O PESADELO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
FRAUDE NO LAR LEGAL
T
ereza Dias dos Santos, 85 anos, dedicou a vida ao trabalho na roça. Não teve a oportunidade de estudar, de aprender a ler e a escrever. Criou 19 filhos, comprou uma casa não regularizada e vive em Santa Terezinha do Progresso, Oeste de Santa Catarina. Justiça e Ministério Público estadual suspeitam que, assim como ocorreu com ela, pelo menos 600 famílias – humildes e de baixa renda, na maioria dos casos provida por aposentados ou trabalhadores que sobrevivem com salário mínimo – foram vítimas de uma fraude no Oeste e Extremo-Oeste, estimada em R$ 1,4 milhão.
São pessoas que acreditaram na prometida regularização da casa, lote ou terreno onde moram, graças à emissão judicial da escritura pública. Para isso, cortaram gastos, abriram mão de economias e pediram dinheiro emprestado. Tudo para honrar uma cobrança média de R$ 900, feita por uma empresa credenciada pelo Estado para atuar na legalização fundiária. Dois anos se passaram, o dinheiro se foi e as famílias não têm perspectivas de que um dia receberão o documento.
Foi assim, sob os olhos do poder público, que o sonho virou pesadelo. A emissão do título deveria ser viabilizada pelo programa Lar Legal, iniciativa desenhada em 1999, executada pela Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Habitação e amparada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que hoje está em andamento em 207 municípios.
Destinado a famílias inseridas no Cadastro Único de programas sociais a fim de garantir e agilizar o andamento do título de escritura aos donos de propriedades irregulares em áreas urbanas, o Lar Legal teve oito empresas credenciadas pelo Estado para oferecer esse serviço. Elas foram autorizadas a fazer a cobrança de uma taxa aos interessados e dar entrada em uma ação judicial que pleiteia o documento. Cabe às empresas organizar a papelada, cadastrar beneficiados, cuidar das medições do terreno e da moradia, fazer o ajuizamento da ação e acompanhar o trâmite do processo judicial.
Autoridades reconhecem
que há uma ação criminosa
Nos últimos anos, 30 mil famílias aderiram à iniciativa, um símbolo de conquista que se transformou em problema para as autoridades envolvidas. O próprio coordenador do Lar Legal no TJSC, desembargador Lédio Andrade, denuncia o que chama de ação criminosa cometida contra moradores de boa-fé. Gente que confiou no poder público, arcou com pagamentos de boletos bancários e criou expectativa de ter em mãos um documento que reconhecesse formalmente a devida propriedade do imóvel. São habitantes de lugares onde o asfalto é raridade, não há saneamento básico ou fartura na mesa. São famílias lesadas, que vivem a angústia da falta de respostas e o medo de perder o direito à propriedade.
Documentos a que o DC teve acesso dão a dimensão da fraude no Lar Legal. Neles, as próprias autoridades usam termos como “esquema”, “ações ilícitas” e “práticas criminosas” para descrever as irregularidades. “O programa possui bons propósitos, mas houve sacanagem em sua implantação”, disse em reunião no Ministério Público João Ghizoni, consultor-geral e coordenador do Lar Legal na Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Habitação. Declaração que confirma a existência dos favorecimentos e reforça a necessidade de responsabilização defendida pelo desembargador Lédio Andrade:
– Não é possível que essas famílias, que têm necessidades econômicas muito fortes, sejam lesadas e que isso fique por isso mesmo, sem responsáveis.
Embora existam denúncias de cobranças indevidas e dúvidas sobre o credenciamento de empresas, o Lar Legal tem papel importante para a regularização fundiária catarinense. Há processos em andamento na Justiça e reconhecimento já dado a pedidos judiciais para emissão de escrituras que já beneficiaram 30 mil pessoas. Prova disso é que nesta segunda-feira o TJSC fará a entrega de 246 documentos em Caçador, no Meio-Oeste, para moradores do distrito de Taquara Verde que agora terão em mãos a tão sonhada escritura de seus imóveis.
