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Milonga abaixo
de mau tempo
(Mauro Moraes)
Coisa esquisita a gadaria toda,
Penando a dor do mango
com o focinho n'água,
O campo alagado nos obriga à reza,
No ofício de quem leva pra
enlutar as mágoas.
O olhar triste do gado atravessando o rio,
A baba dos cansados afogando a volta,
A manhã de quem berra
no capão de mato
E o brado de quem cerca
repontando a tropa.
Agarre amigo o laço enquanto
o boi tá vivo,
A enchente anda danada
molestando o pasto,
Ao passo que descampa
a pampa dos mirréis
E a boia que se come,
retrucando o tempo,
Aparta do rodeio a solidão local,
Pealando mal e mal o que
a razão quiser.
Amada, me deu saudade...
Me fala que a égua tá prenha,
que o porco tá gordo,
Que o baio anda solto,
Que toda cuscada lá em casa comeu.
Coisa mais sem sorte esta
peste medonha,
Curando os mais bichados
deu febre no gado,
Não fosse a chuvarada
se metendo a besta,
Traria mil cabeças com
a bênção do pago.
Dei falta da santinha
limpando os peçuelos
E do terço de tentos nas
preces sinuelas,
Logo em seguidinha
é semana santa,
Vou cego pra Barranca
e só depois vou vê-la.
Dicionário gaudério
• Mango: relho, rebenque
Capão: porção de mato isolado no
meio do campo
Tropa: grande porção de animais
conduzidos em marcha, de um ponto
a outro
Mirréis: o pouco de dinheiro que resta
aos tropeiros
Bichado:
doente
Peçuelo:
espécie de
bolsa com duas sacolas
laterais que vai na
garupa e serve
para o transporte de
mantimentos
Barranca: festival de
música que ocorre todo
ano durante o feriado de
Páscoa em São Borja
Na travessia de um rio, os bichos às vezes ficam desorientados. Eles precisam ter alguém que os guie, o chamado peão-ponteiro, que vai na frente da tropa. E o mango (relho) é usado para direcionar os animais, que podem se perder na correnteza.
Uma cena de campo. Quando o bicho se desagrra da tropa, ele é laçado pra ser trazido de volta, até mesmo dentro d'água. A destreza do homem do campo é uma coisa impressionante nessas horas.
Mesmo em um dia de muita chuva, chega um momento em que o tropeiro precisa se abrigar para se alimentar. E venha o que vier. Tu estás sujeito às intempéries da vida.
A amada seria a mulher do tropeiro, a pessoa que está cuidando do rancho enquanto ele está tropeando. Pois ele fica preocupado com o que está acontecendo em casa: se a égua está prenha, se o porco está gordo... E o cavalo baio do José Cláudio Machado existe até hoje. Bandolim é o nome dele.
No meio de tudo isso, pode acontecer da bicharada adoecer. E o tropeiro tem que tratar, ou tentar proteger a tropa que está levando de um lugar para o outro. É preciso ter conhecimento até mesmo de veterinária, mesmo havendo os curandeiros, aqueles campeiros que conhecem de tudo um pouco.
Porque se perde muito animal por causa dessas intempéries, numa enchente, até mesmo numa cruzada de rio. Sem a chuva, o tropeiro transportaria muito mais gado.
Aí entra a fé do homem: a santinha, o terço de tentos (crucifixo de couro). É um momento espiritual, de oração, que expõe o homem do campo também a ter fé. E durante a Semana Santa acontece o Festival da Barranca, em São Borja. Então, mesmo depois de toda a enchente, o tropeiro ainda vai na Barranca, como músico, para só depois voltar para casa.