São Francisco do Sul

O Programa Monumenta proporcionou financiamento para a recuperação de imóveis históricos particulares e públicos de São Chico, com uma injeção de R$ 13,3 milhões em 2007

Ser uma das cidades mais antigas do Brasil é um trunfo turístico, mas não é o mais recorrente quando turistas e moradores da região se encaminham para São Francisco do Sul. Eles costumam ir atrás de belas e festivas paisagens litorâneas, que oferecem praias como Enseada, Ubatuba, Capri e Grant. Os próprios francisquenses parecem dar a impressão de que a vida cotidiana se passa perto da praia. Certeza ou não, o fato é que há um coração batendo no Centro Histórico, o antiquíssimo e preservado conjunto arquitetônico que guarda as origens locais e seus monumentos mais valiosos, além de ser abençoado pela gloriosa vista da baía da Babitonga. Mas no momento em que celebrou mais um ano de emancipação política – o 169º foi comemorado neste dia 15 de abril –, São Chico olha com carinho para esse núcleo patrimonial, ansioso por aliar a
preservação com o pulsar de gente indo, vindo, comprando, conhecendo e vivendo.

Os ventos começaram a soprar diferentes no Centro Histórico quando de seu tombamento pelo governo federal, nos anos 80. Ao mesmo tempo, foram criadas estruturas municipais para acompanhar o processo, entre elas, a Fundação Cultural. Um segundo sopro de mudança veio no começo dos anos 2000, quando o Programa Monumenta proporcionou financiamento para a recuperação de imóveis históricos particulares e públicos e a urbanização da região, entre outras obras, uma injeção de recursos que chegou a R$ 13,3 milhões em 2007.

Os benefícios que o programa trouxe para a cidade são inegáveis, mas criou uma espécie de sacralização do Centro Histórico, na opinião do diretor da Fundação Cultural de São Francisco do Sul, Aldair Daia Carvalho. Essa situação, diz ele, afastou uma parcela dos moradores, assustados com a aura de “intocável” que o conjunto de prédios ganhou e as exigências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para mantê-lo intacto.

– Nosso grande desafio é fazer com que o Centro Histórico seja o lar dos francisquenses. Não cuidar só dos prédios em si, mas das pessoas que os ocupam. Conservar esse patrimônio também é incentivar a qualidade de vida – defende Daia.

O secretário cita, por exemplo, o fato de muitos moradores das praias se referirem ao Centro como São Chico, como se morassem em outra cidade. Ele chama a atenção também para a ausência de crianças, a não ser a passeio com os pais. Seja como for, o vaivém na região é calmo nos dias de semana e quase parado aos sábados e domingos.

Segundo Daia, um primeiro passo para mudar isso seria recuperar o encanto dos habitantes pelo Centro, fazendo com sintam que ele lhes pertence e deve ser utilizado. Um outro movimento é mostrar que o patrimônio histórico e cultural é viável economicamente, levando artesãos e congêneres a exibirem seus trabalhos no Centro. Uma terceira via é incentivar o retorno da região como local de moradia, e não somente de trabalho ou “temporada”.

Há uma iniciativa do Iphan, esclarece o secretário, de criar um programa de moradia no Centro Histórico de São Chico à base de financiamento. Em paralelo, haveria discussões para tentar reconectar o francisquense com o patrimônio e transformar os equipamentos da região em aglutinadores de ações, culturais ou não, como cursos de teatro.

– Estamos criando um mecanismo para desconstruir uma imagem equivocada do Centro Histórico. Se não encontrarmos uma forma de sustentabilidade, ele será eternamente um cenário – compara Daia.

Texto

Rubens Herbst

 

Edição

Genara Rigotti

Imagens

Maykon Lammerhirt

 

design

Juliano de Souza

Uma história para

chamar de sua

Na comemoração dos 169 anos de emancipação política da cidade, o desafio é preservar não apenas o patrimônio histórico, mas também a relação das pessoas com este espaço. Em São Francisco do Sul, aproximadamente 400 imóveis estão tombados pelo governo federal desde os anos 80. Hoje, a intenção do município é que o Centro Histórico seja de fato o lar dos francisquenses e que este conjunto arquitetônico esteja na rota das mais de 600 mil pessoas que visitam a Ilha todos os anos.

 

Publicado em 16 de abril de 2016

A consulta prévia ao escritório do Iphan, além de necessária, pode economizar tempo e dor de cabeça ao dono

de imóvel que projetar reformas.

 

Gabriela Cancillier, chefe do escritório técnico do Iphan

de São Chico

Nosso grande desafio é fazer com que o Centro Histórico seja o lar dos francisquenses. Não cuidar só dos prédios em si, mas das pessoas que os ocupam.

 

Aldair Daia,

diretor da Fundação Cultural de São Francisco do Sul,

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Mais visitantes em

qualquer estação do ano

 

– O Centro Histórico é nosso diferencial. Praia tem em todo lugar.

Guilherme Neves, secretário de Turismo de São Francisco do Sul, crava o patrimônio histórico e cultural como o grande atrativo da cidade, mesmo sabendo que o entorno litorâneo acaba atraindo um número maior de turistas. A cena se inverte nos dias chuvosos ou no inverno, quando um fluxo maior de pessoas é visto em meio aos casarões e ruas de pedra. Ainda assim, são 600 mil visitantes por ano em São Chico, 400 mil só no verão, e não é difícil imaginar que uma boa parte deles passa ao largo do Centro Histórico.

