ANTÍDOTO

para a crise

O Brasil ocupa só a 69ª posição em um ranking global de investimentos em inovação, apontada como uma das saídas para melhorar a performance dos negócios em tempos de aperto. A boa notícia, em SC, é que um levantamento da Fiesc mostra que 54% das indústrias do Estado vão aplicar recursos na área neste ano – a meta é, sobretudo, aumentar a produtividade

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Reportagem: Pedro Machado

16/09/2017

unca se falou tanto a respeito como nesses tempos de aperto financeiro. Dez em cada dez consultores e especialistas aconselham a inovação como um dos caminhos para melhorar a performance e a produtividade dos negócios. Mas apesar de ser pregado à exaustão, este quase dogma do universo corporativo ainda gera dúvidas sobre o que, afinal, quer dizer. A começar pelo conceito, que não é exatamente unânime.

 

O Manual de Oslo, uma espécie de bíblia que norteia o assunto, reconhece que a complexidade desse tipo de processo e as variações na forma em que ele acontece nas empresas fazem com que nem sempre seja possível definir com clareza o que é inovação. Pode ser criar um novo produto ou serviço, investir em pesquisas e desenvolvimento, rever processos internos. Ou tudo isso junto e ao mesmo tempo. Existe, porém, uma convenção desapegada de questões técnicas que vale para qualquer segmento e resume a questão de modo bem prático: inovar é tirar do papel alguma ação que resulte em mais produtividade ou traga ganhos significativos, tangíveis ou não, no dia a dia dos negócios.

 

Essa nada simples compreensão (ou multiplicidade de classificações) é até natural por aqui porque as companhias brasileiras começaram a mirar o tema recentemente, diz Miguel Rivero Neto, consultor empresarial e professor associado da Fundação Fritz Müller.

– Um tempo atrás você não via a palavra inovação na agenda estratégica das empresas. Elas estavam mais preocupadas em apenas atender a demanda do mercado. Hoje esse tema é muito recorrente – avalia.

 

“Novidade” no mundo dos negócios, o assunto exigiu adaptações também de agentes que fomentam o desenvolvimento econômico. Foi o caso do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), conhecido principalmente pela oferta de crédito para infraestrutura e agricultura familiar. Superintendente da agência em Santa Catarina, Nelson Ronnie lembra que o tema entrou no radar da instituição financeira apenas em 2013, a partir de provocações feitas pelo mercado.

 

Um diagnóstico feito por um grupo de trabalho interno do banco identificou que micro, pequenas e médias empresas eram as que mais tinham dificuldades para captar recursos voltados à inovação – ao contrário das grandes corporações que, mais estruturadas, costumam ter departamentos exclusivamente para este fim. Como o conceito sobre o que é inovar não estava (mais uma vez) claro até mesmo para analistas, o BRDE listou uma série de pré-requisitos necessários para autorizar empréstimos.

 

No último trimestre daquele ano o banco lançou o BRDE Inova, linha de crédito cujo principal diferencial é não exigir garantias reais para aportes até R$ 1 milhão. Com uma extensa lista de projetos espalhados pelo Estado apenas aguardando oportunidade de crédito mais acessível para serem colocados em prática, o resultado foi imediato e o número de pedidos disparou. Desde então, são 93 contratos firmados em Santa Catarina que somam R$ 197,2 milhões, o equivalente a 43,7% dos cerca de R$ 451 milhões liberados neste período em toda a região Sul, área de abrangência da instituição.

 

A recessão da economia, segundo Ronnie, não teve grande impacto na concessão de crédito por parte do BRDE. Por outro lado, ele observa uma mudança de perfil nos projetos:

– O banco tinha muito financiamento para aumentar a capacidade instalada (das empresas). Hoje elas procuram projetos para melhorar o desempenho e a produtividade, reduzir custos e ser mais eficientes, consumir menos matéria-prima – explica o superintendente.

 

Ranking global mostra que país ainda patina na área

 

Esse despertar para uma questão crucial à sustentabilidade operacional (e às vezes até mesmo para a sobrevivência) é positivo, mas ainda há muito chão para avançar no assunto. O Índice Global de Inovação, que avalia o grau de inovação de 127 nações, coloca o Brasil na modestíssima 69ª colocação na edição deste ano, mesma posição do levantamento feito em 2016. Neste quesito, o país – que já foi o 49º do ranking, em 2011 – está atrás de todas as principais economias emergentes, como Rússia, Índia, China e África do Sul, seus parceiros de BRICS. E também é passado para trás por vários vizinhos latino-americanos. A situação é ainda mais dramática diante do contingenciamento de recursos para as áreas de ciência e tecnologia anunciado recentemente pelo governo federal, medida que causou indignação na comunidade científica e colocou em xeque a capacidade (e sobretudo a qualidade) do desenvolvimento de pesquisas e inovação no Brasil.

