Em qualquer ponto de Florianópolis é possível encontrar pessoas privilegiadas, que de casa ou do trabalho olham pela janela e encontram, mesmo que de relance, cenas de cartão-postal.
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Trabalhar em um hostel que fica no final da Prainha da Barra da Lagoa faz a argentina Natália Quintana ver todo dia uma aquarela, uma vista impecável que tem do alto do morro.
– As pessoas de fora falam: “Você mora em um paraíso”. Tudo aqui é harmônico. Vim de uma cidade onde todos andam de terno e são apressados. Isso aqui (a vista de Floripa) é até
difícil descrever.
Há 14 anos em Florianópolis, ela deixou Buenos Aires com o irmão, Sérgio. A missão deles era a de realizar o último desejo da mãe, Nemesia: ter as cinzas jogadas na praia.
– Ela sempre quis morar no Brasil e a trouxemos aqui para a Barra. Eu, meu irmão e minha mãe, estamos todos juntos aqui nesse paraíso.
Natália descreve o lugar como perfeito.
– Sempre que passo a ponte (que leva até a Prainha) me surpreendo com algo diferente.
A ponte Hercílio Luz é o cartão-postal de Santa Catarina, mas para Maria Isabel de Souza é uma amiga, uma velha conhecida. Aos 54 anos, essa manezinha de sorriso fácil convive com esta gigante desde a infância. Sua casa fica quase em baixo da vão, na área insular.
– Ela é como se fosse da família – garante a mãe de quatro filhos, todos também criados a poucos metros do mar e da ponte.
Da janela ou da porta de casa, Maria Isabel enxerga todas as manhãs os remadores dos clubes náuticos da cidade deslizando sob a armação de ferro castigada pelo tempo, mas com a esperança de um dia voltar a ter vida.
– Não consigo me imaginar morando em outro lugar. Aqui é diferente de tudo. Existe uma outra energia perto dela (a ponte) – garante a aposentada que espera voltar a andar sobre sua velha amiga novamente.
Alleks Conceição não precisa sair de casa para se inspirar. Músico, ele mora no alto do Morro dos Bodes, na Prainha. A música é só uma das paixões. A vista de casa é outra. Da janela dá para apreciar o mar, as pontes e o coração nervoso da cidade. Um lugar de contrastes admirado por ele.
– Desde que me conheço por gente existe essa disparidade. Por 12 horas há correria e barulho. À noite, silêncio e calmaria. Às vezes até penso para onde vão tantos carros?
Por um ano, em 2014, Alleks morou em Buenos Aires, período que deixou nele uma certeza: nunca mais vai “abandonar” Florianópolis.
– Tenho 32 anos e vivi aqui 31 deles. Não me vejo morando em outro lugar. Para mim não existe explicação. Eu estava longe, mas de verdade queria era estar aqui.
Quando mais novo, o músico ficava na frente da casa, com os amigos, apenas curtindo o visual.
– A gente ficava aqui na frente tocando. O clima, o visual daqui te dá liberdade para compor e escrever.
Ribeirão da Ilha é um daqueles locais de Florianópolis que parecem parados no tempo. As casas, na maioria açorianas, estão sempre de janelas abertas. Qualquer um da calçada consegue ver o interior delas.
É um lugar de pescadores e de pessoas com a vida ligada ao mar, como João Lopes Filho, 76 anos, que ali pescava e ganhou fama como construtor de baleeiras, a embarcação mais tradicional de Florianópolis – ele fez 16 delas.
– Era um trabalho muito pesado. Comecei como auxiliar e depois fiquei sozinho. Para fazer uma baleeira demora uns três meses.
Da janela de casa ele enxerga o mar e contempla o entardecer. Até nos dias nublados a beleza é garantida. E apesar de o Ribeirão ser um local tranquilo, João garante que o bairro mudou com o passar dos anos.
– Quando eu era criança fazia muita bagunça, adorava roubar frutas dos vizinhos. Hoje não pode mais fazer isso. O que não muda aqui é o pôr do sol, isso continua o mesmo.
O centro de Florianópolis pode parecer confuso para quem não é da cidade. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo. Há músicos, ambulantes, muita gente circulando e muito concreto. Do chão, fica difícil perceber a verdadeira beleza dessa parte da Capital. Do alto, as ruas movimentadas parecem artérias.
É da janela da escola de moda e costura que Julia Ferrari, 21 anos, destaca as cores que enxerga a partir do antigo prédio da Rua Jerônimo Coelho. De lá, observa o Mercado Público e seu amarelo inconfundível, o terminal de ônibus e a difusão das texturas, o azul do mar e do céu, que a impressiona.