A intenção do órgão é colocar o conjunto arquitetônico na rota do público de fora, incentivando o turismo cultural na baixa temporada. Pretende fazê-lo com farta divulgação em veículos de comunicação e promovendo eventos como festival gastronômico e encontros de carro e food trucks. A interligação de ações entre as pastas do Turismo, Cultura e Esportes é essencial para colocar mais gente no Centro Histórico, faça calor ou faça frio.

– De 2010 para cá, aumentou muito o número de turistas que vêm de outros lugares que não de Santa Catarina e Rio Grande do Sul – enfatiza Neves.

Além do conhecido Museu Nacional do Mar, o Centro Histórico abriga os museus Histórico e de Arte Sacra, a igreja matriz, o Mercado Municipal e o morro ecológico, do qual se tem uma vista privilegiada de toda a cidade e da baía da Babitonga.

Como aliar a preserveção com o pulsar de gente

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Iphan idealiza reaproximação

com a comunidade

 

O conjunto de aproximadamente 400 imóveis, que abrange do Museu Histórico até o Museu do Mar, está tombado pelo governo federal desde os anos 80. Tudo o que encontra-se nele está sujeito a ter desconto do IPTU, conforme lei municipal. Basta que o dono faça a solicitação junto à Prefeitura e aceite a condição de ter seu imóvel vistoriado internamente pelos técnicos do Iphan, algo não muito bem aceito por todos. Até pouco tempo atrás, essa inspeção se resumia a uma boa olhada na fachada do prédio.

Os descontos podem variar de zero a 90% do valor total do imposto, e são dados conforme uma tabela de cinco níveis que leva em conta a preservação do imóvel e a presença nele de elementos históricos. Como a lei municipal é um tanto vaga nessa questão, a decisão depende muito do olhar do técnico que realiza a vistoria. Seja como for, o benefício faz bem para o bolso e para a manutenção do patrimônio local.

– O desconto do IPTU é um incentivo para que a pessoa conserve o seu imóvel – frisa Gabriela de Oliveira Cancillier, chefe do escritório técnico do Iphan de São Francisco do Sul, ressaltando que o proprietário consciente de que a sua propriedade está em más condições costuma nem solicitar o abatimento no imposto. Mas, segundo ela, a situação dos imóveis tombados se encontra, de um modo geral, entre boa e excelente.

Além da questão burocrática ligada à preservação, o processo de visita também serve para reaproximar a população do Iphan, que por muito tempo teve deficiência de equipe técnica na cidade. Questionada se o órgão está mais flexível, Gabriela prefere bater na tecla da orientação. A consulta prévia ao escritório, além de necessária, pode economizar tempo e dor de cabeça ao dono de imóvel que projetar reformas. Mesmo assim, há aqueles que resolvem tocar a obra por conta própria.

– Às vezes, eu sei que não é um dano, é apenas passível de regularização – esclarece a arquiteta. Segundo ela, o prazo entre avaliar, tecer o parecer e liberar a obra raramente chega a 45 dias.

Visões diferentes sobre

incentivo e cuidado

 

A loja de roupas e acessórios de Mônica Cardoso fica na rua Babitonga, a principal do Centro Histórico de São Francisco do Sul, num casarão centenário pertencente a sua família. Mas, apesar da localização privilegiada, a comerciante não sai distribuindo sorrisos. Isso porque ter seu comércio num prédio tombado, em meio a um conjunto arquitetônico de mais de meio século, não traz grandes benefícios para o bolso. Mônica reclama, por exemplo, dos impostos que paga – além do IPTU, outro referente às terras de marinha (SPU) – e da dificuldade de fazer seguro, pelo temor que as empresas do ramo têm de edifícios tombados.

– Qualquer mexida na estrutura, eu tenho que pedir permissão ao Iphan, mesmo que seja para trocar uma telha. Preciso esperar 30 dias, para autorizar ou não – diz a comerciante.

Para Mônica, essas dificuldades impostas estão fazendo o Centro Histórico deixar de ser o núcleo comercial da cidade. Segundo ela, as lojas – em número bem maior há dez anos – estão migrando para a rua Barão do Rio Branco, a algumas quadras dali. De fato, existem muitas portas comerciais fechadas na rua Babitonga. Sem contar que os Correios, INSS e bancos já deixaram o local. E vale a pena continuar nele?

– É bonito para aquele turista que quer ver uma coisa diferente, mas, para quem vive o dia a dia, fica difícil – afirma Mônica.

Ricardo Assef, cujo comércio de calçados ocupa um prédio na rua Babitonga que está há três gerações na família, não vê nuvens tão escuras no horizonte francisquense. Para ele, além de o Iphan estar mais flexível com relação a mudanças e reformas, o órgão recomenda descontos no IPTU de acordo com a situação de cada imóvel. Na verdade, o que o comerciante questiona é a troca de endereço feito pelos bancos e repartições públicas e o péssimo estado em que os prédios se encontram agora. Para ele, isso reduz a beleza da região e afasta o público.

– O Centro Histórico sobrevive bem, mas poderia ser muito melhor – diz Assef, cobrando mais atenção dos órgãos públicos.

– Eu morei aqui, trabalho aqui, meu pai mora aqui em cima. Se o Centro Histórico acabar, perco minha casa e meu emprego. Por isso, defendo muito muito isso aqui.