HISTÓRIA POR TRÁS DA CANÇÃO

Vingança
Entre os folclores que pairam sobre as canções de Lupicínio, está a história de que Vingança teria provocado sucídios. A mulher que inspirou a música era chamada de Carioca porque, como se pode imaginar, era do Rio. Carioca viveu com ele por seis anos e aproveitou uma viagem do compositor para flertar com um garoto de 16 ou 17 anos que era funcionário de Lupi. Mas o rapaz a dedurou, e Lupi fez as malas. Quando amigos relataram tê-la encontrado bêbada em um bar, durante um Carnaval, lamentando o rompimento, o compositor teve a inspiração: "Eu gostei tanto, tanto / Quando me contaram / Que te encontraram bebendo e chorando / Na mesa de um bar".

Nunca
A mesma Carioca serviu de inspiração para Nunca. Na tentativa de reatar o relacionamento com Lupicínio, ela teria espalhado fotos dele em terreiros. Mas Lupi tinha o corpo fechado, segundo relatou: "Eu sou muito amigo dos pais de santo, os batuqueiros lá de Porto Alegre". Foi daí que teve o lampejo da letra: "Nunca / Nem que o mundo caia sobre mim / Nem se Deus mandar...
Nervos de Aço
Iná foi a primeira mulher de Lupicínio e a primeira desilusão, segundo o próprio. Ele a conheceu cedo na vida, aos 17 anos. Quando compôs os versos, já tinha 22 anos: "Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/ Ter loucura por uma mulher / E depois encontrar esse amor, meu senhor / Nos braços de um tipo qualquer".

Zé Ponte e Xote da Felicidade
Também foram baseadas nas histórias de Lupi com Iná. "Não sei por que, eu não dou sorte com mulata. A única mulata que eu tive na minha vida foi a Iná. A Iná de muitas músicas", disse o compositor.

Quem Há de Dizer
Para não deixar a mulher em casa, suspeitoso do que pudesse fazer, um pianista que tocava na casa noturna Marabá a levava para o local de trabalho. Só que ela terminava bebendo e dançando com os boêmios. O pianista a vigiava com um espelho postado em frente ao instrumento. Observando o pianista, Lupicínio compôes, em parceria com Alcides Gonçalves: "Quem há de dizer / Que quem você está vendo / Naquela mesa bebendo / É o meu querido amor".

Dona Divergência
Composta para Maria, ou Mariazinha, com quem Lupicínio tinha um relacionamento conturbado por causa das frequentes brigas. Separaram-se, com uma condição: um poderia procurar o outro quando idoso, caso precisasse. Maria não o procurou. A conhecida canção inspirada nessa história diz: "Oh, Deus, se tens poderes sobre a Terra / Deves dar fim a esta guerra / E aos desgostos que ela traz".

Volta
Acompanhado do amigo Raul Lima, este empunhando um violão, Lupi preparou uma serenata para uma mulher, mas encontrou seu quarto vazio. Procurou-a por dias, sem sucesso. Então, chamou Raul para tentar encontrá-la em bares e boates. Neste peregrinação em busca da amada, veio o refrão: "Volta / Vem viver outra vez ao meu lado / Não consigo dormir / Sem teus braços / Pois meu corpo / Está acostumado".

Se Acaso Você Chegasse
Conhecida trama sobre um sujeito que rouba a mulher do amigo. Lupi chegou a dizer que havia tidado a história de uma notícia de jornal. Mas teria composto o samba, mesmo, para o compositor Heitor de Barros, de quem pretendia continuar amigos apesar de ter surrupiado a namorada.

PALAVRA DE LUPI

"As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram, porque as que me fizeram bem eu esqueci".
Entrevista ao Pasquim

"Se eu tivesse que dividir meus direitos autorais com as inspiradoras das minhas músicas, nada sobraria para mim"
Crônica no jornal Última Hora

"Eu não sou músico, não sou compositor, não sou cantor, não sou nada. Eu sou boêmio."
Entrevista ao Pasquim, 1973

"Todo mundo fala comigo, todo mundo bebe comigo, todo mundo convive comigo. (...) Só tem uma coisa que eu escolho: os meus amigos pra sair comigo. Na hora de sair, ou pra frequentar a minha casa, é outro negócio"
Entrevista ao Pasquim, 1973

"A partir das 4 horas da manhã, sou só da patroa"
Entrevista ao Pasquim, 1973

"Casos como este (mágoa de Radamés Gnattali com Porto Alegre) existem muitos, porque o Rio Grande do Sul é muito ingrato para os seus filhos (...)"
Crônica no Última Hora