Nascida e criada em Rio do Sul, mudou-se para a Capital há quatro anos para estudar design de moda.
– É bastante inspirador estar em um ambiente de beleza, sem fixar o olhar em uma parede cinza. Essa paisagem inspira a criação de coisas pares à natureza.
"Metade de mim é feita de maresia”.
Assim, com uma frase da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, a manezinha Olga Maria Luz, 75 anos, descreve sua relação com a Lagoa da Conceição. A casa, no Canto dos Araças, foi projetada para ser invadida pelo sol. O amanhecer é fantástico e revigorante.
– Isso me enche de energia e já saio pelo jardim apanhando frutas ou flores para os meus arranjos – explica a florista.
A relação dela com a cidade é familiar. O avô Hercílio Luz dispensa apresentações. Uma pessoa que a cativa, mesmo sem ela tê-lo conhecido.
Depois de casar, Olga morou em Itajaí e no Rio de Janeiro. Mas o melhor sentimento que tem foi o de voltar para Floripa.
– Tinha a sensação de ter deixado a minha roupa pendurada no varal e que voltaria a vesti-la.
São exatos 35 passos do mar até o restaurante e a casa de Domenico Chiafele. Ele mora em Florianópolis há 12 anos, desde 2008 na praia do Forte.
– É uma delícia. À minha frente o mar com as montanhas. Não é aquela água sem fim no horizonte. Do outro lado o verde das árvores. Só Deus pode fazer um lugar assim.
O encanto pela praia do Forte começou muito antes de o italiano morar ali. Em 2002, ele conheceu o norte da Ilha e se apaixonou. De férias, sentou pertinho do mar, ficou tomando caipirinha e vinho e comendo um peixinho fresco. Experiência que considera “maravilhosa”.
De bigode branco e com 62 anos, Domenico conheceu muitos lugares no mundo e não à toa escolheu Florianópolis para viver.
O pôr do sol em Santo Antônio de Lisboa é um privilégio que Rodrigo Ventura, 32 anos, tem todos os dias do seu local de trabalho. Como maricultor, ele passa os dias em curtas viagens de barco do rancho à fazenda de ostras e mariscos.
– É gratificante o que temos no dia a dia aqui, por esse pôr do sol e por trabalhar com algo que representa a nossa cultura da Ilha.
No dia que Florianópolis completa 343 anos, Rodrigo chega aos 33. Uma festa dupla para ele. Mesmo estando todo os dias ali, à beira-mar, Rodrigo não se cansa da vista que contempla e de Santo Antônio, um dos redutos onde a cultura açoriana é mais forte.
– Os turistas chegam e falam: “Você trabalha onde todos querem estar”.
Wanda Piccoli Ferreira di Migueli consegue avistar da janela de casa o salão de festa das bruxas, as pedras de Itaguaçu.
Desde que mora no bairro, aprendeu a direcionar o pensamento para sentir e ver tudo o que se passa ali. Florianópolis a acordou, como gosta de dizer a paranaense de Campo Mourão que passou pela estressante São Paulo antes de chegar à Capital.
É difícil encontrar alguém tomando banho no mar de Itaguaçu, mas Wanda faz questão de aproveitar ao máximo o bairro.
– Aprendi a admirar, conhecer as coisas mais de perto. Adoro mergulhar aqui.
Esse pedaço do lado continental da cidade é pouco conhecido. Por não serem divulgadas, as belezas de Itaguaçu às vezes são quase exclusivas dos moradores.
- Aqui há pássaros que me enchem de alegria. Quando não estou em casa levo essas imagens para me tranquilizar.
O Sertão do Rio Vermelho é um mistério até para quem mora lá. Uma pequena estrada esburacada e de pedras leva a um portão de madeira, entrada do lar de Savannah Aya Muna, de 41 anos, e da família – o companheiro Tabari Ayo e os filhos, Tiger e Hanu.
A cozinha é o lugar preferido de Savannah. Da grande abertura para a mata, ao cozinhar a paranaense admira um lago, montanhas, aves e um lindo garapuvu.
Depois de viver 20 anos entre Samoa e Tailândia, Savannah decidiu se reconectar à cidade onde foi criada:
– Acabei parando nesse espaço, com a minha família e pé no chão.
Temos essa rotina de estar em contato com a natureza, pássaros, os macaquinhos vêm comer bananas na nossa mão. Sinto essa harmonia, essa boa energia. Para mim foi um reencontro.