ai ter sertanejo, funk, axé, pagode – e até rock. Mas o verão catarinense será embalado, sobretudo, pela música eletrônica. Para citar apenas alguns nomes, nos próximos dois meses estão previstas apresentações dos belgas Dimitri Vegas & Like Mike (atuais número 1 no ranking dos 100 melhores DJs do mundo da revista britânica DJMag, a bíblia do estilo), do sueco Axwell (17o da lista), do alemão Robin Schulz (89o), do americano Josh Wink (veterano da cena por lá) e do holandês Hardwell (outro que significa muito para os fãs do gênero). De brasileiros, a escalação inclui Alok (primeiro lugar no Top 50 da revista HouseMag, referência no país), Renato Ratier (quinto), Vintage Culture (sexto) e Volkoder (14o). Haja energético.

Não dá para precisar se a música eletrônica se difundiu no nosso litoral por causa das grandes casas noturnas e clubes ou se foi o surgimento deles que a popularizou no Estado. O fato é que há empresários dispostos a aplicar de US$ 100 mil a US$ 250 mil no cachê de um top DJ gringo, e um público ainda mais a fim de fazer tal investimento valer a pena. Sem considerar o ingresso, o tíquete médio gasto por noite pode variar de R$ 70 a R$ 250. Somente nas casas do Grupo All, em Florianópolis, passam pelo menos 500 mil pessoas por ano.

A junção destes fatores – estrutura para receber os expoentes da house, techno e outras vertentes, interesse dos artistas em se apresentar por aqui e, claro, mais dinheiro sobrando do que o investido – fixou Santa Catarina no mapa internacional do estilo e transformou os ritmos digitais na trilha sonora das maiores baladas da temporada.

– Acho que isso começou com o Ibiza em Balneário Camboriú, por volta de 2002 – arrisca o gerente de marketing do grupo, Tony Milano, referindo-se ao clube batizado em homenagem à ilha espanhola que é sinônimo de ferveção permanente, fechado em 2007.

O italiano se mudou para cá nos anos 1990 para implantar a casa homônima em Florianópolis, filial da matriz gaúcha. Passou pelo Cult, também em Balneário Camboriú, e desde 2012 empresta sua experiência à responsável pelos complexos Music Park na mesma cidade (Live, The Room, Lob e Terraza) e em Florianópolis (Pacha, Devassa On Stage, Terraza e Posh).

Também em 2002, foi aberto o primeiro beach club a chamar a atenção da imprensa especializada estrangeira para Santa Catarina. De frente para a Praia Brava, em Itajaí (no limite com Balneário Camboriú), o Warung ajudou a mostrar que havia um enorme mercado a ser explorado, e não apenas contando com os turistas. Foi o que percebeu Eduardo Philips, ex-administrador do Ibiza da cidade e produtor de shows de atrações como Ivete Sangalo e Skank na região.

– A gente via que a eletrônica era muito forte. Nesses shows, sempre botávamos também uma tenda com algum DJ. O pessoal não conhecia muito, mas rapidamente entendia qual era a proposta – conta.

Dessa constatação, nasceu o Green Valley, aproveitando o relevo de uma área com lagos naturais, morros e mata nativa em Camboriú, do outro lado da BR 101. Na inauguração, em 2007, o clube deixou claro que não estava para brincadeira:

– Para sinalizar que estávamos chegando para trazer os nomes mais importantes da cena, contratamos (o inglês) Carl Cox, então o melhor DJ do mundo. Ele gostou tanto que voltou em nosso primeiro e segundo aniversários – lembra Philips, um dos sócios do negócio.

 

Enquanto a moçada derretia nas pistas de Balneário Camboriú e arredores, o empresário Aroldo Cruz Lima se movimentava em Florianópolis. Do final de 2007 ao carnaval de 2008, as pick-ups do El Divino, a bandeira que ele havia importado de Ibiza para substituir seu Café Cancun, foram pilotadas por David Guetta, Tiësto, Paul van Dyk, Infected Mushroom e Fatboy Slim, todos estrangeiros e gigantes em seus respectivos estilos.

– No tempo do Café Cancun tínhamos um DJ residente, mas não rolava esse culto ao cara que bota som em uma balada. Ali foi a virada. Trazer DJs de fora era mais atraente e vendia mais ingressos – atesta Lima, atualmente no comando do Grupo Novo Brasil, que reúne as casas Sete (sucessora do El Divino), Red, Cash, P12, Milk e Le Barbaron, na capital.

