primeira visita ao Estado depois de tomar posse como presidente
Ouça o discurso / Arquivo, Rádio Gaúcha (12 minutos)
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