[Descreva o resultado que pretende atingir (geral) e os benefícios da ação ou da atividade cultural proposta (específicos)]

 

Objetivo geral

Discutir a relação da produção artístico-cultural catarinense com os editais públicos destinados ao setor. Para isso, a reportagem dá voz a artistas e produtores que representam as diversas realidades de quem convive com programas governamentais de fomento. Uns dependem integralmente desses mecanismos, outros tentam buscar recursos de diferentes formas, mas todos concordam em um ponto: por mais falhas que tenha, o financiamento estatal ainda é – e não há indícios de que um dia deixe de ser – imprescindível para que livros, discos, peças de teatro, espetáculos de dança, exposições e filmes sejam realizados em Santa Catarina.

 

Objetivos específicos

- Dimensionar o tamanho e a abrangência dos editais públicos com finalidade artístico-cultural.

- Listar as principais dificuldades dos produtores para bancar seus projetos e as alternativas encontradas.

- Promover a reflexão sobre o interesse da iniciativa privada e do mercado nos projetos que vêm sendo realizados.

[Descreva o contexto que motivou a realização do projeto]

 

O fomento à cultura por meio de fundos e leis de incentivo foi implantado em Santa Catarina no governo Paulo Afonso Vieira (1995-1999), que em 1998 instituiu um sistema estadual para o setor (Seic). O fundo estadual (Feic) financiava projetos propostos por órgãos públicos de cultura ou, em casos excepcionais, por entidades de direito privado, sem fins lucrativos e de utilidade pública com histórico de serviços prestados à cultura no Estado.

 

O proponente inscrevia o projeto na Fundação Catarinense de Cultura (FCC) que, a partir de pareceres do Conselho Estadual de Cultura (Cec), selecionava aqueles de maior qualidade técnica, viabilidade, relevância e mérito. Os recursos do Feic provinham anualmente de ato do governador e eram repassados diretamente ao autor da proposta. O aporte de verba estatal não podia ultrapassar 80% do custo previsto – os 20% restantes deviam ser oferecidos pelo proponente como contrapartida.

 

O modelo vigorou até o primeiro mandato de Luiz Henrique da Silveira (2003-2006), quando Cultura foi unificada com Esporte e Turismo na Secretaria de Estado da Organização do Lazer (Sol) sob o argumento de integrar as políticas públicas dessas pastas. A reboque, em 2005 surgiu o sistema estadual (Seitec) que criou fundos para estimular o financiamento de projetos culturais (Funcultural), esportivos (Fundesporte) e turísticos (Funturismo).

 

Metade dos recursos tinha que ser distribuída regionalmente, na proporção do recolhimento de ICMS dos municípios que compõem as Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs). Os fundos passaram a financiar também projetos do governo estadual e de municípios que antes eram feitos com recursos de outras secretarias, como as de Infraestrutura e de Educação. O novo processo incumbiu ainda o Cec de deliberar sobre o mérito das propostas enviadas ao Funcultural, com um comitê gestor avaliando os aspectos financeiros. Em um ano, o número de projetos aprovados saltou de 188 para 377.

 

Entre 2005 e 2007, a captação de recursos no mercado seguiu o modelo de busca individual e direta do proponente junto às empresas, mediante carta de captação concedida após o sinal verde do Cec e do comitê gestor. Em 2008, foi adotado um mecanismo de captação efetuado pela Secretaria da Fazenda, que tirava do contribuinte a possibilidade de indicar os projetos que receberiam o incentivo de ICMS. A mudança mais drástica, no entanto, ocorreu na alocação de recursos: em vez de a Sol centralizar as verbas, foram estabelecidas cotas para as SDRs investirem de acordo com suas prioridades.

[Descreva razões pelas quais o projeto é culturalmente relevante à sociedade]

 

Prós e contras da política de editais

 

Atualmente, os recursos do Funcultural são distribuídos via programas de transferência ou por meio de editais. Segundo a Sol, um programa de transferência consiste em regras e critérios estabelecidos pelo concedente para o repasse dos recursos públicos, como: quem pode enviar propostas para o programa, qual o percentual de contrapartida, critério de seleção, entre outros. Os programas são criados a cada ano para atender as prioridades do setor pela secretaria em parceria com o Cec. Em 2014, o valor destinado ao Funcultural chegou a

R$ 29,2 milhões e foram enfocadas a formação, capacitação e qualificação de agentes culturais; festivais, feiras e mostras artísticas; e difusão e circulação de orquestras e corais.