Não é de hoje que alguma espécie de música eletrônica rege a agenda das boates do Estado. Nos tempos da extinta Dizzy, a terceira discoteca do Brasil, inaugurada em 1977 em Florianópolis, a febre era a disco music. Na década de 1980, em danceterias como Chandon, Baturité e Shampoo, imperava o tecnopop. Ambos eram taxados de “coisa de gay” e, de 1989 em diante, qualquer canção à base de sintetizadores e sequenciadores recebia o apelido de “poperô”, em alusão ao hit Pump Up the Jam, do Technotronic.

A situação mudou com a ascensão das raves na Europa, que sempre chamou esse tipo de som de dance music. Em Santa Catarina, essas festas ao ar livre começaram a ocorrer a partir de 1998 (Rave-O-Lution, Leeloo) e, após um período de massificação tamanha que existiam “raves sertanejas”, as autoridades estaduais proibiram sua realização em 2009 para coibir o “consumo exagerado de álcool e drogas”. A determinação durou pouco, mas, coincidentemente ou não, elas deram uma baixada na bola – ou ficaram mais reservadas – com o nascimento da era dos superclubes.

Para diferenciar a eletrônica do som mais comercial (e igualmente eletrônico) que rolava nas rádios, foi criado o termo electronic dance music (EDM). A fase da EDM cedeu espaço ao deep house, o rótulo do momento nos grandes conglomerados catarinenses, onde o planejamento da temporada seguinte se inicia tão logo termina a anterior, no máximo em abril.

– Um top DJ não cruza o Atlântico por menos de cinco, seis datas – afirma Lima, o que explica por que a atração acaba fazendo o circuito Florianópolis na sexta, Balneário Camboriú no sábado e por aí vai.

Também são feitos contatos com agências e os DJs que estão despontando ficam sob observação. Esse trabalho garante a vinda de talentos antes de virarem estrelas e, depois, a cachês mais camaradas em retribuição a quem primeiro lhes abriu as portas. O cabeça do Grupo Novo Brasil revela, por exemplo, que Alok e Vintage Culture, dois dos brasileiros mais incensados no momento, costumavam custar em torno de R$ 5 mil e agora podem cobrar até mais de R$ 50 mil.

– Mas sempre dá para negociar. Seja nacional ou estrangeiro, ter tocado em Santa Catarina é importante para o currículo – pondera Milano, do Grupo All.

 

Santa Catarina é um polo consumidor de música eletrônica, não produtor. Apesar de o Estado ter alguns dos melhores clubes do país e receber os melhores DJs do mundo, ainda não há artistas catarinenses que encarem de igual para igual os grandes nomes do meio. As justificativas para isso variam. Aroldo Cruz Lima, do Grupo Novo Brasil, acha que faltam “profissionalismo, dedicação, humildade e união”.

– Se você botar dois DJs locais para tocar na mesma noite, um faz um set para queimar o do outro – queixa-se.

Tony Milano, do Grupo All, acha que “as pessoas daqui não acreditam muito em carreira de DJ, entram nessa mais para paquerar”. Os pontos de vista dos executivos das duas principais administradoras de casas noturnas de Santa Catarina convergem na hora de apontar a exceção que confirma a regra: Elekfantz, dupla formada em Florianópolis por Daniel Kuhnen (à esquerda) e Leo Piovezani.

Amigos de infância, eles já haviam tocado juntos em uma banda de blues no início dos anos 1990. Respondem como Elekftanz desde 2011. De lá para cá, circularam por festivais e eventos do quilate do Rio Music Conference, Amsterdam Music Event, Dream Valley e Lollapalooza Brasil. Sua faixa Diggin’ on You foi parar na trilha sonora internacional da novela A Regra do Jogo e lançam seus trabalhos pelo selo D.O.C., de Gui Boratto (um dos mestres da eletrônica nacional), distribuído na Europa pela alemã Kompact.

– Fui da última geração em que ser apenas um bom DJ bastava para se destacar. Quem está começando agora, tem que produzir também. Para produzir, tem que estudar música, não adianta pegar atalhos, usar bases prontas. É muito mais difícil se destacar – receita Kuhnen, 36 anos.