DC EXPLICA
FORÇA-TAREFA DO MP APURA ESTELIONATO
A
realidade de dúvidas, sonhos interrompidos e mãos vazias foi constatada pela reportagem do DC nos municípios de Tigrinhos, Santa Terezinha do Progresso, Iraceminha e Flor do Sertão, na região de Maravilha, no Extremo-Oeste catarinense. São cidades pequenas, com população entre mil a 4 mil habitantes, e de pouca infraestrutura. Locais onde as histórias se repetem: famílias que esperavam ter acesso à escritura de legalização de suas moradias se sentem enganadas pela empresa responsável pelo procedimento, a Construtora Dias Moreira. Sentimento comum também aos prefeitos desses locais.
O desembargador Lédio Andrade, que esteve pessoalmente em visitas pelos municípios, diz que as prefeituras confiaram no programa, convocaram a população, fizeram reuniões, mas também acabaram à mercê de algo que agora passou a ser alvo de apurações. Na região Oeste foi estabelecida uma investigação do Ministério Público de Santa Catarina que mobiliza sete promotores. Eles identificam famílias, reúnem documentos, examinam processos, orientam as comunidades e coletam provas do que já afirmam se tratar de uma fraude que pode chegar a
R$ 1,4 milhão.
ações que contrariam
critérios do programa
Para os promotores Marcos Brandalize, Ana Elisa Goulart Lorenzetti e Alexandre Volpato, é possível apontar que houve um golpe dentro do programa de regularização fundiária e prejuízo a consumidores. A força-tarefa do Ministério Público apura a autoria do crime de estelionato pela empresa Dias Moreira, uma das credenciadas pelo Estado para o Lar Legal. Informações já levantadas revelam que a construtora não tem dado andamento judicial a grande parte dos processos pelos quais recebeu pagamento adiantado, o que contraria as regras do programa.
Os promotores ainda apuram se a fraude foi aplicada também nas cidades de Saltinho, Campo Erê, São Miguel da Boa Vista, Modelo, Saudades e Bom Jesus do Oeste, e verificam se há indícios de problemas em outros sete municípios do Meio-Oeste. As irregularidades vão desde o já citado não ajuizamento da ação pela empresa, vencimento dos cronogramas de trabalho e entrada do processo na Justiça com falta de informações importantes. Há ainda pessoas relacionadas pela empresa para serem beneficiadas que não se enquadram na condição de baixa renda e moradoras de propriedades em área rural, dois critérios que também estão fora do objeto de trabalho do Lar Legal.
– Tem situações que a empresa colocou a expressão “fulano de tal” para se referir a pessoas e ajuizou a ação sem o levantamento ideal. Há ainda ações em área rural ou de preservação permanente que não podem ser incluídas, numa espécie de conto da sereia. A empresa vendia o sonho às pessoas, mas elas recebiam pesadelo. Um absurdo – exemplifica a promotora Ana Elisa Goulart Lorenzetti.
Aos promotores, a empresa Dias Moreira afirmou que teria sido vítima do golpe de um ex-sócio, mas os membros do MP estranham que isso não tenha sido denunciado à polícia.
POSSÍVEL DIRECIONAMENTO DE EDITAL É INVESTIGADO
A
lém da fraude que lesou centenas de famílias no Oeste, um direcionamento de edital em favor de uma empresa mancha ainda mais a imagem do programa. Promotores em Florianópolis e o desembargador e coordenador do Lar Legal no Tribunal de Justiça, Lédio Andrade, afirmam ter indícios de que o ex-secretário-adjunto de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação, Eleudemar Ferreira Rodrigues, o Léo, beneficiou a SC Engenharia no edital de credenciamento para atuação no programa. O encaminhamento teria ocorrido em 2012 e garantido à empresa uma fatia maior de municípios para atuação em relação às demais.
A SC Engenharia, que tem sede em Florianópolis, ficou com 56% dos 207 municípios conveniados ao programa na época. Entre eles estão os maiores e os mais populosos de Santa Catarina, enquanto as outras sete empresas credenciadas ganharam percentuais menores para atuação. Desta forma, com mais cidades para atuar, é maior também o número de famílias capazes de serem abrangidas pelo Lar Legal e a possibilidade de arrecadação. No caso da SC Engenharia, conforme a reportagem do DC apurou, há situações em que a ação foi enviada incompleta para a Justiça.