 

– Deveria ser o contrário. O investimento em inovação e fomento à pesquisa deveria ser incrementado. O governo deveria reduzir custos em atividades que não agregam valor e aumentar o investimento para que o país caminhe para sair da crise. Isso foi um balde de água fria – critica Rivero Neto.

Com a colega Bruna Darolt, a estilista Jacqueline Cota criou uma coleção com malhas que não seriam mais aproveitadas, trazendo lucros para a Brandili

Alerta ligado 
nas empresas

Se o cenário nacional preocupa, cabe às empresas fazer a lição de casa. E a boa notícia é que ao menos em Santa Catarina o olhar para o assunto está bem atento. O Estado tem polos tecnológicos bem definidos, qualificação de mão de obra acima da média, incubadoras que fomentam a criação de novos negócios e bom diálogo entre entidades, instituições de ensino e o mercado, fatores que o tornam referência no país. Além disso, é cada vez maior dentro do meio produtivo a percepção de que a inovação faz diferença.

 

Levantamento divulgado pela Fiesc em junho mostra que 54% das indústrias do Estado vão investir na área neste ano, com alvo sobretudo em ganhos de produtividade. Dos R$ 7,3 bilhões em aportes mapeados pelo setor em 2017, 40% serão direcionados a pesquisa, desenvolvimento e inovação. Para a entidade, os números indicam preocupação em garantir uma estrutura produtiva mais dinâmica, voltada ao longo prazo. O ponto negativo, porém, é que boa parte delas, ainda conforme o estudo, atribui como obstáculo à inovação os altos custos geralmente envolvidos nesse processo.

 

Quando a falta de dinheiro é um problema, a saída pode ser encontrar soluções caseiras que deem conta do recado. Um exemplo vem da Brandili, de Apiúna, que identificou entre os próprios funcionários potencial para inovar. A companhia têxtil, especializada em moda infantil, lançou em 2014 o Grande Prêmio da Melhoria Contínua, internamente chamado de GP. Trata-se de uma iniciativa que estimula os colaboradores – com exceção dos cargos de chefia e liderança – a colocar a mão na massa e implementar boas ideias, explica a gerente de marketing Andressa Marchiorato.

 

Foi o que as estilistas Bruna Darolt e Jacqueline Cota fizeram ao criar peças a partir de um estoque de malhas e tecidos que não seriam mais utilizados. Vender essa matéria-prima traria perdas de quase R$ 1,5 milhão para a empresa. O prejuízo, no entanto, se transformou em um lucro aproximado de R$ 2 milhões, resultado das vendas da coleção desenvolvida pela dupla.

 

Ao longo desse período, a Brandili acumula ganhos de R$ 7 milhões com sugestões viáveis e muitas vezes simples apresentadas por pratas da casa no GP. Os autores dos projetos que geram resultados devidamente chancelados pela controladoria da empresa são premiados com vale-compras, dias de folga e camisetas personalizadas, fora o reconhecimento interno que vem em cerimônias com direito a medalhas e presença de familiares. O caso ilustra uma lição fundamental no desenvolvimento de uma cultura inovadora e de engajamento entre os funcionários de qualquer tipo de negócio.

 

– Dar tapinha nas costas não basta. As pessoas querem um pouco mais do que isso, porque se você não estimula, acaba desestimulando – ensina Andressa.

Mudanças no chão de fábrica da ZEN permitiram ganhos em qualidade, diz o diretor industrial Eduardo Bertolini

Preparação para a quarta revolução

industrial

Primeiro foram as máquinas a vapor, no século 18, que substituíram boa parte da mão de obra braçal na Europa. Depois veio a energia elétrica, a “descoberta” do aço e o desenvolvimento de indústrias como a química e a petroleira. Mais tarde, computadores davam o tom das transformações causadas pela informática. Agora o mundo passa por uma quarta revolução industrial que pode até parecer meio silenciosa, mas que promete ser tão impactante quanto as anteriores.

 

Na economia, a chamada Indústria 4.0, conceito que surgiu há cerca de cinco anos na Alemanha, atinge principalmente os processos de manufatura e está atrelada às fábricas inteligentes. São máquinas interligadas que alimentam sistemas de controle em tempo real, criando uma rede autônoma coletora de dados capaz de prever e evitar erros – e consertar o que não está funcionando.

 

– É um movimento que busca trazer, por meio da inovação e da tecnologia, melhorias de performance e agilidade. Já há resultados muito significativos no mundo, um caminho sem volta – resume Tulio Duarte, diretor da vertical Manufatura da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate).

