Na noite gelada, o ônibus da dor deixa o Aeroporto Salgado Filho. Impotentes, frustrados, exaustos, os parentes dos passageiros aceitaram a proposta da TAM de aguardar por notÃcias no Hotel Plaza São Rafael, no centro de Porto Alegre.
Eles são levados ao auditório Itapema, sob os olhares de dois policiais militares. Uma funcionária da companhia aérea oferece salgadinhos, água e café.
– Não quero comida. Quero saber se a minha filha está no avião – retruca uma mulher.
No fórum central da Capital, o juiz plantonista Mauro Borba atende ao pedido de duas famÃlias e despacha ordem obrigando a TAM a divulgar o nome dos passageiros que fizeram o check-in para o voo 3054. Um oficial de Justiça vai ao aeroporto notificar a empresa.
O impasse desembocaria em processo, no qual a TAM alegaria receio de divulgar nomes de pessoas que não tinham falecido. A demora, segundo a empresa, se justificaria para evitar tristezas desnecessárias.
No hotel, um funcionário da companhia garante aos parentes que eles serão os primeiros a ter acesso à lista. Diz que é preciso apenas esperar pela chegada de diretores que estão vindo de São Paulo.
Aos 30 minutos de 18 de julho, a Rádio Gaúcha informa que 11 nomes de vÃtimas foram liberados pela TAM. De São Paulo, o repórter lê a lista com seis passageiros e cinco funcionários. O grupo reunido no hotel porto-alegrense é devorado pela angústia.
– Isto é um horror. A hipótese de perda é grande. Não queremos saber só quem estava no avião, queremos saber se há sobreviventes – grita uma mulher.
No Palácio do Planalto, em BrasÃlia, Lula critica julgamentos prematuros, decreta luto oficial de três dias.
No bairro de Itaquera, em São Paulo, Márcia Aparecida de Araújo ainda tenta falar pelo telefone com a filha, a comissária Michelle Rodrigues Leite, 26 anos. À tarde, a jovem ligara para contar que o Airbus tinha um problema no reversor (um dos fatores que contribuÃram para o acidente) e que ela provavelmente retornaria em outra aeronave. Em duas outras ocasiões, Márcia já recebera a falsa notÃcia da morte da filha. Na primeira, era Michele Dias Miranda, funcionária da TAM que se atirou do prédio da TAM em chamas. Na segunda, a morte era de Michelle Silveira Unterberger, 23 anos, outra comissária da companhia. Márcia tem fé em uma terceira coincidência miraculosa.
No aeroporto de Congonhas, ressurgem labaredas no depósito da TAM. O tenente-coronel-aviador Fernando Silva Alves de Camargo, responsável pela investigação da tragédia, embarca em uma caminhoneta e percorre a pista. Os faróis ajudam a identificar no chão um ponto de iluminação quebrado. Mais à frente, outros estão danificados. A trilha leva à área de grama com as marcas das rodas do avião.
Em São Leopoldo, o telefone do comerciante Christophe Haddad toca à 1h. É uma psicóloga contratada pela TAM. Ela confirma que sua filha, Rebeca Haddad, que viajara com a amiga ThaÃs Volpi Scott, está entre as vÃtimas.
– Em breve, voltaremos a fazer contato – avisa a mulher.
No auditório do hotel, em Porto Alegre, as famÃlias seguem reunidas.
– A sensação é de que nos colocaram aqui para nos afastar das notÃcias – critica uma mulher.
De uma sala ao lado, um televisor é trazido para driblar a desinformação, mas o aparelho não funciona. Falta antena. Alguém arranja um rádio. A corretora de imóveis Neusa de Moura fica atenta. Sua agonia já dura mais de cinco horas, desde que viu na TV o prédio da TAM em chamas. Sua mãe, a pensionista Adelaide de Moura, 73 anos, viajara naquela tarde acompanhada por nove pessoas do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul (Sinapers). A comitiva participaria na manhã seguinte, em frente à Federação das Indústrias de São Paulo, de um protesto contra o calote no pagamento de precatórios. No começo, Neusa ainda confiava que a mãe poderia estar em outro voo, mas a cada minuto torna-se mais difÃcil acreditar.
No aparelho sintonizado na Rádio Gaúcha, dentro do auditório Itapema, Neusa agora escuta o repórter Wagner Belmonte, que entra ao vivo de São Paulo para dizer que teve acesso a um comunicado com 176 nomes de vÃtimas.
– Posso ler? – pergunta aos colegas que estão no estúdio.
– Agora – responde, de Porto Alegre, Carlos Guimarães.
Em volta do aparelho colocado sobre o palco do auditório, com dedos entrelaçados ou de joelhos, homens e mulheres rezam para não ouvir nomes de parentes e amigos.
É 1h34min. 400 minutos depois do acidente em Congonhas.
O primeiro nome a ser lido é o da pensionista Adelaide Moura.
Neusa, a filha, cai em pranto.
A cada novo nome, o choro e os gritos se amplificam. Quando o repórter menciona Catilene Maia de Oliveira, 35 anos, passageira da poltrona 21A do Airbus e integrante da comitiva do Sinapers, uma amiga desaba. Uma colega evita a queda e a consola:
– Segura que tem mais.
Seis paramédicos não dão conta de acudir a todos que tombam pelo chão, desesperados. Quatro pessoas são retiradas do auditório desmaiadas.
Nove minutos depois, um funcionário da TAM faz a leitura oficial dos nomes.