ânderson silva

 

imagem de local ordeiro, seguro e forte no combate à criminalidade passou a ser apenas vitrine para Santa Catarina. Quem está do lado de dentro do Estado, no caso os catarinenses, tem relatos diferentes. Pelo menos é o que se viu neste 2015.

 

Uma mostra disso foram os 23 mil, de um total de 26 mil votos, que elegeram a segurança pública como prioridade do Diário Catarinense por um ano. Somam-se a esse fator o recente protesto das populações de São João Batista, Itapema e Jaguaruna por mais segurança, o medo dos joinvilenses diante do crescimento assustador dos assassinatos na cidade e o clamor de pequenas cidades por mais policiais. E essas reações se espelham nas estatísticas.

 

De janeiro a outubro deste ano, os assassinatos aumentaram de 595 para 646 em comparação com o mesmo período do ano passado no Estado, uma alta de 8,5%. Nesse mesmo período, os roubos seguidos de morte subiram de 45 para 55 e a apreensão de tráfico de drogas teve mas de 1.700 casos a mais. Ampliam-se os fatos com as três forças-tarefas policiais ocorridas em Chapecó, Criciúma e Joinville no último ano para aplacar a comoção com ocorrências de violência naquelas cidades.

 

Na maior cidade do Estado, recentemente sete pessoas foram mortas em uma noite. No Sul catarinense, uma médica foi morta quando chegava em casa durante um assalto no começo do ano. No Litoral, em Balneário Camboriú, um jovem foi morto em outubro com um tiro na cabeça ao jantar em uma pizzaria. Ele havia pedido para o bandido para não entregar a licença de motorista junto com a carteira. Como resposta, levou um tiro.

 

A sensação de insegurança se espalhou por Santa Catarina, mesmo que as autoridades ainda se vangloriem de índices positivos em comparação com outras regiões do país. Em assassinatos, por exemplo, segundo Diagnóstico dos Homicídios no Brasil do Ministério da Justiça divulgado em outubro, o Estado aparece com a menor taxa, em um índice de 8,7 mortes por cada 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul tem taxa de 19,9, mais que o dobro que os nossos dados, e o Paraná 12,2.

 

Especialistas alertam também que, além dos números, as estatísticas que não aparecem também precisam ser levadas em conta. Alceu de Oliveira Pinto Júnior, especialista em Criminologia, lembra que existe um conceito chamado “cifra negra”, que são os crimes não registrados. Por exemplo: um morador teve roupas furtadas do varal e não registra por achar que aquele foi um delito pequeno, além de pensar ser desnecessário gerar o boletim de ocorrência. A defesa de Júnior é que o registro dos crimes seja mais incentivado em Santa Catarina. Segundo a Polícia Civil, os boletins eletrônicos, feitos pela internet, cresceram 264% nos últimos cinco anos. De 36 mil em 2010, subiram para 133 mil em 2015.

 

Pela internet, porém, é possível somente registrar pequenos crimes, como furto de celular, ameaça e calúnia, além de denúncias anônimas, perda de documentos e objetos, danos causados pela natureza e recuperação de materiais perdidos. A Polícia Civil diz que estuda formas de ampliar os tipos de crimes a serem registrados online. Júnior ressalta que é fundamental se estudar os números da “cifra negra”. Eles, explica o criminalista, podem revelar estatísticas até então desconhecidas.

 

Ainda no relatório Diagnóstico dos Homicídios no Brasil do Ministério da Justiça, Santa Catarina é o único Estado em que se conclui que não “houve políticas de redução da criminalidade nos últimos quatro anos, não há agora e não estão sendo planejadas políticas desse tipo”.

 

E são justamente ações como um plano para o combate aos crimes e a aproximação entre as polícias e as comunidades que especialistas apontam como fundamentais para a redução de crimes. Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes: é preciso ter policiais nas ruas circulando. O cientista político Eduardo Guerini pondera que o sucateamento das forças de segurança prejudica as ações comunitárias.

