Reportagem: Paola Bello | Arte: Marcelo Camacho | Vídeos: Giovanni Bello
 
   
Até 2050, a obesidade e o sobrepeso podem se tornar o principal problema de saúde dos catarinenses. O alerta é dado por pelo menos dois estudos recentes que apontam o aumento significativo do excesso de peso entre crianças e adolescentes no Estado. A causa, segundo pesquisas conduzidas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), seria a mudança de hábitos alimentares e a redução das atividades físicas. Hoje, a obesidade atinge uma em cada dez crianças de seis a 10 anos de idade em Santa Catarina. Entre quem tem quatro e seis anos, o índice é de 7,5%. Apenas em Florianópolis, o sobrepeso chega a 30% de todos os alunos do ensino fundamental.

Pesquisas conduzidas pelo departamento de Nutrição da UFSC com crianças de seis a 10 anos em escolas públicas e particulares no Estado mostram que a obesidade já alcança 9,6% das crianças catarinenses e que 13,9% delas sofrem com o sobrepeso. A maior concentração de crianças acima do peso ideal está na região Oeste do Estado, atingindo um em cada quatro estudantes. Na sequência vêm a região central, com 9,8% das crianças obesas e 13,5% com sobrepeso, e o Litoral, com 9,3% de índice de obesidade e 13,7% de sobrepeso entre as crianças.

— Quanto mais cedo a criança desenvolve a obesidade, maior é a tendência de ela se manter obesa ao longo da vida — alerta um dos responsáveis pela pesquisa, o professor de Nutrição e Saúde Coletiva Francisco Vasconcelos.

As pesquisas lideradas por Vasconcelos ligam diretamente o aumento da obesidade às mudanças nos hábitos da população. Segundo os estudos, alguns hábitos se repetem entre as crianças acima do peso no Estado: grande parte vai de ônibus ou carro à escola, quase um terço pratica esportes menos de três dias durante a semana e 10% dormem menos de oito horas por noite.

— À medida em que vai havendo uma mudança nos hábitos alimentares e nos padrões de atividade física da população, há uma tendência maior de sobrepeso e da obesidade. Estamos consumindo cada vez mais alimentos ricos em gorduras, carboidratos e açúcares. Ao mesmo tempo, a população está cada vez mais sedentária, movimenta-se menos, utiliza cada vez mais o carro para se locomover e passa mais tempo ainda em frente à TV — explica o pesquisador.

Entre as capitais brasileiras, as da Região Sul estão no topo do ranking do sobrepeso infantil. A última pesquisa realizada pelo IBGE com alunos do 9° ano do ensino fundamental mostra que os adolescentes entre 13 e 16 anos mais pesados do Brasil estão em Porto Alegre _ 12% são obesos. Em Florianópolis, 8,5% dos alunos são obesos e 18,9% estão com sobrepeso. Curitiba vem logo em seguida, com 8,2% dos alunos obesos. E na tentativa de evitar adultos obesos, o alerta está ligado para crianças cada vez mais novas.

 
 
 
 

Pais obesos tendem a ter filhos obesos

Outro dado constatado em pesquisa é que pais obesos tendem a ter filhos também obesos. Esta similaridade, porém, tem pouco influência da genética e muito do ambiente familiar. Segundo Vasconcelos, os pais, que cresceram no auge do fast food e do uso das tecnologias a favor do conforto desenvolveram hábitos que tendem a se repetir nos filhos.

— Hoje é mais comum para as famílias comerem fora de casa. Dessa forma, deixam de comer feijão com arroz, frutas, verduras e legumes, para comer alimentos industrializados, ricos em gorduras, carboidratos simples, açúcares simples e pobres em fibras. Os pais tendem a se deslocar menos a pé e de bicicleta e mais de carro, e esse hábito é repassado aos filhos. Essas mudanças estão cada vez mais presentes em todas as classes sociais, tanto na zona urbana quanto na zona rural. E é essa mudança que está levando ao desenvolvimento do sobrepeso e da obesidade — explica.

A tendência é confirmada pela pediatra nutróloga Maria Marlene de Souza Pires. A médica está a frente das pesquisas sobre obesidade no Hospital Infantil Joana de Gusmão, na Capital. Para ela, a obesidade precisa ser vista como doença, principalmente pelos pais.

— Realizei uma pesquisa entre pais de crianças obesas e percebi que a maioria não alimenta os filhos corretamente. Percebemos que há pais que dão embutidos, bolacha recheada, salsicha para criança de menos de um ano. É frequente receber mães que estão amamentando seus filhos, mas que também dão macarrão instantâneo para seus bebês. Quando você faz isso, você alimenta seu filho com gorduras trans, com sódio — lamenta a pediatra.

Para ela, é fundamental que a família toda esteja envolvida em um ambiente saudável, com hábitos de exercício físico e de alimentos balanceados para evitar a obesidade.