Por produtor, entenda-se o DJ que cria músicas além de executar as alheias. Kuhnen nem pensava nisso quando era apenas um frequentador do Warung. Ao começar a carreira, em 2005, imaginava-se apenas um dia tocando ali.

Um dos CDs que gravara como demonstração de seu set despertou o interesse da casa. No ano seguinte, tornou-se o residente do clube da Praia Brava (Itajaí), função que interrompeu em 2012 porque não conseguia mais conciliar com a cada vez mais concorrida agenda do projeto com Piovezani, que lhe possibilitou realizar outro sonho:

– Meu primeiro contato com a eletrônica foi em 2000, em Berlim, curtindo no clube Tresor. Em 2012, acabei me apresentando lá.

Atualmente, o Elekfantz divide seu tempo entre a turnê (que já passou por Europa e América do Norte) e a produção do próximo disco, a sair em 2016. Entre um compromisso e outro, o duo gravou clipes para as canções Why So Bad e Diggin’ on You no clube Paradiso, em Amsterdã. Se o próximo lançamento alcançar a excelente repercussão do album de estreia, Dark Tales & Love Songs, Kuhnen poderá ter pretensões condizentes com o status que a eletrônica vem desfrutando.

– A música eletrônica era mais do submundo. Hoje, o pop é eletrônico. Coldplay fez parceria com Avicii, Madonna está toda hora sendo produzida por alguém da eletrônica, David Guetta é um superstar. Antigamente a eletrônica não tinha rosto, hoje os DJs são celebridades da indústria de entretenimento. O Calvin Harris namora a Taylor Swift! – observa.

 

Se fosse combinado, não daria tão certo. Entre as revelações da eletrônica catarinense, as fontes consultadas pela reportagem – inclusive Daniel Kuhnen, da dupla Elekfantz – foram unânimes: Blancah é o nome para ficar de olhos e ouvidos ligados. A DJ de Florianópolis que antes atendia por Paty Laus está conseguindo espaço e um reconhecimento surpreendentes para quem está há apenas pouco mais de dois anos na carreira autoral.

Sua trajetória ganhou um providencial empurrão quando ela conheceu Soul Button, da gravadora alemã Steyoyoke, em passagem pela cidade. Ficaram amigos e, depois de alguns meses, Blancah enviou-lhe uma música própria, Who’s That. O retorno foi melhor do que o esperado: ele queria lançá-la. A faixa acabou batizando o EP dela e foi tão bem recebida que a estreia oficial da florianopolitana aconteceu no clube Ritter Butzke, em Berlim.

Ripple Effect repetiu a dose, sendo executada pelo conceituado Solomun na BBC Radio One. Em vinil, seu primeiro trabalho saiu em 2014, apresentando Rising Silence (com Soul Button) e Harmstring (com Nick Devon). Na sequência surgiu um segundo EP solo, Love and Anger, pelo selo Perception Corp. No ano passado, ela também participou de um disco em tributo aos Engenheiros do Hawaii recriando a canção Quartos de Hotel.

E pensar que Blancah nem gostava de música eletrônica na época em que trabalhava na rádio da Udesc, onde cursava a faculdade de Artes. Foi um amigo que lhe introduziu no estilo, por meio do trip hop, uma vertente mais lenta e viajante que tem nos ingleses Massive Attack e Portishead seus representantes máximos. O próximo lançamento de Blancah é um álbum completo para 2016, já em fase de produção no estúdio que mantém em casa, no bairro Bom Abrigo.

Outro artista da cena estadual citado por Tony Milano (Grupo All) como promissor é o DJ William Kraupp, de Brusque. Adepto do techno, suas faixas estão ganhando a Europa via selos como os italianos Mushroom Smile, o alemão Autark e o espanhol Flow Music, além do brasileiro Cabana. Em seu primeiro EP, o destaque é Can’t Drown.

– Em Florianópolis deve haver uns 300 DJs, uma hora o talento aparece – espera Milano.

Se e quando aparecer, uma opção para escoar a produção será o Green Valley Records, selo da casa de Camboriú. Em atividade desde julho, seus primeiros contratados foram o brasiliense Alok e o paranaense Vintage Culture.

 

QUEM SOMOS

Sintetizar, samplear, digitalizar, fragmentar. Como diria o velho poeta: quem não gosta,

bom sujeito não é?