 

Editais, há dois. O principal deles é o Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, que existe desde 2009 e na terceira edição, realizada no ano passado, aprovou 219 projetos para receber R$ 7 milhões diluídos em 11 categorias. As áreas com mais aprovações foram teatro e dança (29 cada) e música (28). O outro é o Prêmio Catarinense de Cinema, ao qual é possível concorrer até o dia 7 de março. São R$ 3,375 milhões em recursos, sendo R$ 2,04 milhões provenientes do Funcultural e R$ 1,335 milhão do Fundo Setorial de Audiovisual, da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

 

– Os editais marcaram uma importante conquista em Santa Catarina: o fim da política de balcão, aquela velha prática de ficar tomando cafezinho em algum órgão do Estado e negociando valores e projetos pela camaradagem entre “amigos”. Criam diversidade e aumentam a oferta de atividades para o público em geral – afirma a cantora, atriz, preparadora de atores e diretora Barbara Biscaro.

 

O elogio vem acompanhado da ressalva: preencher a papelada de projeto, providenciar a burocracia requerida, redigir textos, elaborar orçamentos e cronogramas é uma tarefa complexa.

 

– Imagine a associação dos artesãos de uma comunidade indígena escrevendo uma justificativa em 330 caracteres de porque seu trabalho é importante? É claro que eu, tendo um doutorado, farei um texto muito melhor e terei mais chance de levar a verba. Então a lógica dos editais ainda é excludente: é prioritariamente branca, letrada, de uma classe social que tem acesso à internet e computadores.

 

O ator e diretor Max Reinert é outro que aponta aspectos positivos e negativos no processo. Para ele, a maior vantagem é a garantia de acesso a todos os produtores em pé de igualdade, com regras claras. Mas o volume de recursos ainda seria insuficiente para suprir toda a demanda represada.

 

– O mais importante em poder contar com recursos dos editais é a possibilidade de unir ao projeto profissionais que somam experiência e auxiliam o grupo por meio de intercâmbios que acabam agregando conhecimento. Assim, o processo de montagem de um espetáculo acaba servindo também para a formação dos artistas envolvidos. Iniciativas viabilizadas por editais também podem prever uma quantidade de apresentações gratuitas para públicos que não iriam ao teatro pela falta de hábito – diz o ator.

A última edição do Elisabete Anderle teve 1.569 inscritos. O número recorde reforça uma impressão de que a arte e a cultura catarinenses só saem do papel se financiadas com dinheiro público. Isso quando o aporte estatal não é visto como um “presente” para os agentes do setor pararem de pedir mais verbas. Ou, em âmbito mais amplo, reclamarem por uma secretaria exclusiva para a Cultura, como era antes da Sol. Pelo menos, agora voltou a ser Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte. Dos 27 Estados, apenas Santa Catarina e Rondônia mantém a estrutura compartilhada com outras áreas.

 

– Se a gente contasse somente com o governo estadual, não haveria produção artística e cultural em Santa Catarina há muito tempo. As verbas de editais como o Myriam Muniz, Klauss Vianna, Elisabete Anderle (todos de financiamento direto) são irrisórias em relação ao modo como o setor se movimenta realmente. Posso ter um financiamento para montar um espetáculo teatral, mas todo o meu percurso de formação e pesquisa para que esse espetáculo tenha qualidade, o trabalho de manutenção e circulação desse trabalho, a manutenção de ensaios, equipamentos e profissionais, não são pagos pelo edital. É extremamente perverso falar que os artistas de pequeno e médio porte são sustentados por verba pública – afirma Barbara.

 

A atriz ilustra seu ponto de vista contando como gerenciou os R$ 20 mil recebidos do Elisabete Anderle para o espetáculo Récita. O dinheiro foi dividido no pagamento de oito profissionais e despesas com cenário, equipamentos, figurinos e material gráfico. Para dar conta de tudo, ela não se limitou a atuar, desdobrando-se na produção, assessoria de imprensa e gestão das finanças.

 

– Trabalhamos um ano e meio, ensaiando quase todos os dias. Agora faça as contas entre o valor que recebi e o tempo de trabalho executado. Você acha que isso é ser sustentado por editais?

 

O colega Reinert lembra que praticamente todas as atividades econômicas recebem algum tipo de subsídio público, seja via isenção de impostos ou adoção de barreiras que dificultem a entrada de concorrentes no mercado. Por isso, fica indignado com a insinuação de que a verba investida em uma peça de teatro não retorna para a economia.

 

– A arte e a cultura são tão necessários quanto saúde e educação. Um povo que valoriza a cultura pensa e repensa ações e posicionamento perante os problemas do mundo contemporâneo.