   
   
Opinião de especialista  
10 DÚVIDAS FREQUENTES SOBRE OBESIDADE INFANTIL
 


Tendência mundial

A obesidade infantil em Santa Catarina segue as tendências mundiais, que já levaram a ONU a tratar o excesso de peso como problema de saúde pública. Segundo levantamentos das Nações Unidas, a média da obesidade entre crianças de até cinco anos de idade em 1990 era de 4,5% em todo o mundo. Para 2015, a projeção é de quase o dobro _ é esperado que 7,4% das crianças de até cinco anos sejam obesas. Os maiores índices de aumento de peso estão nos países desenvolvidos, como EUA, Japão e países da Europa. Nestes locais, a obesidade infantil era de 7,4% em 1990. Hoje, a média ultrapassa os 14%.

O retrato da saúde infantil mundial de hoje é praticamente o oposto do que se tinha há apenas 30 anos. A desnutrição, que atingia uma em cada quatro crianças de até cinco anos de idade em todo o mundo na década de 1990, segundo a ONU, hoje alcança 15 em cada 100. No Brasil, segundo o IBGE, o excesso de peso entre jovens de 10 a 19 anos passou de 3,7% em 1970 para 21,7% em 2009 _ sete vezes maior em apenas três décadas. Na contramão, o baixo peso, que na década de 1980 atingia sete em cada 100 crianças brasileiras, hoje está em 1,8%.
Os índices de massa corporal aumentam gradativamente a cada geração. Ou seja, crianças que nasceram com medo do fantasma da desnutrição na década de 1990 hoje são jovens que sofrem com os problemas do sobrepeso e da obesidade.

   
   
   
   
   

Adultos contra a balança

Diferente das crianças, que têm o Índice de Massa Corporal (IMC) calculado de acordo com a idade, pessoas acima de 20 anos têm o IMC calculado de acordo com o peso e a altura. O cálculo é simples: basta dividir o peso pela altura elevada ao quadrado. Se o resultado der menor que 18, a pessoa está abaixo do peso ideal. De 18 a 25, está no peso certo. De 25 a 30, está com sobrepeso, e se o resultado der mais que 30, a pessoa é considerada obesa.

   

Segundo a pesquisa Vigitel, em 2006, 10,1% dos florianopolitanos eram classificados como obesos (IMC maior que 30) e 41,2% estavam acima do peso ideal (IMC de 25 a 30). Em 2013, os índices subiram para 15,7% e 48,6% respectivamente. Ou seja, quase a metade da população adulta de Florianópolis está acima do peso e há atualmente mais de 995 mil adultos obesos. E, se os índices da Capital acompanharem as projeções da ONU para o Brasil, este número será ainda maior.

Dados da Organização Mundial de Saúde indicam que no Brasil houve um crescimento de 2,5 pontos no IMC entre 1990 e 2009. Há 23 anos, o IMC médio dos homens do Brasil era de 22,6 e das mulheres, de 24,1. Em 2009, o IMC médio passou para 25,9 para homens e 26,1 para mulheres. Isto quer dizer que, em 19 anos, os brasileiros saíram da média de peso ideal e entraram na faixa do sobrepeso.

 
  Veja entrevista completa com professor Francisco Vasconcelos
 

Se considerarmos a altura média do brasileiro, de 1,69 metro para homens e de 1,58 metro para mulheres, este índice de IMC significa que os homens passaram de 64,4 quilos, em média, para 73,8 quilos _ engordaram quase dez quilos em 19 anos. Para as mulheres, o aumento de peso é mais ameno: a média da brasileira passou de 60 para 65 quilos — aumento de cinco quilos entre 1990 e 2009.

O aumento do IMC entre os adultos é uma tendência identificada pela ONU. Das dez maiores potências mundiais (Brasil, China, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e EUA), os EUA registraram o maior aumento médio de IMC entre homens e mulheres, de 2,8 pontos. Considerando homens e mulheres separadamente, o Brasil teve o maior aumento de IMC entre os homens (de 3,3 pontos) e os EUA, o maior entre as mulheres (de 3,4 pontos). As mulheres italianas foram as únicas que reduziram o IMC — passaram de 25,2 em 1990 para 24,8 em 2009. Os homens indianos foram os únicos que mantiveram o IMC, de 21 pontos.

Os levantamentos da ONU levam à preocupação de um risco eminente: os homens e as mulheres brasileiras aumentam em 0,1 ponto o IMC a cada ano. Nesta progressão, o padrão da mulher brasileira será de obesa (IMC 30) em 2040, e os homens atingirão a mesma média em 2055.

   
 

E se não formos totalmente culpados?