 

Enquanto essa realidade ainda é uma grande novidade para a maioria das indústrias brasileiras, a ZEN, fabricante de componentes para o setor automotivo, está um passo à frente.

 

Graças à proximidade com instituições alemãs, a empresa de Brusque teve os primeiros contatos com este nível tão avançado de manufatura em 2013. Naquele mesmo ano, desenhou um planejamento estratégico até 2020. A primeira etapa foi eliminar instabilidades no processo produtivo com a adoção do lean

manufacturing – uma filosofia de gestão focada na redução de desperdícios.

 

O próximo passo, que está sendo consolidado, é a mudança de layout da produção. Em vez do modelo padrão de áreas específicas para cada processo – como prensa, usinagem e montagem –, a ZEN implantou várias “mini-fábricas” dentro do parque fabril, separadas por clientes ou categorias de produtos. A fabricação dos itens começa e termina no mesmo local. É o que o diretor industrial Eduardo Bertolini chama de fluxo de valor.

 

– Antes dessa mudança o material levava em média 77 dias para atravessar a fábrica. Hoje são 20. Ou seja, em três semanas uma peça começa na primeira operação e chega ao nosso estoque de produto acabado – garante.

Planejamento ajudou empresa a driblar a crise

 

Aliado a esse planejamento, a ZEN investiu R$ 40 milhões nos últimos quatro anos em renovação de maquinário. E já começou a colher bons resultados. A produtividade aumentou 45% e o índice de satisfação dos clientes saltou de 77% para 94%. Os custos de programas relacionados à qualidade despencaram 70%. Até 2020, a empresa pretende direcionar mais R$ 36 milhões em capacitação de funcionários, processos de manufatura e na interligação de equipamentos já adquiridos, o que representaria a entrada de vez no universo da Indústria 4.0.

 

Embora a estratégia focada na exterminação de pontos de desperdício e instabilidades não tenha sido pensada para combater a atual crise, que chegou com o planejamento já em andamento, ela ajudou a ZEN a suportar a turbulência sem grandes surpresas – apesar de um ou outro ajuste de rota. Mesmo com o mercado automotivo em queda, a empresa não deixou de crescer acima da inflação em nenhum ano desde 2013, afirma Bertolini. Ao atingir níveis maiores de excelência, driblou o desaquecimento da economia doméstica e garantiu fôlego financeiro com contratos no mercado externo. Hoje as exportações representam 60% do faturamento e são direcionadas a mais de 60 países. Neste caso, foi a inovação que impediu tropeços.

 

– Eu diria que se nós não tivéssemos desenhado essa estratégia e executado ela com tanto empenho e afinco, como fizemos, com certeza hoje estaríamos sofrendo muito fortemente com os resultados dessa crise – diz o diretor industrial.

Fonte: Manual de Oslo, segunda edição (2004)

Principal fonte internacional de diretrizes para coleta e uso de dados sobre atividades inovadoras da indústria, o Manual de Oslo foi elaborado no início da década de 1990 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Segundo o documento, uma empresa inovadora tem características que podem ser agrupadas em duas categorias:

 

Competências estratégias: visão de longo prazo, capacidade de identificar e antecipar tendências de mercado e disponibilidade e capacidade de coligir, processar e assimilar informações tecnológicas e econômicas.

 

Competências organizacionais: disposição para o risco e capacidade de gerenciá-lo, cooperação interna entre os vários departamentos operacionais, cooperação externa com consultorias, pesquisas de público, clientes e fornecedores, envolvimento de toda a empresa no processo de mudança e investimento em recursos humanos.

 

Tipos de inovação

 

De produto: desenvolvimento de produtos novos ou aprimorados, que podem envolver tecnologias radicalmente novas ou combinação de tecnologias existentes em novos. Exemplo: Os primeiros gravadores de videocassete foram produtos tecnologicamente novos do primeiro tipo, utilizando tecnologias radicalmente novas. O primeiro toca-fitas portátil, que combinava as técnicas existentes de fita e minifones de cabeça, foi um produto tecnologicamente novo do segundo tipo, combinando tecnologias existentes em um novo uso. Em cada caso, o produto geral não existia anteriormente.

 

De processo: adoção de métodos de produção novos ou significativamente melhorados, incluindo métodos de entrega dos produtos. Isso pode envolver mudanças no equipamento ou na organização da produção com o objetivo de produzir ou entregar produtos tecnologicamente novos ou aprimorados, que não possam ser produzidos ou entregues com os métodos convencionais de produção, ou pretender aumentar a produção ou eficiência na entrega de produtos existentes.

 

Fonte: Manual de Oslo, segunda edição (2004)

Edição e Reportagem
Pedro Machado

Imagens

Lucas Correia e Patrick Rodrigues

Design e desenvolvimento

Arivaldo Hermes