Um indício do interesse da iniciativa privada pelo tema deste projeto é a adesão ao Vale-Cultura, um benefício de R$ 50 mensais concedido pelo empregador aos trabalhadores para facilitar o acesso a shows, cinemas, exposições, peças, livros, discos, DVDs e instrumentos musicais. As empresas tributadas com base no lucro real que se credenciarem para oferecer o cartão pré-pago aos seus funcionários podem deduzir 1% do imposto de renda. Conforme dados de 2014, das 555 mil empresas do Estado, apenas 61 haviam se inscrito. Patrocinar um projeto cultural, então, nem se fala.

 

– A iniciativa privada precisa entender melhor o papel que a cultura tem no desenvolvimento social. As empresas brasileiras não têm ainda o hábito de patrocinar projetos culturais, a não ser por meio das leis de incentivo. E, assim mesmo, são poucas – afirma a produtora Eveline Orth.

 

Barbara acrescenta:

 

– Moramos em um Estado onde a iniciativa privada simplesmente não vê sentido em incentivar a cultura, porque encara esse dinheiro de forma distorcida como uma verba de marketing, e não como renúncia fiscal que deve ser usada como retorno à sociedade. O empresário escolhe o projeto não pelo valor artístico, pela qualidade e por continuidade do trabalho da companhia ou do artista, pelo modo como aquilo vai impactar positivamente uma comunidade ou sua cidade: ele escolhe se tem um nome famoso ou apelo comercial que vai gerar visibilidade na mídia.

 

O envolvimento do público

 

Outra questão sempre mencionada no debate a respeito da autossustentabilidade de projetos artístico-culturais é a participação do público. O raciocínio é simplório: se as pessoas se dispusessem a pagar pelo que é produzido em Santa Catarina, os artistas teriam uma receita que diminuiria – e talvez até acabaria – com a dependência de editais. O problema é que, em seu sentido mais nobre, a pertinência (ou sobrevivência) de um livro, um disco ou uma peça prescinde de valor mercadológico. Do contrário, como salienta a atriz, no teatro só haveria comédias porque a plateia prefere dar risada; na música só covers de canções consagradas; nas artes visuais só reproduções de telas famosas.

 

– O que leva as pessoas a saírem de casa para prestigiar manifestações artísticas é sempre um mistério. Sem querer julgar, sabemos que os teatros lotam rapidamente quando se trata de uma peça com alguém famoso ou espetáculo de humor. Acredito que cada obra encontra seu público – diz o ator Reinert.

 

Que o diga o coreógrafo e dançarino Alejandro Ahmed. A área em que atua, pesquisa em dança, não é nada popular – e em nenhum lugar do mundo há pesquisa sem verbas estatais.

– Sempre tivemos um excelente público, principalmente em Florianópolis. Já em Santa Catarina, realizamos apenas duas turnês em 23 anos – compara.

 

Na condição de integrante da banda mais conhecida do Estado, mas também com carreira solo, o guitarrista Chico Martins vive tanto a realidade do mercado quanto a dos editais. Com o Dazaranha, faz de oito a 12 shows por mês, sempre com casa cheia. Já os seus trabalhos sem o grupo se concretizaram graças ao Elisabete Anderle.

 

– Era o único jeito, senão eu não teria como investir em um disco, quanto mais em dois – admite o músico, que chegou a engendrar algumas apresentações para promover os álbuns, sem muita continuidade porque a prioridade é o Dazaranha.

 

No Circo da Dona Bilica, no Morro das Pedras, Sul da Ilha, a solução encontrada para driblar o pouco público foi diversificar as receitas. O espaço, com 240 lugares, raramente lota. Para mantê-lo aberto, a atriz Vanderléia Will, intérprete da personagem que batiza o lugar e administradora do negócio, abriu um restaurante, onde também ministra oficinas de arte.

 

– O que segura o circo é o público, mesmo pequeno, que vai assistir aos espetáculos e o artista que não cobra um cachê tão alto para compartilhar sua arte – diz.

[Enumere as principais atividades exercidas, priorizando aquelas
relativas ao setor artístico do projeto e/ou à área de produção cultural]

 

Alejandro Ahmed | Coreógrafo, dançarino e diretor da Cia. Cena 11. Em 22 anos, realizou 15 montagens, das quais 13 parcialmente financiadas via edital estadual ou federal.

 

Barbara Biscaro | Cantora, atriz, preparadora de atores e diretora. Participa de diversos grupos.

 

Chico Martins | Guitarrista do Dazaranha. Em 2011, lançou os discos solo Pra Ficar e Começou a Brincadeira, ambos bancados pelo edital Elisabete Anderle.

 

Eveline Orth | Produtora cultural desde 1992. Não trabalha com leis de incentivo.

 

Max Reinert | Ator e diretor, à frente da Téspis Cia. de Teatro montou 20 espetáculos. Já ganhou editais estaduais, federais e internacionais.

 

Vanderléia Will | Atriz, já ganhou oito prêmios Funarte.

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