Quando a exportação vai por nuvem

texto | estela benetti

Sistemas, aplicativos e serviços comercializados via internet viram um grande negócio e desafiam países como o Brasil, que ainda não acordou para a exportação de tecnologia

uma transformação silenciosa está ocorrendo no mercado mundial: cresce a riqueza exportada por nuvem, aquela de softwares e outros serviços pela internet que desconhece os obstáculos dos portos físicos. Quem voa mais rápido nesse céu de brigadeiro e acumula maior fortuna são os países de primeiro mundo, que desenvolvem sistemas. Esses negócios estão recebendo especial atenção dos governos nos grandes acordos de livre comércio, como a Parceria Transpacífico (TPP) e a Parceria Transatlântica, essa ainda em negociação. Enquanto isso, poucas lideranças no Brasil acordaram para a virada. Segundo o professor Jorge Arbache da Universidade de Brasília (UnB), o atraso do Brasil nesse mercado é preocupante. Mas um pequeno grupo de empresas de tecnologia de Santa Catarina começa a acelerar ações para avançar nas exportações de sistemas.

     No primeiro semestre do ano passado – último levantamento do Ministério do Desenvolvimento sobre o setor – as exportações de software de SC registradas no Brasil chegaram a US$ 7,9 milhões, com crescimento de 2,2% frente ao mesmo período de 2014, enquanto a média nacional avançou 0,9%. O crescimento estadual deve ser maior porque há empresas com operações totalmente no exterior.

Entre as empresas catarinenses que integram o  grupo de exportadoras de sistemas estão a Neogrid, de Joinville, a Audaces, Agriness, Involves, Intradebook e Segware, de Florianópolis.

     Impulsionar vendas lá fora é um dos focos da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) desde a gestão do empresário Guilherme Stark Bernard, recém-encerrada. A nova diretoria, que tem na presidência Daniel Leipnitz, também considera potenciais oportunidades no comércio exterior.

 

AGRINESS

Granjas com gestão digita

Logo após a graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina, Everton Gubert e Cristina Bittencourt identificaram um potencial de uso de tecnologia na suinocultura catarinense. Abriram uma startup para gestão de granjas e oferecem um sistema considerado o melhor do mundo para o segmento, a plataforma Agriness S2.

Natural do Meio-Oeste, Gubert recebeu a demanda de um software para o setor de um grande  produtor de suínos da região. Aí, se instalou por 76 dias numa granja para reunir informações e desenvolver o sistema. A observação passo a passo permitiu identificar todas as necessidades de tecnologia.

A Agriness começou a exportar em 2005,

a partir de sugestão de um cliente francês, a Pen Ar Lan, especializada em genética suína que atua no Brasil, Argentina, França e Canadá. Hoje, obtém 12% do faturamento no exterior. Em 2015, a receita no exterior cresceu 25% e, para este ano, a projeção é expansão de 30% lá fora, informa o presidente da empresa, Everton Gubert.

– Nossa primeira experiência de exportação não foi motivada por nós. Fomos puxados para fora, só que a gente tomou gosto pela exportação – afirma o empresário.

Depois do Brasil, o mercado mais importante da Agriness é a Argentina, onde a empresa tem 180 clientes. Em função disso, o país vizinho foi o escolhido para receber uma edição nacional do importante programa de eficiência produtiva de granjas, denominado Melhores da Suinocultura, que distingue as propriedades que conseguem a melhor produtividade. Ele reúne os melhores indicadores da produção da suinocultura brasileira e faz premiações. A cada ano, o vencedor leva o troféu Leitão de Ouro. O impacto do programa é tão grande que se tornou o principal banco de dados da suinocultura brasileira, observa Gubert. Entre os passos estudados para a internacionalização da Agriness está a abertura de uma filial na Suíça. Mas, por enquanto, o projeto foi postergado em função do

alto custo de investir na Europa, principalmente pela questão cambial. O dólar esteve mais caro nos últimos meses.

INVOLVES

De olho no ponto de venda

Empresa do setor de tecnologia para gestão em trade marketing, a Involves nasceu em 2008 por iniciativa de seis amigos de universidade que se tornaram sócios da empresa baseada em Florianópolis. Segundo o diretor Guilherme Coan, o sucesso da companhia se deve principalmente ao sistema que criou, o Agile Promoter, que permite acompanhamento do ponto de venda para as indústrias. Antes, as empresas demoravam cerca de seis dias para saber se o seu produto estava em falta.

Hoje, ela sabe em tempo real, observa Coan. Consolidada no Brasil, com milhares de usuários do seu sistema do Acre até o Rio Grande do Sul, a Involves passou a exportar no ano passado a convite de uma multinacional de tecnologia.

 – Nossos clientes ficaram tão satisfeitos com o nosso trabalho no Brasil, por isso estão nos levando para os países onde atuam na América Latina. Fomos levados para fora – conta Guilherme Coan.

Atualmente, a Involves obtém 15% da receita no exterior. Atua no México, Chile, Argentina, Colômbia e Peru. O primeiro cliente lá fora foi a Sandisck,  multinacional que trabalha com dispositivo de armazenamento flash. Primeiro, levou a Involves para o México, depois, para a Colômbia e Chile. Há alguns meses, foi para a Angola. Já são nove países.

Um dos próximos passos será a abertura de uma filial nos EUA, porque é mais vantagem ter unidade lá para exportar. Os sócios também avaliam estratégias para entrar forte na Ásia. O sistema da empresa catarinense permite controlar ações no ponto de venda, monitorar equipes e, depois, analisar resultados. Tudo fica registrado. A empresa é referência no Brasil em inovação e funcionalidade. Para se ter ideia da aceitação, a Involves cresceu 150% ao ano em 2014 e 2015 e projeta avançar 200%  este ano.

