Um novo movimento estudantil

Um novo movimento estudantil

A juventude esteve na linha de frente de episódios importantes da história brasileira. Lutou contra a ditadura e pela anistia, pediu Diretas, Já! e gritou Fora, Collor. Mas, nos últimos tempos, o movimento estudantil praticamente inexistiu. As mobilizações perderam força e ver jovens na rua, por muito tempo, virou coisa rara.

— Nós tivemos um período nas últimas décadas de refluxo dos movimentos sociais. No caso do Brasil, tinha a ver com um certo empoderamento social, a questão do consumismo, esse momento da massa salarial levou a ação mais consumista, mais individualista que coletiva — analisa o doutor em Ciência Política e professor da Universidade de Caxias do Sul, João Ignácio Pires Lucas.

A chegada da esquerda à presidência da República também pode ser considerada responsável pela desmobilização e afastamento, já que, tradicionalmente, os movimentos sociais eram formados principalmente por pessoas ligadas a partidos como PT e PCdoB. Por isso, as manifestações expressivas contra o aumento das passagens de ônibus, como as de 2013, e os protestos contra o governo federal, marcam um nova fase. Assim como as ocupações em escolas, que começaram ainda em 2015 em São Paulo e ganharam força neste ano, se espalhando pelo país, mostram o surgimento de um movimento estudantil.

Em Caxias, a mobilização começou na semana passada, quando estudantes de quatro colégios da cidade, inspirados na mobilização que viam pela TV, resolveram montar acampamento nas salas de aula.

— Se eles (estudantes de São Paulo) conseguiram, nós também podemos — resume Vauber Mateus Ribeiro Motta, uma das lideranças do movimento no Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza.

O jovem de 16 anos entrou nessa batalha porque acredita na educação como forma de melhorar a sociedade. Acredita tanto que quer ser professor. Aluno do primeiro ano do Normal, também conhecido como Magistério, ele pretende cursar História no futuro. E, embora não tenha ligação partidária, tem posições ideológicas muito claras e definidas, como considerar o busto de Duque de Caxias um símbolo de opressão — a imagem, que fica no saguão da escola, foi tapada por trapos e sacola plástica.

— Partido político influencia e nós queremos independência, que seja um movimento protagonizado pelos estudantes — destaca.

Protagonismo retomado




— Seria, até, irresponsável comparar a mobilização estudantil atual com as antigas, que fizeram história. Mas, de fato, o movimento dos estudantes em ocupar as escolas é significativo.

Para Pires Lucas, a tendência é que os jovens retomem o protagonismo que já tiveram em momentos passados. A diferença, agora, é que a pauta é mais ampla e mais difusa, incluindo questões LGBTI, de gênero, étnicas e de direitos humanos, não restringindo-se mais a questões políticas:

— Há uma menor presença de organizações tradicionais, como os próprios partidos, que até estão presentes, mas em menos intensidade do que no passado. São essas as novidades do novo movimento estudantil, que precisa se consolidar ainda. É uma aposta que vem ressurgindo e pode refluir. Mas há uma tendência que siga.

Movimento de professores perdeu força




Se por um lado há o ressurgimento do movimento estudantil, por outro, há falta de mobilização dos professores. Dos 1.823 docentes da rede estadual de Caxias, apenas 115 estão em greve.

Professora do Apolinário Alves dos Santos, primeira escola a ser ocupada por alunos, no dia 18, Aline Turella, 31, aderiu à paralisação somente após o movimento dos estudantes ser deflagrado. Antes, não havia cogitado, embora já tivesse entrado em greve no ano passado.

A iniciativa dos alunos a encorajou a paralisar as atividades:

— Eu me sinto motivada por eles. Esse movimento me motiva a lutar por condições melhores. Espero que tenha um desfecho bom. Que a gente tenha uma educação de qualidade e condições de trabalho para isso.

A realidade da greve do magistério é bem diferente da de mobilizações passadas. Em 1987, no primeiro ano do governo Pedro Simon (PMDB), a categoria parou por 95 dias. Titular da 4ª Delegacia da Educação na época, Beatriz Reginini lembra que a adesão era muito grande, inclusive em Caxias. Anos antes, em 1978, ela liderou a greve dos professores no Cristóvão de Mendoza.

Relembre a mobilização dos professores em 1987

Hoje, ela acredita que a greve não é mais um recurso eficaz de negociação.