 

Ao mesmo tempo, Guerini afirma que a ampliação das formas de divulgação de informações sobre crimes entre as pessoas, como as redes sociais, e pela mídia ajudam no aumento da percepção de que a segurança pública está ruim. Um exemplo é o constante compartilhamento de conteúdo com imagens de crimes.

 

– É evidente que as reformas de Estado atingiram os órgãos de segurança por baixo efetivo, baixa remuneração, condições precárias de trabalho. Isso induz a população à ideia de que a segurança pública é ruim. Então a população pensa que terá de fazer segurança privada, porque a maioria dos crimes é contra o patrimônio; logo, contra as pessoas – analisa Guerini.

 

 

Um exemplo dessa necessidade de buscar uma solução privada para proteger o patrimônio é a atitude do empresário de Blumenau Fabrício Soares. Dono de um pequeno supermercado em um bairro distante do centro da cidade, ele colocou uma porta giratório no estabelecimento há três meses temendo furtos e roubos. Ele foi vítima de bandidos de diferentes formas: desde à mão armada até os pequenos furtos de produtos.

 

– O investimento é caro, porém a vida da gente não tem preço. A gente já não tem segurança normalmente no dia a dia e cada vez mais está caminhando para o fundo do poço. Desde que coloquei a porta não tive mais problemas – relata o empresário.

 

Da mesma forma que Soares agiu, a comunidade de Joinville, que vive uma momento tenso na segurança pública local, também toma suas medidas. A presidente da Associação dos Conselhos de Segurança do município, Silvia Aguiar, conta que pressionou nos últimos dias o governo do Estado por mais policiamento.

 

Enquanto isso, os joinvilenses encontram formas de se proteger. Silvia diz que moradores de alguns bairros formaram grupos no WhatsApp em que policiais fazem parte para troca de informações. E essa iniciativa, explica Silvia, trouxe algo que a população espera:

 

– É a sensação de segurança que a comunidade quer.

 

Por enquanto, o medo não está completamente afastado. Silvia relata que nos bairros da Zona Sul da cidade, famílias passaram a ter medo de sair de casa. Dos 21 homicídios registrados neste ano em Joinville, sete foram contra moradores do bairro Jardim Paraíso, que fica na região. Os homicídios deste ano já ultrapassaram as seis mortes em todo o ano passado. O medo se espalha pelas ruas: nos bares, mercados e esquinas, os moradores comentam que haveria uma lista de pessoas marcadas para morrer. Por isso, levar filhos para a escola, que parece um ato simples, passou a ser praticado com mais receio.

 

O especialista em criminologia Sandro Sell releva que apesar de os índices de Santa Catarina serem positivos, há municípios do Estado como Criciúma, Joinville, Chapecó e Florianópolis que têm estatísticas altas. Além disso, ele explica que os crimes tocam em valores pessoais, o que torna o efeito sobre a população mais forte.

 

O especialista em segurança Eugênio Moretzshon também sugere cautela com a celebração dos resultados numéricos no Estado. Ele faz uma analogia ao caso do garoto que chegou em casa comemorando ter tirado a melhor nota da turma em uma prova. O problema é que a nota era quatro. Ou seja, é preciso analisar o contexto em que esses números estão inseridos.

 

Diogo Vargas

 

s facções criminosas e os conflitos sangrentos gerados para expandir território e negócios ilícitos no tráfico de drogas chamam a atenção e causam preocupação em todas as áreas de inteligência das polícias, sistema prisional, informes de juízes e promotores em Santa Catarina.

Em uma análise do contexto sobre o crime organizado no Estado, menosprezar esses grupos significa trilhar o caminho mais tortuoso, no qual vidas não costumam ser poupadas.

 

Hoje, o controle pelo Estado é aparente, mas as autoridades admitem que não estamos livres dos planos criminosos arquitetados e ordenados das cadeias para as ruas. Não se sabe exatamente até que ponto as ações de prevenção são suficientes. O passado recente mostra ondas de atentados, mortes, torturas, adolescentes aliciados, detentos cooptados por carência de direitos básicos, alguns advogados a serviço do crime, inocentes atingidos, agentes e policiais à margem da falta de políticas públicas.