"Homem que realmente é boêmio não tem mais do que um lar. Os boêmios, geralmente, são bons maridos."
Crônica no Última Hora

"É preciso que nossos pecadilhos, que aconteceram, não afetem nossas esposas nem nossos filhos. Tudo não deve passar de uma aventura sem consequências, um romance vulgar. Eu digo isso porque já andei fazendo das minhas e sei bem o que sofri"
Crônica no Última Hora

MITOS E FATOS

A história dos marinheiros é verdadeira?
Lupicínio atribuía o sucesso nacional de suas músicas à divulgação feita pelos marinheiros, que as aprendiam em cabarés da Capital e levavam na ponta da língua para o Rio e outros lugares. Mas a tese é fantasiosa, segundo o jornalista Marcello Campos, que lançará o livro Almanaque do Lupi (Editora da Cidade/SMC) em novembro, na Feira do Livro de Porto Alegre. A popularidade foi garantida pelas apostas de intérpretes de renome na época, como Alcides Gonçalves, em discos e nas rádios.

A parteira precisou chegar de canoa?
Reza a lenda que Lupicínio nasceu em noite de tempestade e que a parteira precisou chegar de canoa à casa da família na Travessa Batista, 97. Embora a Ilhota inundasse com frequência, as páginas de meteorologia dos jornais da época mostravam que, por volta das 21h do dia 16 de setembro de 1914, o céu estava limpo, como descobriu o jornalista Marcello Campos.

Fez sucesso em sair de Porto Alegre?
Ainda hoje muitos se surpreendem como um sambista de Porto Alegre obteve reconhecimento nacional sem deixar o Rio Grande do Sul. Mas não foi bem assim, conforme Marcello Campos. Desde 1939, e principalmente a partir dos anos 1950, Lupi viajou constantemente para São Paulo e Rio, lá permanecendo por semanas ou meses. Afinal, ele era procurador regional da Sbacem, entidade que administra os direitos autorais da execução pública de músicas.

Lupi compôs 500 canções?
Levantamento realizado para a pesquisa de Marcello Campos encontrou 286 canções compostas por Lupicínio. De muitas se conhece apenas título, ano e possíveis parceiros. Tudo isso derruba as estimativas inflacionadas que apontavam até 500 canções no baú do compositor.

GRAVAÇÕES CLÁSSICAS

Lupicínio por Lupicínio
Há um consenso entre os fãs: Lupi era seu melhor intérprete. Mas na era de ouro do rádio, pontuada por grandes vozeirões, seu canto miúdo, que lembrava o de Mário Reis, demorou para ser reconhecido. Fato é que Lupi gravou pouco. Alguns destes LPs foram lançados em CD, mas está tudo esgotado há tempos. O jeito é garimpar entre usados.

O primeiro intérprete
Parceiro de Lupicínio em alguns de seus maiores sucessos, Alcides Gonçalves foi o primeiro a gravar suas canções. As faixas eram Pergunte aos meus Tamancos e Triste História, esta uma coautoria de Gonçalves. Os registros históricos foram lançados em 1936 pela RCA Victor e figuraram, em versão digital, na caixa de CDs em homenagem a Lupicínio do selo Revivendo, em 1995.

Se Acaso Você Chegasse, por Cyro Monteiro (1938)
Dois anos depois das gravações pioneiras de Alcides Gonçalves, Cyro Monteiro – também pela RCA Victor – lançou Lupicínio nacionalmente com Se Acaso Você Chegasse, que viraria marca registrada da cantora Elza Soares. Um ano depois, em 1939, Lupicínio viajaria para o Rio pela primeira vez, quando travou contato com grandes cantores do centro do país.

Nervos de Aço, por Francisco Alves (1947)
Na definição do biógrafo Demosthenes Gonzales, esta foi a gravação que iniciou o "ciclo da dor de cotovelo". O sucesso foi tão estrondoso que chegou a sair anúncio em jornal da Bahia pedindo doméstica que não cantasse Nervos de Aço, segundo Demosthenes – que cita o jornalista Telmo Ferrari, que por sua vez atribui a história a um saxofonista. Haja lenda.

Felicidade, por Caetano Veloso (1974)
A gravação de Caetano Veloso para Felicidade no disco ao vivo Temporada de Verão (1974) marcou a redescoberta de Lupicínio pela geração pós-bossa nova. Caetano transformou o que era originalmente um xote em uma canção tão popular que muita gente ficou pensando que era de autoria anônima, música do folclore. O jornalista Mário Goulart registra um encontro entre Lupicínio e Caetano em Porto Alegre naquele ano.