Criada em uma casa de acolhimento desde os 16 anos, Dara da Silva Machado tomou uma decisão que tem sido recorrente entre adolescentes na fila adoção em Caxias do Sul: desistiu de esperar por uma nova família e optou por tocar a vida sozinha. Não foi uma decisão fácil, mas a jovem de 19 anos percebeu que a única saída seria trilhar esse caminho. Dara precisou se desligar do acolhimento porque atingiu a maioridade — pela legislação, todo adolescente ao completar 18 precisa sair da instituição. É um momento crucial para muitos jovens ignorados pelos candidatos a pai.
Há duas semanas, Dara ocupa um apartamento no loteamento Campos da Serra. Queixa-se da solidão ao chegar em casa à noite, diariamente, por volta das 20h30min. Para mudar o clima, liga a televisão, brinca com o filho João, de três anos, mas ainda assim sente falta das conversas e até das brigas que ocorriam na Casa Lar Murialdo, onde morou por três anos ao lado de sete jovens. Destituída da família de origem, que não tinha condições de criá-la e nem às outras cinco irmãs, ela nunca quis ser abraçada por novos pais. Tinha consciência de que não voltaria para o cuidado dos biológicos, mas também não se imaginava com um novo sobrenome.
A história de Dara se assemelha a de diversos outros jovens em Caxias, que estão na mesma situação, disponíveis para adoção. Por não serem bebês, os preferidos na hora da escolha dos pretendentes, e cientes de que a adoção tardia, após os 12 anos, não é comum, eles já chegam aos abrigos e instituições sem expectativas de uma vida fora dali. Os números ajudam a entender essa falta de esperança. Na cidade, de acordo com o Juizado Regional da Infância e Juventude, há 21 crianças e adolescentes que aguardam por uma família, sendo que 12 deles têm mais de 11 anos; no Brasil, segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), 3.954 dos 6.583 estão nessa faixa etária, ou seja 60%. O perfil escolhido por quem está em busca de um filho também ilustra a desesperança: dos 230 pretendentes que estão na fila em Caxias, nenhum aceita crianças maiores de 9 anos.
— Quanto mais tempo eles passam dentro das instituições, mais sem esperança eles ficam. Um dia na vida deles faz diferença. Nas casas lares, eles ainda se acostumam com a rotina, criam suas manias e não pensam em se adaptar em outro lugar. Alguns também não pensam em morar em outra casa porque gostariam de voltar para os pais biológicos, mesmo cientes de que eles não teriam estrutura para mantê-los. Nós não criamos essa expectativa com eles, já que sabemos que, infelizmente, a adoção de adolescentes é difícil — explica Ketlyn Girelli, psicóloga da Casa Lar Murialdo.
Dara entrou na instituição, aos 16 anos, sem vontade de ser acolhida por outra família, mas também demorou para aceitar que o lar, que abriga no máximo oito crianças e jovens, seria seu novo endereço. Mas resolveu não cruzar os braços. Voltou a estudar e, há um ano, trabalha como atendente em uma padaria. Todo o dinheiro que ganha, guarda. A economia e a força de vontade fizeram com que ela conseguisse comprar o apartamento que hoje divide com João.
— Sempre fui bem tratada na casa lar, mas sabia que não seria meu lugar para sempre. Optei por dar um rumo para a minha vida. Não foi fácil, e nem está sendo, mas tudo vai ir para o seu lugar. Sei que tem quem olha para casa, de fora, e pensa "coitadas das crianças que moram aí", mas não é assim. Se você souber aproveitar todas as oportunidades antes de completar 18, vive muito bem depois. A cabeça só precisa ficar no lugar — diz Dara.
A jovem passou no vestibular no início do ano, mas ainda não começou a cursar em função da mudança para a nova casa. Com um sorriso largo e sem pensar muito, conta que planeja cursar Pedagogia para trabalhar com crianças. Embora goste de organizar a vida, não faz grandes planos:
— Não gosto de me frustrar. A vida sempre me mostrou que sonhar muito não é bom.