Estadual do inusitado

Abrem-se as cortinas do espetáculo, vai começar mais um Campeonato Catarinense, que sempre proporciona histórias curiosas. É o Estadual do inusitado. Desde sua primeira edição, em 1924, o torneio acumula causos que parecem mentira de tão absurdos. Não é preciso fazer uma pesquisa extensa para lembrar de algo esquisito que aconteceu nos gramados de Santa Catarina.

Quanto mais para atrás olhamos mais encontramos momentos deliciosos. Afinal de contas, o futebol não se resume apenas a 22 jogadores correndo atrás da bola. O esporte desperta a paixão e muita vezes ela cega as pessoas, como o coronel Pedro Lopes Vieira, que mandou prender o goleiro Alfredinho porque este não aceitou que seu time, o Adolfo Konder, fosse goleado na final de 1929. O futebol é mesmo teste para cardíaco.

E o DC reuniu seis das mais diferentes histórias para divertir os torcedores um dia antes do pontapé inicial do Estadual de 2016, que até a sua final renderá muitos causos. Afinal, é disso que o povo gosta!

 

 

TEXTOS

ANDRÉ PODIACKI

andre.podiacki
@diariocatarinense.com.br

 

EDIÇÃO

RODRIGO HERRERO

rodrigo.herrero
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ILUSTRAÇÕES

BEN AMI SCOPINHO

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DESIGN

FABIANO PERES

fabiano.peres
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ESSE TIME É FOGO A história do CIP foi fugaz no Campeonato Catarinense. Sua única participação no torneio foi em 1938, mas a sua conquista não pode ser apagada. A equipe de Itajaí era profissional, mas formada por funcionários da Companhia Itajaiense de Phosphoros. Na decisão, o CIP enfrentou o Atlético de São Francisco do Sul, em uma final que reuniu pela primeira vez dois clubes do interior — a decisão foi em 16 de abril de 1939, em Florianópolis. A final pegou fogo, afinal, a equipe de São Francisco desceu o pau nos jogadores do CIP. O jornal O Estado elogiou a elegância da equipe itajaiense “pela exuberância e energia com que souberam batalhar ante a agressividade brutal do time adversário”. Com gols de Coceira e Nanga, o CIP foi campeão. Única glória de um time que apagou sua chama definitivamente ao fechar as portas em 1944.
W.O. NA FINAL Briga entre clubes e federações não é novidade. Elas acontecem aos montes e em todos os anos. Em Santa Catarina não é diferente. Desde 1931, a Federação Catarinense de Desportos (FCD) e a diretoria do Atlético Catarinense viviam às turras. Um jogo político e de disputa de poder. Presidente do Atlético, o capitão Antônio Carlos Bittencourt era um dos candidatos à presidência da FCD. Mas, segundo ele, não por escolha própria: — Na verdade não me candidatei à presidência da FCD. Amigos me falaram sobre a possibilidade. Mas não tenho ambição de cargos deste porte. Mas o principal motivo foram os grandes problemas financeiros que passa a FCD — declarou o capitão ao jornal O Estado em 23 de janeiro de 1932. Coincidência ou não, depois dessa entrevista o Atlético Catarinense enfrentou problemas com a FCD. O último deles foi o adiamento em uma semana da final do Estadual de 1931, contra o Lauro Müller, de Itajaí. Em protesto, ninguém do Atlético apareceu o Estádio Adolfo Konder em 31 de janeiro de 1932. Assim, a equipe de Itajaí ficou com o troféu sem nem mesmo sujar a roupa. Essa é a única final de toda a história do Catarinense que teve um W.O. (Walk Over, em inglês).
TÉCNICO MULTIÚSO

Muitas vezes os técnicos precisam improvisar jogadores em outras posições que não as de origem. Por exemplo, um lateral se machuca e o único volante canhoto fica com a camisa seis. Em 1977, o técnico Joãozinho Guimarães, do Joaçaba, se viu em uma dessas situações. Porém, improvisar era uma péssima ideia, afinal, o atleta lesionado era o goleiro Casagrande. Com um orçamento limitado e já tendo perdido o goleiro reserva no início do torneio, o técnico não teve dúvidas e assumiu a meta. Mesmo com quase 50 anos, o treinador/goleiro não fez feio. Segundo as pesquisas do historiador Rogério Augusto Bilibio — autor do livro 30 Anos de Futebol Profissional em

Joaçaba — Joãozinho defendeu o gol da equipe nas nove últimas partidas do Estadual. Nesse período ele sofreu seis gols.

— Ele não estava tão fora de forma e quando a gente precisou, ele assumiu o gol — recorda Betico, volante do time por anos.

O mais incrível dos jogos de Joãozinho no gol do Joaçaba aconteceu em 22 de junho de 1977. Contra o Xanxerense, fora de casa, ele catou um pênalti e ajudou o time a garantir o empate por 1 a 1.

— Quando o jogo estava 0 a 0 o Xanxerense teve a chance de abrir o placar de pênalti. Só me lembro do Joãozinho pulando para o lado direito e fazendo a defesa — recorda Betico.

 

 

O amador campeão Em 1956, o Paysandu, de Brusque, venceu o campeonato da Liga Estadual de Futebol Profissional, criada pelos 10 principais times de Santa Catarina. O torneio era reconhecido pela Federação Catarinense que, paralelamente, organizou uma competição com 13 times amadores. O time de Brusque era para ser o grande campeão profissional, mas a FCD decidiu organizar uma final de luxo entre o Paysandu e o Operário da Metalúrgica Joinville — campeão do torneio amador. O problema é que o jogo foi marcado para o dia 12 de maio de 1957 e a equipe brusquense já tinha mandado embora boa parte do seu elenco. E com um plantel remendado, o time alviverde perdeu as duas partidas para o tricolor joinvilense, que guardou um troféu profissional em sua estante. No dia seguinte ao jogo, o jornal O Município, de Brusque, reconheceu a superioridade do Operário: “Vitória surpreendente e sensacional conseguiu o time de Joinville. O Paysandu não parecia sombra da equipe campeã da Liga Profissional".
Árbitro e presidente Há pouco mais de 10 dias da decisão do Campeonato Catarinense de 1939, decidido no dia 17 de março de 1940, o então presidente do Figueirense, César Seara, renunciou ao cargo, concedendo a si mesmo título de presidente honorário da instituição. Em nota publicada no jornal O Estado, ele não explica os motivos. Em seu lugar ficou João Eduardo Moritz. O curioso é que César Seara também era árbitro de futebol e foi escalado para apitar a decisão do Estadual entre o seu Figueirense e o Peri, da cidade de Mafra. A Federação Catarinense sempre divulgava com antecedência quem seria o juiz das partidas. Mas nesta final, um dia antes do jogo, não havia notícias de quem seria o apitador. A FCD fez mistério até momentos antes do jogo, quando se descobriu que seria César Seara, revelando assim também o motivo pelo qual ele se afastou do Furacão antes da decisão. Nas crônicas da final não há relatos de uma atuação tendenciosa ou ruim de Seara. Além disso, o time de Mafra não reclamou em nenhum momento da escolha do árbitro, nem antes da partida começar e nem depois, o que pressupõe que o ex-presidente alvinegro tenha se saído bem. No campo, o Figueirense ficou com o título ao vencer o jogo por 5 a 3.