Isso ocorreu, por exemplo, em Jaraguá do Sul, no Norte do Estado, onde no dia 11 de agosto deste ano a juíza Anuska Felski da Silva afirmou em despacho que a petição inicial não estava acompanhada dos documentos do Lar Legal e, por este motivo, o processo poderia ser indeferido. Em Palhoça, na Grande Florianópolis, isso se repetiu em outra ação, como ressaltou a juíza Gabriela Sailon de Souza Benedet em 18 de setembro de 2015, ao apontar que a SC Engenharia instruiu o procedimento sem a documentação exigida pelo programa.
Ato de improbidade já está
em investigação há um ano
Em Florianópolis, há um inquérito civil aberto em 15 de outubro de 2014 na 27a Promotoria, que apura o direcionamento para credenciar empresas no Lar Legal. Autor da investigação, o promotor Paulo Locatelli, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio-Ambiente na Capital, afirma que ficou constatada a ligação do ex-secretário-adjunto Eleudemar Ferreira Rodrigues com a SC Engenharia. Ele, inclusive, trabalhou na empresa após deixar o cargo de confiança na secretaria.
– Está apurado que ele trabalhava como secretário-adjunto e assim que saiu da secretaria (de Assistência Social) foi trabalhar para esta empresa de engenharia. Isso está evidenciado através de depoimentos coletados. A questão agora é ver se essa conduta tem algum ato de improbidade – explicou o promotor.
A investigação da promotoria ainda não foi concluída e Locatelli afirma que poderá haver responsabilização tanto à empresa quanto ao ex-secretário-adjunto. Nomeado para o cargo em março de 2012, ele permaneceu na função até 2014. Em fevereiro daquele ano chegou a ser secretário interino após o falecimento do então titular, João José Cândido da Silva.
POSIÇÕES DA JUSTIÇA,
DO MP E DO ESTADO
Irregularidades no programa executado pela Secretaria de Estado de Assistência Social, e que é amparado pelo Tribunal de Justiça, estão sendo investigadas pelo Ministério Público no Oeste e em Florianópolis.
A Assembleia Legislativa, uma das partes do acordo de cooperação do programa, disse através da assessoria de comunicação que o presidente, Gelson Merisio (PSD), não iria se manifestar a respeito das denúncias.
Lédio Andrade
Desembargador do Tribunal
de Justiça de SC
Paulo Locatelli
Promotor do MPSC
Marcos Brandalise
Promotor do MPSC
angela albino
Secretária de Estado de Assistência Social
“Não é possível que as
famílias sejam lesadas”
Coordenador estadual do programa diz que o Lar Legal foi vítima de um esquema no direcionamento da licitação e de cobrança antecipada. Confira:
Diário Catarinense: Quais são as denúncias de corrupção que envolvem hoje o programa Lar Legal?
Lédio Andrade – A origem das denúncias foi uma espécie de licitação feita na Secretaria de Assistência Social e Habitação do Governo do Estado, quando foram cadastradas e legitimadas empresas para trabalhar no projeto e já de início a repartição do Estado favoreceu uma única empresa. As outras pegaram uma parcela mínima da municípios. Empresa essa que nunca terminou um processo, que nunca entregou um título para a população.
DC: Essa empresa vem recebendo pelo serviço e não o executa?
Andrade – Em alguns casos, como em Gravatal, pelas informações que tenho, já foram cobrar das pessoas o serviço e até hoje o processo não terminou. As pessoas humildes, carentes economicamente, nunca receberam seu título de propriedade.
DC: Então, além de um fatiamento ter beneficiado uma empresa, o serviço não estaria sendo feito?
Andrade – Exatamente isso. Houve uma empresa que recebeu a grande fatia da população, com as maiores cidades, como Joinville, Chapecó, Florianópolis, Blumenau e Criciúma.
DC: Qual o motivo?
Andrade – Não tem motivo. O motivo foi o direcionamento feito dentro da secretaria (de Assistência Social), através do secretário-adjunto da época (Eleudemar Ferreira Rodrigues, o Léo). Em alguns casos já cobraram das pessoas, mas o processo nunca terminou.