Embora o aumento de peso da população seja reconhecido como uma consequência de má alimentação associada a hábitos sedentários, alguns pesquisadores defendem que pode haver mais um vilão nesta história. Desde o início da década de 1990, cientistas, médicos, epidemiologistas, toxicologistas e químicos do mundo todo capitaneiam estudos sobre compostos batizados de "obesógenos" e "interferentes endócrinos" (em inglês, endocrine disrupting compounds — EDCs). Em linhas gerais, estes elementos seriam responsáveis por alterar as células humanas e reprogramá-las, afetando o funcionamento do organismo e nos reprogramando para nos tornarmos cada vez mais gordos. Estes elementos estariam presentes em comida, retardantes de chamas, pesticidas e fragrâncias.

A médica londrina Paula Beillie-Hamilton, especialista em metabolismo humano, foi uma das pioneiras nos estudos que apontam a ação dos EDCs desde a fase pré-natal até o desenvolvimento da obesidade ao longo da vida da criança. Em entrevista por telefone ao Diário Catarinense, ela fala sobre os perigos aos quais podemos estar expostos.

Diário Catarinense — Segundo seus estudos, a vida moderna e o uso de alguns componentes químicos podem estar ligados diretamente à epidemia global de obesidade. Onde estes elementos são encontrados?
Paula Beillie-Hamilton —
Os organoclorados são os piores destes elementos. Neste grupo estão pesticidas à base de DDT e lindane. Estes compostos foram banidos em muitos países pelo fato de que eles se degradam muito lentamente e, por isso, continuam presentes na maioria dos alimentos com os quais têm contato. Há também compostos usados na indústria como retardadores de chamas que têm comportamento similar quanto à degradação e à presença em alimentos. Há ainda outros componentes químicos, como os organofosfatos e os carbamatos, amplamente utilizados como pesticidas na indústria alimentícia, e que também são usados como promotores de crescimento e no processo de engorda de animais. Apesar do uso destes compostos para estes propósitos terem sido banidos, eles continuam presentes em muitos alimentos frescos e vegetais.

 

DC — Como estes compostos podem influenciar na obesidade entre crianças?
Beillie-Hamilton — Muitos componentes químicos podem contaminar o sistema de controle de peso do corpo humano. O problema é que, durante a infância, este sistema ainda não está maduro e níveis pequenos de substâncias químicas podem causar muitos danos às crianças, inclusive danos permanentes. Eles podem afetar à crianças pelo resto de suas vidas e tornar difícil a perda de peso na idade adulta. As crianças que são expostas a substâncias químicas antes do nascimento tendem a ser mais gordas que os demais. Este ganho de peso tende a persistir ao longo da vida. Este efeito é comprovado e usado comercialmente na criação de gado, por exemplo, onde vacas prenhas recebem esteroides para gerar bezerros mais gordos e que pesem mais quando crescidos.

DC — Além da obesidade, estes elementos químicos podem causar outras doenças?
Beillie-Hamilton —
Sim. Podem causar doença de Parkinson, distúrbios de aprendizado na infância (dislexia, dispraxia, autismo, disgrafia, déficit de atenção e hiperatividade), problemas do sistema nervoso (ansiedade e depressão), distúrbios do sistema imunológico (asma e eczema), câncer, disfunções hormonais (como diabetes e problemas de tireóide), doenças do intestino (cólon irritável), entre outras. Tenho observado que muitas das chamadas doenças modernas podem estar ligados aos danos causados por componentes químicos assim como componentes químicos podem danificar e interferir em quase todos os aspectos do metabolismo humano.

        Foto: Arquivo pessoal
   
    Para Paula Beillie-Hamilton, obesidade pode ser
agravada por contato com substâncias tóxicas
 

DC — Como a presença e o convívio com estes componentes podem afetar as gerações futuras?
Beillie-Hamilton —
A humanidade vai se tornar cada vez mais afetada por estes componentes a cada geração. Uma evidência são as doenças que no passado eram muito raras, mas que hoje se tornam cada vez mais comuns. Um dos resultados é a humanidade se tornar cada vez mais obesa e acima do peso. Não há sinais de que esses índices estejam diminuindo. Pelo contrário, novos padrões de doenças estão se tornando mais óbvios, como diabetes infantil.

DC — Há alguma forma de pararmos este processo?
Beillie-Hamilton —
É muito importante saber o máximo possível sobre estes problemas e como eles nos afetam. Uma vez que as pessoas têm conhecimento sobre como algo pode estar afetando a saúde de sua família, elas podem adotar mudanças em suas vidas para evitar o contato pior com estes elementos. Nas últimas duas décadas, esta preocupação se traduziu na corrida por novos produtos já sem estes componentes tóxicos. Enquanto não for possível evitá-los todos, com um pouco de esforço é possível viver com exposição relativamente pequena a eles. A boa notícia é que há uma luz no fim do túnel: quando se evita estes componentes e se insere os suplementos certos, é possível enfrentar o problema da obesidade assim como outras doenças relacionadas aos danos químicos.