 

Ao longo de mais de uma década, houve um ciclo de fatos e desdobramentos da violência e a máfia criminosa montada que abalou o Estado até então propagandeado como o com os menores índice de criminalidade.

Tudo começou em 2001, na ala de segurança máxima da Penitenciária de Florianópolis, no bairro da Agronômica, atualmente um complexo prisional com mais de 2 mil presos em uma área residencial.

 

Dali saíram os primeiros recortes dos criminosos que viriam, no dia 3 de março de 2003, a fundar o grupo G (O Grupo) na recém-inaugurada Penitenciá-

ria de São Pedro de Alcântara, que logo passou a se chamar Primeiro Grupo Catarinense (PGC).

 

Nos moldes do temido Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, a facção catarinense reuniu bandidos de alta e média periculosidade com o propósito de financiar crimes e proteger os membros, chamados de irmãos.

O bando se fortaleceu em um cenário de presídios superlotados e com os presos carentes dos seus direitos básicos. Milhares de detentos e criminosos nas ruas se uniram.

 

Com estatuto próprio, obrigação de custeio pelos membros com o pagamento de dízimo e a entrega de percentual sobre vantagens ilícitas do tráfico de drogas e de crimes patrimoniais, o PGC se autossustentou.

 

No começo, as autoridades negaram a existência da facção. Nas polícias e sistema prisional, havia a falta de integração no combate à organização criminosa. Transferências pontuais de líderes aconteciam como medidas paliativas, até que o discurso começou a mudar.

 

“A ordem partiu de dentro da cadeia”, foi a frase bombástica na primeira entrevista dada por um integrante de alto escalão do governo sobre o PGC, publicada no Diário Catarinense em 10 de novembro de 2010.

Diante de uma onda de assaltos e furtos na Grande Florianópolis, o delegado André Mendes da Silveira, na época secretário estadual da Segurança Pública, admitia a existência do grupo organizado.

 

André destacava, na entrevista exclusiva ao jornalista Rafael Martini, que a facção estava ordenando crimes nas ruas em uma tentativa desesperada de capitalizar o financiamento, pois vinha sofrendo vários golpes da ação policial.

A manifestação foi um marco, tanto negativa  quanto positivamente. Cautelosos entendiam que a facção poderia sair fortalecida. Por outro lado, foi a partir de então que se incrementou a prevenção e se consolidou a reação, mas muito mais pelo alcance da punição que começou a valer, principalmente no Judiciário.

 

O embate PGC x Estado resultou em momentos de ebulição. Quartel-geral do bando, a Penitenciária de São Pedro de Alcântara vivenciou em 2011 série de mortes de presos pelos próprios detentos.

 

O diretor linha-dura contra a facção, Carlos Alves, teve a mulher, a agente Deise Alves, assassinada em seu lugar por engano. Denúncias de tortura contra presos eclodiram em ondas de atentados nas ruas, com ônibus incendiados e ataques a unidades policiais.

 

Com o governo federal como aliado, a Força Nacional de Segurança chegou a entrar em cena, mesmo que com o foco de atuação contestado por alguns setores estaduais. Dezenas de presos líderes foram para presídios federais, onde estão até hoje.

 

Agora, essa vida real segue com a ameaça vinda do PCC em ganhar espaço do PGC e vice-versa (o PGC também busca a retomada de pontos de tráfico perdidos para o inimigo). Joinville, no Norte, tem sido o campo da batalha.

Em meio ao que se desenha um conflito permanente com as facções e suas variáveis, cabe relembrar um trecho do desembargador Rodrigo Colaço a ponto de se evitar qualquer subestimação a esse tipo de inimigo: “Valem-se de intimidação, constrangimento ilegal, com a utilização de armas, ataques incendiários a veículos, disparos a postos policiais, gerando pânico social de um modo a desafiar as instituições.”

 

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