DC: Qual é a empresa?
Andrade – É a SC Engenharia, que continua trabalhando, inclusive em Florianópolis.
DC: Também há denúncias na região Oeste do Estado.
Andrade – Sim. Estive lá pessoalmente. É com outra empresa (a Dias Moreira) e mais grave ainda, porque lá foi cobrado das pessoas humildes, valor que ultrapassa R$ 1,4 milhão, e nada foi feito, nem início do processo. E essa empresa teria sumido. Agora, depois que eu fui lá e houve uma reunião e o Ministério Público passou a atuar no caso, as notícias que chegam é que a empresa, acuada com a ação pronta e efetiva do MP, está tentando resolver o problema e espero que assim o faça.
DC: Essas denúncias são dos últimos dois anos. Por que só agora elas estão vindo à tona?
Andrade – Eu já venho denunciando isso há muito tempo, já falei isso inclusive no tribunal pleno (do Tribunal de Justiça). A secretária Angela Albino (do PCdoB, responsável pela pasta de Assistência Social), vinha trabalhado em conjunto comigo para tentar resolver esses gravíssimos problemas e impedir de vez que eles continuem. Esse trabalho tem sido feito.
DC: O que o senhor sugere ao Estado para que esse programa venha a funcionar com transparência?
Andrade – A verdade é que primeiro é preciso desmantelar o esquema que estava dentro da secretaria. Isso, acredito, já está sendo feito. O segundo passo é fazer a lei (de regularização fundiária). O presidente da Assembleia Legislativa, Gelson Merisio (PSD), já pediu para eu apresentar um projeto para que ele analise. Eu confesso que todo esse esquema, vendo as famílias pobres sendo prejudicadas, me deprimiu bastante. Fiquei muito abalado, mas estou me recuperando e vou tentar, em um prazo curtíssimo, elaborar esse projeto.
DC – Qual a orientação às famílias?
Andrade – As famílias que têm o título e não fizeram o processo têm que procurar o prefeito, porque a partir de agora a responsabilidade passa a ser da prefeitura e não mais da secretaria (Assistência Social).
DC – E quem já fez?
Andrade – Já existem mais de 10 mil famílias com ações coletivas em trâmite na Justiça e essas sentenças estão surgindo. Aí tem que ter um pouco de paciência, pois o Judiciário não é tão rápido. O problema mais grave é das famílias que pagaram e a empresa ou não fez nada ou fez muito mal, e o juiz não tem condição de dar sentença favorável. Nesses casos, as famílias têm que se organizar, pressionar o prefeito. E eu, como coordenador estadual, tenho usado a interligação com o governo do Estado e com a Assembleia para acharmos uma solução. Não é possível que essas famílias, que têm necessidades econômicas muito fortes, sejam lesadas numa grande quantidade de dinheiro e que isso fique por isso mesmo, que não se tenha responsáveis.
DC: Antes de as famílias fazerem qualquer pagamento, elas devem procurar a prefeitura?
Andrade – Essas empresas têm que ter o aval do prefeito e as pessoas não devem pagar nada enquanto o processo não tiver início na Justiça e com os requisitos previstos. Não basta a empresa fazer uma petição qualquer.
“Entendemos que de fato
se trata de um golpe”
Um dos membros da força-tarefa que apura o golpe no Oeste do Estado, promotor adianta que MP e municípios tentam minimizar os impactos do estelionato detectado.
Diário Catarinense: Quais são as irregularidades identificadas no Oeste em relação ao Lar Legal?
Marcos Brandalise – Foram identificadas irregularidades referentes à cobrança indevida e à não prestação do serviço prometido pela empresa aos mutuários, aos consumidores. Ou seja, eles receberam, prometeram que iam regularizar, encaminhar todos os procedimentos, os requisitos, acabaram cobrando antecipadamente das pessoas carentes, humildes, e não prestaram o serviço.
DC: Por que não prestaram o serviço? Foi um golpe?
Brandalise – O Ministério Público instaurou um inquérito civil regional na região da Amerios (Associação dos Municípios do Entre Rios). O trabalho é composto por sete promotores e apuramos que a empresa prometia a regularização do lote dessa pessoa, cobrava por isso e não fazia o trabalho. Entendemos que de fato se trata de um golpe.