— A gente recupera (o conteúdo), mas a recuperação não é a mesma. Acho que a comunidade não aceitou mais essa quantidade de greve. E acho que o professor também entendeu que hoje a greve não é mais um recurso de barganha com o governo. A gente sabe que no Rio Grande do Sul o salário do professor não é o que o ele deveria ganhar, mas nós temos consciência do estado que o RS está hoje financeiramente — entende.

Para o doutor em Ciência Política João Ignácio Pires Lucas, a falta de mobilização entre os professores tem justamente a ver com o desgaste das sucessivas greves que resultaram sempre em conquistas muito pequenas. Além disso, segundo ele, esse é um sinal da época contemporânea, onde as pessoas têm uma visão mais individualista.

— É natural que cidades maiores, especialmente as capitais, apresentem índices de mobilização maior que cidades do interior. Isso é um padrão brasileiro. Nesse sentido, Caxias, embora tenha um porte significativo e até uma sociedade civil organizada, sofre essa tendência — acrescenta o professor da UCS.

Cristóvão parou em 1983




O ano era 1983 e o Brasil não ia às urnas para escolher o presidente da República desde 1960, quando elegeu Jânio Quadros. No Rio Grande do Sul, Jair Soares recém havia sido eleito governador — na primeira eleição direta para o Piratini ainda sob o regime militar. Embora o período fosse ditatorial, já havia sinais da reabertura política, com a possibilidade de organização dos grêmios estudantis nas escolas, por exemplo.

A chapa liderada pelo jovem Paulo Torelly, então com 18 anos, foi eleita para conduzir o Grêmio do Cristóvão de Mendoza naquele ano. A principal bandeira era uma gestão participativa. A primeira atividade do grupo foi a realização de uma semana estudantil, com jogos, teatro, música e debates sobre democracia. Não demorou muito para que a direção da escola tomasse uma atitude: nomeou um professor para acompanhar as reuniões do Grêmio.

A tentativa de intervenção resultou em greve dos alunos, que durou duas semanas. A escola parou e a mobilização teve apoio de outros colégios, como o Santa Catarina, que também entrou em greve.

— Fizemos um protesto num sábado pela manhã e fomos detidos para a polícia, toda a diretoria foi levada para a delegacia. Foi ai que estourou — recorda Torelly.

O impasse era tão grande, que quatro líderes do movimento entraram em greve de fome. Foram 32 horas sem comer na tentativa de obter um retorno da Secretaria da Educação. A atitude radical teve êxito: a diretora da escola foi afastada, mas o governo pediu que os alunos retomassem as aulas.

Relembre a mobilização dos estudantes em 1983

O movimento desmobilizou e meses depois, no final do ano, Torelly e o vice-presidente, o secretário e o tesoureiro foram transferidos de escola.

— Era mais uma questão de honra, para mostrar quem manda, numa visão autocrática — avalia.

Trinta e três anos depois, o hoje procurador de carreira do Estado diz ter orgulho em ter lutado pela democracia:

— Tenho medo que o Brasil volte a ser uma ditadura. Com certeza, faria tudo de novo.

UCS foi ocupada em 2007




Ocupação não é, exatamente, uma novidade em Caxias. Em 2007, motivados pela mobilização que tomava conta do país, alunos da Universidade de Caxias do Sul (UCS) ocuparam o prédio da reitoria. Liderados pelo Diretório Central de Estudantes (DCE), eles tinham extensa lista de reivindicações. A principal bandeira era a contrariedade ao reajuste das mensalidades. Ao final de uma semana de acampamento e negociação, o DCE conseguiu garantir, por exemplo, a redução do percentual de aumento e a manutenção dos descontos para os cursos de licenciatura.

Veja como foi a ocupação

Panorama




Até esta sexta-feira, quatro escolas estaduais estava ocupadas: Apolinário Alves dos Santos, Emílio Meyer, Cristóvão de Mendoza e Aristides Germani. Entre as atividades realizadas com os alunos que participam da mobilização, palestras e oficinas com voluntários. No Cristóvão, o colégio fica aberto, mas os estudantes não permitem que ocorra aula tradicional. No Emílio, nem todos os alunos aderiram à ocupação. Nos turnos da tarde e noite, as turmas estão tendo aula normal. Apenas alguns estudantes da manhã estão acampados na escola.








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Reportagem:

Juliana Bevilaqua

Fotografia:

Roni Rigon

Tatiana Cavagnolli

Infografia:

Guilherme Ferrari