FELIPE CARNEIRO
s 3h da madrugada do dia 22 de agosto, uma terça-feira nublada e fria, o paisagista Gregório Jerônimo deu entrada no Instituto de Cardiologia, localizado dentro do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, em São José. Fora vítima de um infarto. Horas depois, estava acomodado em uma cadeira no corredor na ala de emergência, abatido, com um cateter no braço esquerdo cravado na veia. Sem leito para a recuperação adequada, é ali que alguns pacientes como ele esperam procedimentos que lhe garantirão a vida: cateterismo e ponte de safena. O homem de 62 anos, de Palhoça, teria ainda pelo menos 40 dias de hospital pela frente e as costas já doíam por causa do desconforto. Contava com a sorte de que uma cama logo vagasse e ele pudesse, finalmente, descansar.
– Fui diagnosticado rapidamente e muito bem atendido. Reclamo mesmo é disso aqui, né? – diz, apontando para a cadeira.
Além dele, outras duas pessoas foram internadas na emergência em cadeiras na tarde do dia 22 de agosto. Pela manhã, eram oito.
Os problemas da superlotação e da falta de servidores são recorrentes no Regional. Em abril deste ano, o quadro chegou a ser de três enfermeiros responsáveis por 52 pacientes da emergência. A Resolução
nº 0527/2016 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) recomenda que as unidades tenham um profissional de enfermagem para seis pacientes. À época, houve paralisação e a emergência chegou a ser fechada.
O Hospital Regional de São José foi inaugurado em 1987, e desde então não teve grandes investimentos em infraestrutura. Nas paredes, mofo, infiltrações e vidros quebrados. Se a população do Estado cresce a uma média de 1,5% ao ano (estimativa do IBGE), a estrutura do hospital continua a mesma. O prédio abriga o Instituto de Cardiologia, maternidade, ambulatórios e é a maior emergência do Estado. São em média 32.553 atendimentos por mês (incluindo Hospital Regional e Instituto de Cardiologia).
No Hospital Joana de Gusmão, em Florianópolis, além de funcionários, faltam materiais básicos para garantir a saúde e segurança dos pacientes.
– Ficamos meses sem receber seringas de 10 ml e de 1 ml. Ficamos até apavorados. Para as crianças do Hospital Infantil, todo medicamento é fracionado. Então fizemos no “olhômetro”, contando com a nossa experiência – relata uma funcionária do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis, que prefere não se identificar.
Faltam também extensores, que alongam as vias de infusão como complemento a equipos de administração intravenosa, cateteres etc.
– Quando entrei, a troca de equipo era feita a cada três dias. Depois passou para quatro dias e, agora, por falta de material, estamos deixando por sete dias. Risco? Sim, porque por mais que a gente lave, pode ser que fique medicação em cima de medicação – diz ela.
A falta de materiais e medicamentos decorre da crise financeira no Brasil e em Santa Catarina, justificou por nota a Secretaria de Estado da Saúde (SES). O órgão informou, via assessoria de comunicação, que os efeitos disso são: a não entrega de materiais e medicamentos pelos atuais fornecedores devido aos atrasos de pagamento dos produtos já entregues, e falta de cota orçamentária para o empenhamento da despesa em contratos e autorizações de fornecimento oriundas de atas de registro de preços, para posterior repasse ao fornecedor e entrega do material.
Além dos déficits, a sujeira passou a fazer parte do cenário. No jardim do Hospital Regional, por exemplo, há lixo e sujeira acumulados.
– Concentramos a limpeza onde há paciente. Se antes era feita de segunda a sexta, passou a ser três vezes por semana. Temos equipamentos de primeiro mundo, bons profissionais e às vezes não conseguimos atender por causa da limpeza – diz Romualdo Leone Tiezerin, presidente da Associação dos Amigos do Hospital Regional (Aamohr).
A manutenção dos hospitais da rede estadual é terceirizada. Recentemente, o contrato de prestação de serviços foi reduzido em 30%. Isso se vê na diminuição dos postos de trabalho, que passaram de 783 para 549.
Segundo a SES, a redução financeira mensal foi de R$ 1,2 milhão. “Na gestão da redução, a área hospitalar foi a menos afetada, sofrendo impactos mínimos nos postos de trabalho”, informou por nota a SES.
Desde que foi criada, há 21 anos, a Associação dos Amigos do Hospital Regional (Aamohr) conseguiu realizar reformas, reparos, readequação de espaços, compra de material, além de apoiar pacientes (produtos de higiene, roupas, corte de cabelo e barba etc) da instituição. No balanço dos 20 anos, mostrou o extrato: foram aplicados R$ 2,7 milhões, angariados por meio da boa vontade de voluntários e doadores – a Receita Federal é a principal parceira ao doar materiais apreendidos, com os quais são feitos bazares. Foi a Aamohr que conseguiu fazer a reforma de uma sala de hemodinâmica, onde se realizam procedimentos como cateterismo e angioplastia.
– A Secretaria de Estado da Saúde (SES) tentou por um ano e meio fazer a obra. Abriu licitação, e uma empresa até começou, mas desistiu. Uma obra que custaria 170 mil. E nós fizemos até agora, com as mesmas coisas, pelo valor de R$ 65 mil – diz Romualdo Leone Tiezerin, presidente da Associação.
Hospitais como o Infantil Joana de Gusmão e o Celso Ramos, ambos na Capital, também contam com apoio de voluntários para garantir medicamentos, atendimento humanizado e até mesmo reformas importantes. Graças ao apoio da Associação de Voluntários de Saúde do Hospital Infantil Joana de Gusmão (Avos), fundada em 1975, cirurgias eletivas na instituição deixaram de ser canceladas (ficaram suspensas por alguns dias e foram retomadas na última semana). A Secretaria Estadual de Saúde fez um pedido especial à Avos, que então conseguiu reverter R$ 200 mil em materiais – além dos R$ 400 mil já investidos este ano para compra de medicamentos. Pelo menos 25% das reformas e reconstruções do Hospital Infantil, aliás, foram feitas pela Avos. A próxima obra é um novo ambulatório para oncologia, com 1.250 metros quadrados, previsto para ser finalizado em julho do ano que vem com o objetivo de dobrar o atendimento — afinal, são cerca de 100 novos casos de câncer por ano e o antigo ambulatório, construído também pela Avos em 1988, está defasado. O investimento será de cerca de R$ 2,5 milhões, angariados via doações, bazares e parcerias.
Além dos voluntários em cada hospital, existem ONGs, como a Associação dos Pacientes Renais (Apar), que ajudam e procuram melhorar as condições de vida dos doentes em tratamento dialítico ou já transplantados, mesmo os de outras patologias.
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