DC: Qual é a empresa?
Brandalise – A empresa que está sendo investigada e tem atuado na região é a Dias Moreira.
DC: Só famílias carentes foram alvo?
Brandalise – Sim. O Lar Legal tem como intuito dar a essas famílias carentes, de baixa renda, o registro na matrícula do registro civil. Para ter a escritura do seu imóvel, ela acabou pagando a quantia e até parcelando. Era uma quantia que variava de R$ 800 a R$ 900 e nós vimos que pessoas parcelavam em parcelas de R$ 75. Ou seja, são pessoas carentes que fizeram um esforço tremendo para cumprir isso, para fazer o registro, ter a sua propriedade, e acabaram não recebendo esse serviço contratado e com isso sofrendo esse prejuízo financeiro, além do desgaste.
DC: Essas famílias ainda podem receber a escritura?
Brandalise – Sim. Fizemos o termo de cooperação com a Associação dos Municípios do Entre Rios. Também está trabalhando conosco a Secretaria de Desenvolvimento Regional de Maravilha e estamos buscando, na medida do possível, preencher os requisitos do Lar Legal e levar a efeito o programa. Estamos junto com os municípios e as entidades para dar continuidade ao Lar Legal, sem prejuízos de ações individuais, criminais e de ressarcimento que cada um pode individualmente buscar em juízo.
DC: Qual a orientação às famílias que não têm escritura ainda, que não pagaram e escutam falar do Lar Legal e são consultadas a respeito?
Brandalise – Primeiro, como identificamos conduta ilegal e criminosa na nossa região, estamos recomendando cautela na hora de contratar essa empresa. Que busquem o MP de sua cidade, tomem informações, para que não sejam vítimas desse tipo de comportamento indevido.
“Há problemas na indicação
da empresa”
Autor da apuração no MP vê irregularidades na habilitação da empresa SC Engenharia.
Diário Catarinense – Quais são as denúncias em relação à SC Engenharia no Lar Legal?
Paulo Locatelli – A denúncia vem desde a época do credenciamento das empresas para executar o serviço de regularização fundiária e foi comprovado que ela recebeu mais de 50% dos municípios, não só em número, mas pelo tamanho, pela população. Eles (a empresa) não teriam condições de fazer. A apuração indica suspeita de fraude na nomeação dessa empresa para receber esses municípios.
DC – Foi identificado algum suposto benefício?
Locatelli – O inquérito ainda tramita na promotoria e as provas produzidas indicam que há problemas na hora da indicação dessa empresa.
DC – Em relação ao Eleudemar Ferreira Rodrigues, o Leo, ex-secretário-adjunto da Assistência Social, o que está apurado?
Locatelli – Está apurado que ele trabalhava como secretário-adjunto e assim que saiu da secretaria (Assistência Social) foi trabalhar para essa empresa de engenharia que teria se beneficiado do direcionamento. Isso está evidenciado através de depoimentos coletados. A questão agora é ver se essa conduta geral tem algum ato de improbidade.
DC – A empresa também pode ser atingida?
Locatelli – O processo pode atingir tanto as pessoas físicas quanto a própria empresa envolvida no direcionamento.
DC – E sobre a fraude que prejudicou famílias no Oeste, qual a sua opinião?
Locatelli – Há falta de fiscalização e de controle mais eficiente do programa. O Estado servia de interlocutor para que fosse firmado um contrato entre a credenciada e o município e ele pouco contribuía.
“As duas empresas foram
descredenciadas”
Titular da pasta responsável pela execução do programa afirma que as empresas envolvidas em irregularidades foram descredenciadas dos municípios onde não haviam começado a atuar.
Diário Catarinense – A senhora teve conhecimento das denúncias de fraude e crime no programa Lar Legal?
Angela Albino – Sim, a secretaria tomou conhecimento por meio de denúncias de prefeituras.
DC – Quais os encaminhamentos que deu?