NEOGRID

Mais internacionalizada

Dona de tecnologia de ponta para cadeias de suprimentos do varejo (supply chain), a Neogrid, de Joinville, é a companhia de software mais internacionalizada do Brasil, segundo levantamento da Fundação Dom Cabral.

A empresa obteve no ano passado 25% do seu faturamento no exterior, onde cresceu 44% no período. E pelos novos contratos em vigor, a expansão será expressiva também este ano, adianta o diretor de Operações América do Norte, Ricardo Gonçalves.

Atualmente, a Neogrid atua em cinco países. No Brasil, tem matriz em Joinville e filiais em São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG). No exterior, está nos EUA (Chicago), Holanda (Amsterdam), Inglaterra (Londres) e Japão (Tóquio). A partir desses escritórios, atende clientes em mais de 30 países e em oito idiomas.

 – A partir do Brasil a NeoGrid suporta todos os clientes da América Latina, bem como as filiais na América do Norte, Europa e Ásia, que realizam o atendimento aos clientes de cada região. O desenvolvimento dos softwares para todas as regiões é realizado no Brasil – explica Ricardo Gonçalves.

INTRADEBOOK

Para o negócio dar certo

Criar um programa que ensina pequenas empresas a atuar no mercado externo com exportações e importações foi o desafio do economista Alfredo Kleper Lavor, que durante anos ministrou cursos com esse objetivo em SC. Em 2012, ele viabilizou o software Intrade e abriu a startup Intradebook, em Florianópolis.

A intenção era oferecer solução para empresários brasileiros, mas ao lançar o portal da plataforma em três idiomas – português, inglês e espanhol – ele ficou surpreso com o interesse no exterior. Atualmente, o espaço para cadastros no site tem empresas de 54 países, o que fez Kleper concluir que a micro e pequena empresa brasileira enfrenta dificuldades para exportar muito semelhantes às de empresas da Ásia e da África.

Pelo fato de o programa ser didático, Kleper foi convidado a apresentá-lo para o Centro de Comércio Internacional (ITC), instituição da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ambas da ONU. O ITC está avaliando o sistema para aprová-lo como solução de apoio a pequenas empresas no acesso ao mercado internacional. A intenção é fornecer a plataforma para todo mundo usar.

A Intradebook conta com os sistemas Intrade (informações) e Inbusiness (identificação de clientes) que são gratuitos.

Já o Inservice, plataforma sobre logística, conta com serviços que são cobrados. Kleper divide a gestão da empresa com a sócia Denise  Karst Felix. O portal da Intradebook tem quase 800 empresas cadastradas.

SEGWARE

Big Brother tipo exportação

Líder em software de monitoramento de alarmes e imagens no Brasil, com 80% das contas do mercado nacional, a Segware, de Florianópolis, iniciou processo de internacionalização em 2012 e se tornou multinacional, com uma filial em Miami, EUA. É de lá que a empresa presidida por Luiz Henrique Bonatti atende clientes de mais de 10 países da América Latina. Segundo ele, a empresa atingiu a meta do ano passado, que era obter 5% da receita bruta total no mercado externo. No ano anterior, 2014, alcançou 3%. Apesar da crise no Brasil, o resultado total foi bom em 2015, com crescimento de 28% da receita e 105 novos clientes.

Com foco na plataforma SaaS (software como serviço), a Segware acaba de colocar em nuvem o seu sistema Sigma. Assim, tem mais facilidade para atender empresas menores no Brasil e exterior. O Sigma controla informações de alarmes, câmeras, imagens e rastreamento veicular.

  – Toda a nossa exportação é feita via Miami. Por questões tributárias é mais vantajoso faturar no exterior do que ter estrutura no Brasil, que não oferece benefício fiscal nenhum para quem exporta software como serviço, o que é o nosso caso – afirma Bonatti, ao explicar que o governo brasileiro adota isso para evitar origem duvidosa de dinheiro do exterior.

Em Miami, a Segware conta com o apoio da Apex, que presta serviços de participação em feiras nos EUA. Toda a operação das exportações é feita por uma equipe que atua na América Latina.

AUDACES

A moda como investimento

Ser cada vez mais global é a estratégia da Audaces, que atua com softwares e equipamentos para a indústria da moda. É uma das empresas do polo tecnológico de Florianópolis que aproveita esta fase de câmbio favorável para a exportação. No ano passado, obteve receita bruta 51% maior no exterior e para este ano projeta crescer lá fora 40%, informa o presidente da companhia, Claudio Grando.

Fundada em 1992 por dois colegas do curso de Ciência da Computação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Grando e seu sócio Ricardo Cunha, a Audaces vende para mais de 70 países.

– Em 1996 entramos no mercado da moda e começamos a exportar. Hoje, sempre que criamos um novo produto, ele já nasce para atender o mercado global – explica Grando.

A Audaces começou exportando software, mas hoje vende também hardware. Seus clientes estão principalmente na Argentina, Espanha, Portugal, Itália, Polônia e Alemanha. A companhia já está presente na Ásia e espera crescer muito por lá.

– Enquanto brasileiros vão para o exterior comprar tecnologia, a Audaces é a escolhida por empresas italianas de moda, por exemplo. Com foco em inovação, devemos lançar este ano mais um destaque mundial para o setor de moda – antecipa o empresário.

Entre as soluções que fazem sucesso lá fora estão o Audaces Idea para o designer de moda, o Audaces Digiflash, para digitalização de moldes, e o Audaces Vestuário, para modelagem e encaixe. Segundo Grando, o sucesso no mercado mundial resulta de equipamentos com alta tecnologia, segurança, precisão e facilidade de operação e manutenção.