Angela – Em reunião com representantes da secretaria, do Ministério Público e do Tribunal de Justiça (também signatários do Programa Lar Legal, juntamente com a Assembleia Legislativa), realizada em 24 de junho, levamos ao conhecimento dos órgãos parceiros as denúncias recebidas das prefeituras. A secretaria formalizou junto ao MP as denúncias apresentadas pelas prefeituras para que fossem tomadas as devidas providências.
DC – Qual a sua avaliação sobre as denúncias feitas?
Angela – Tão logo tomamos conhecimento das denúncias, as duas empresas foram descredenciadas dos municípios que não haviam iniciados os trabalhos e, conforme recomendação do Ministério Público, nenhum credenciamento de novos municípios foi celebrado com as referidas empresas.
DC – Como está o Lar Legal hoje?
Angela – Até a presente data, através do programa Lar Legal, temos 207 municípios participantes, 27,5 mil famílias possíveis beneficiadas, sendo que já estão protocoladas na justiça estadual cerca de 300 ações que beneficiam 15 mil famílias. Infelizmente os números estão muito aquém do universo possível de regularização. Cabe esclarecer que é o município quem indica as áreas passiveis de regularização.
DC – Qual a situação das empresas Dias Moreira e SC Engenharia no Lar Legal?
Angela – Desde que tivemos conhecimento das denúncias, encaminhamos para análise do Ministério Público Estadual e a secretaria não autorizou mais nenhum credenciamento de municípios com as referidas empresas. O passivo dos contratos existentes está sendo gerenciado de modo a priorizar os municípios onde houve cobrança antecipada com foco em não penalizar famílias beneficiarias.
DC – Num dos itens de criação do Lar Legal consta que a secretaria deveria criar um mecanismo de acompanhamento informatizado dos pedidos de regularização fundiária junto ao Judiciário. Isso ocorreu? Se não, por que motivo?
Angela – Até maio deste ano a execução e o acompanhamento do plano estadual de regularização eram feitos pela Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina (COHAB). Desde que assumimos a secretaria estamos aperfeiçoando os métodos de controle, fiscalização e acompanhamento. Estamos avaliando com os órgãos parceiros (Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual e Assembleia Legislativa) o formato da participação do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação, no programa, e entendemos que uma ferramenta informatizada depende desta definição. Neste ano intensificamos o contato direto com as prefeituras por meio da Diretoria de Habitação da Secretaria.
DC – Qual o futuro do programa e como garantir que outras famílias não sejam lesadas?
Angela – O futuro do programa está em discussão entre os órgãos signatários do termo de cooperação, visando o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle, fiscalização e acompanhamento.
DC – Judiciário e MP defendem a importância do processo de regularização fundiária pelo Estado. Qual a sua opinião diante da atual realidade em que se estima que 300 mil famílias morem em situação irregular em SC?
Angela – A importância do programa é indiscutível. A regularização fundiária é parte importante no enfrentamento da erradicação da pobreza extrema e na superação das desigualdades regionais ainda existentes no Estado, duas metas importantes do governo. A regularização é um modo de garantir cidadania e melhores condições de vida à famílias beneficiadas. O que se faz necessário no programa Lar Legal é o aprimoramento dos métodos de acompanhamento, principalmente dos poderes públicos locais, com mais protagonismo dos municípios.
VÍTIMAS DA FRAUDE
“Teve problema. Não vou dizer que não teve”
Empresário Paulo Dias da Costa reconhece impasses, mas disse que não há fraude na execução do programa no Oeste. Afirma ser ex-sócio da empresa com sede em Anita Garibaldi, na Serra, e falou em conversa por telefone que o trabalho está sendo executado. Confira:
Diário Catarinense – Segundo os promotores do Ministério Público, a empresa arrecadou o valor da taxa de adesão ao Lar Legal e não deu andamento ao processo. O que o senhor diz sobre isso?
Paluo Dias da Costa – Não é verdade. Tem que ver com o administrador da empresa. Eu vendi 80% dela.
DC – Mas na época, há dois anos, era o senhor que respondia pela empresa?
Costa – Tinha outras pessoas que respondiam.
DC – O que o senhor tem a falar a respeito das investigação do MP?
Costa – Tem alguma coisa sim, mas não é tanto não, é coisinha.
DC – Mas o que aconteceu?
Costa – O problema foi... Realmente foi feito, teve algumas parcelas, mas não ficou parado, está continuando, já tem várias ações protocoladas. O trabalho está andando, não está parado.
DC – Mas dois anos se passaram e até agora nada das escrituras?
Costa – Como assim até agora nada? Está tudo protocolado.
DC – Encontramos famílias em Santa Terezinha do Progresso, Iraceminha, Flor do Sertão e em Tigrinhos e as pessoas dizem que pagaram a taxa há dois anos e até agora não conseguiram a escritura pela empresa.
Costa – Mas a escritura não é nós que fornecemos, é o juiz, o Ministério Público e o Judiciário.
DC – Mas a empresa deu seguimento ao processo no Judiciário?
Costa – Sim, está tudo ok. Já tem uns protocolados e os outros já estão a caminho.
DC – O MP diz que houve crime de estelionato, fraude. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Costa – Isso acho que não, estamos trabalhando, fazendo.
DC – São sete promotores da região Extremo-Oeste que afirmam que a Dias Moreira teria aplicado uma fraude de mais de R$ 1 milhão nas famílias do Lar Legal. Qual a sua defesa?
Costa – Não tem defesa, a gente está trabalhando, fazendo. Teve problema. Não vou dizer que não teve.
DC – Que problema teve?
Costa – Eu tinha um pessoal que trabalhava comigo, funcionários, que atrasaram o trabalho, que trocaram, fizeram coisa que não deviam ter feito, em boleto que foi lançado adiantado. Mas o trabalho não parou.
DC – Essas 600 famílias que para o MP foram lesadas, irão receber a escritura?
Costa – Vão. Todo mundo. Quem dá é a Justiça, a gente já fez a nossa parte, tudo certinho.
“Afirmações alheias à investigação atestam nada”
Procurada pela reportagem, a empresa SC Engenharia respondeu perguntas encaminhadas por e-mail, através de sua assessoria jurídica. O material enviado ao DC foi assinado pela direção da empresa.
Diário Catarinense – O que a empresa diz em relação à denúncia de ter sido beneficiada com direcionamento político no credenciamento para o Programa Legal, em que ficou com 56% dos municípios atendidos, conforme é apurado pelo Ministério Público e segundo afirmação do desembargador Lédio Andrade?
SC Engenharia – O Ministério Público não apurou qualquer direcionamento político uma vez que a investigação ainda segue o seu curso. As afirmações de terceiros alheios ao procedimento investigatório, sem provas a apresentar, não atestam absolutamente nada. Sobre o percentual de municípios, o mesmo se deu no início do projeto em razão de terem poucas empresas credenciadas com capacidade para realizar os trabalhos. Há muito a SC Engenharia deixou de possuir esse percentual vez que outras empresas acumularam tanto ou mais municípios ao longo do projeto.
DC – Qual a relação de Eleudemar Ferreira Rodrigues, o Leo (ex-secretário adjunto da Assistência Social), com a SC Engenharia?
SC Engenharia – Atualmente, nenhuma. Eleudemar foi contratado pela SC Engenharia, mediante contrato de prestação de serviços que findou em dezembro de 2014, após seu total desligamento da Secretaria de Assistência Social, como bem relatado e comprovado nos autos do inquérito. Informação levada ao Ministério Público, inclusive, pela própria empresa.
DC – Essa ligação com a empresa não colocou em suspeita a relação anterior e o credenciamento para o Lar Legal junto à Secretaria de Assistência Social?
SC Engenharia – O trabalho de Eleudemar na empresa SC Engenharia não foi constatado pelo Ministério Público mas sim oficialmente informado pela própria empresa com a juntada do contrato de consultoria firmado entre as partes, situação legal e normal no mercado de trabalho. A ligação de Eleudemar com a SC Engenharia, sem dúvida, foi um excelente e primoroso ensejo usado pela concorrente que realizou a denúncia, culminando no inquérito civil. A investigação, no entanto, completa um ano sem a juntada de provas que comprovem o suposto direcionamento.
DC – Há, segundo o desembargador Lédio Andrade e a secretária Angela Albino, problemas no Lar Legal em torno da atuação da empresa SC Engenharia. Entre eles está o envio incompleto de documentos no ajuizamento dos pedidos de escritura. Como a empresa avalia essas informações?
SC Engenharia – A empresa não acredita que essas acusações tenham sido ventiladas pelo desembargador e pela secretária de Estado pelo simples fato de serem afastadas mediante simples consulta ao site do Poder Judiciário, já que os processos são, em sua maioria, digitais e apresentam todos os documentos juntados à disposição para a consulta de qualquer cidadão. Ademais, há processos totalmente prontos para sentença aguardando apenas o aval do Ministério Público como, por exemplo, as ações do município de Massaranduba, cuja Comarca é Guaramirim.
DC – Qual é a situação da SC Engenharia no programa Lar Legal? Quantos processos ajuizou e quantos, em que já houve a cobrança junto às famílias, ainda estão pendentes na Justiça?
SC Engenharia – A SC Engenharia possui 142 demandas ajuizadas e tramitando, número que significa, exatamente, 1.842 famílias atendidas no Estado pela empresa. Até o dia 30 há previsão de protocolo de mais seis ações, totalizando ao final do mês de outubro 148 ações judiciais, ultrapassando, assim, 2 mil famílias. Por atendimento ao edital de credenciamento do Estado, o pagamento do serviço pelas famílias se dá somente após o protocolo das ações, portanto, não há famílias pagantes à empresa SC Engenharia sem o devido processo judicial em trâmite.
“Não sou suspeito e não cometi crime”
Investigado por suspeita de ter direcionado o credenciamento do Lar Legal para a SC Engenharia nega que isso tenha ocorrido. Eleudemar Rodrigues respondeu por e-mail as perguntas do DC.
Diário Catarinense – O que o senhor tem a dizer sobre o direcionamento do edital do Lar Legal em benefício da empresa SC Engenharia?
Eleudemar Rodrigues – Refuto qualquer afirmação inverídica e caluniosa. Não sou suspeito e não cometi crime. Estou sendo vítima de um inquérito decorrente de denúncia anônima/caluniosa, seguida por difamações públicas decorrentes de uma briga entre empresas por espaço de atuação em SC. Pelo visto há um grande hiato de gestão neste programa, pois desde março de 2014, quando fui exonerado, até hoje, ficaram menos de nove pontos para correção das mais de 50 necessárias, sinalizadas à época pelo MP e que, pelo visto, os administradores da secretaria não fizeram.
DC – Por que trabalhou na SC Engenharia após sair da secretaria?
Rodrigues – Prestei consultoria na SC Engenharia depois de três meses de ser exonerado e fiquei na empresa por sete meses. Tenho formação como geógrafo e sou mestre em gestão ambiental. Não fui apenas para orientar tecnicamente sobre este programa específico. Trabalhei em diversos projetos associados a minha formação.
DC – Se não há nada ilegal, não acha que ao menos seria imoral, já que até então atuava na secretaria e havia ligação com a SC Engenharia?
Rodrigues – Imoral foi como o secretário de Estado à época encontrou este programa, com só uma empresa credenciada, por um edital com vícios, fato que deve ter motivado esta denúncia anônima ao MP. Jamais indiquei empresas para celebrar contratos com qualquer município de SC. E os municípios sempre tiveram a liberdade de rescindir os seus contratos quando bem lhe conviesse. Logo, não houve direcionamento político, restringindo-se à ordem de credenciamento das empresas, pois o edital ficou aberto por cerca de um ano e as que se credenciaram primeiro ficaram com maior número de municípios. Os municípios nunca foram impedidos de substituí-las quando quisessem.
a POSIÇÃO DA
EMPRESA
DIAS MOREIRA
.
O que diz a construtora, segundo entrevista
concedida pelo sócio
Paulo Dias da Costa
a POSIÇÃO DA
EMPRESA
SC engenharia
.
O que diz a empresa, conforme respostas enviadas por
e-mail pela direção
a POSIÇÃO Do
ex-secretário adjunto de assistência social
.
O que diz Eleudemar Ferreira Rodrigues em
e-mail enviado à reportagem