– Vocês têm a obrigação de dar a lista, porra!
Uma hora depois de o Airbus da TAM explodir em Congonhas, com as chamas ainda ardendo, o conflito está instalado no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Parentes e amigos de passageiros correm de um lado para outro, em desespero, chorando, gritando. Acotovelam-se diante do balcão de vendas da TAM, onde descobrem que a companhia não havia preparado qualquer esquema de atendimento.
Os funcionários, desorientados – e pesarosos pela possÃvel perda de colegas no voo acidentado, entre eles o superintendente regional da empresa, Marco Antonio da Silva –, remetem as famÃlias para o setor de check-in. O grupo se move para lá como um enxame e exige a lista com os nomes. Mas não existe confirmação de nada.
Sob uma enxurrada de palavrões, uma funcionária fornece o 0800.117900 destinado pela TAM a dar informações aos familiares. Celulares são retirados dos bolsos, dedos digitam os algarismos. O resultado é sempre o mesmo. Sinal de ocupado.
A tensão galopa. Um funcionário da TAM propõe anotar os telefones dos presentes "em uma listinha", para passar informações mais tarde, e pede que todos voltem para casa. Ninguém aceita.
Às 20h20min, os familiares são levados ao auditório da Infraero, no terceiro andar. Pensam que agora a lista vai sair, que vão saber se seus pais, irmãos e cônjuges estão mortos ou se tomaram outro dos voos que partiram de Porto Alegre naquela tarde. A expectativa é brutal. Mas o gerente da TAM na cidade, Marcelo Viciccic, repete o 0800.117900 e convida os parentes a ir a um hotel.
O empresário Luiz Fernando Moyses não suporta mais a tensão. Às 17h5min daquele dia, ele recebera no celular uma mensagem da mulher, a advogada Nadia Bianchi Moyses, 32 anos: "Estou sentada na poltrona do voo JJ 3054". Ele fora um dos primeiros a chegar ao Salgado Filho, pouco depois das 19h, e já presenciara todo tipo de versões e adiamentos. Agora, perde o controle. Em um acesso de fúria, quebra uma mesa. É contido e algemado por policiais militares.
Perto dali, o comissário Renato Souza, servidor do posto da PolÃcia Civil no aeroporto, analisa com colegas as cenas do embarque do voo 3054. São 21h. Ele reconhece o deputado Redecker, o ex-presidente do Inter, Paulo Rogério Amoretty, e o superintendente da TAM Marco Antonio da Silva.
À beira do balcão do aeroporto, Marta e Milton Dornelles se afligem pela sobrinha Eliane. Luisa Romanha, paralisada, os braços cruzados, sofre por um tio, o comissário de bordo Ãlvaro Breguez, 36 anos. O advogado Alex Santos Charara, 39 anos, quer saber da irmã, a advogada Soraya Machado Charara, 42 anos, executiva da Édison Freitas de Siqueira Advogados Associados.
Um grupo exaltado tenta invadir o setor de check-in do Salgado Filho e paralisar o aeroporto. Josmar Gomes, à espera de notÃcias do irmão, o empresário Mario Lopes Corrêa Gomes, 49 anos, esbraveja:
– Será que vão ter de quebrar tudo para se obter notÃcias? Isso é um desrespeito!
Seguranças da Infraero, agentes federais e policiais civis de três delegacias tentam conter os exaltados. Fazem um cordão de isolamento para impedir o acesso. PMs do Batalhão de Operações Especiais são chamados.
– Não dão informação e tratam a gente como se fosse criminoso, uma vergonha – reclama uma mulher.
Um soldado da BM diz ao superior:
– O senhor me perdoe, mas, façam o que fizerem, eu não vou encostar um dedo em ninguém.
Um jogo de empurra fica evidente. Um funcionário da Infraero surge e revela que a lista de passageiros está bloqueada no computador por "ordens superiores". É soterrado por xingamentos. Uma nova tentativa de invasão ocorre no check-in. O comissário Renato Souza, da PolÃcia Civil, aparece. Avisa que o governo do Estado está intervindo junto à TAM para a liberação da lista com os nomes dos passageiros. Nada adiantou.
Naquela hora, em Congonhas, na noite tingida pelo laranja das chamas, um helicóptero pousa. O tenente-coronel-aviador Fernando Silva Alves de Camargo, 45 anos, desembarca sob chuva e vai até a cabeceira da pista. Testemunha a batalha dos bombeiros e, na noite fria, sente o sopro do calor no rosto. Caminha até a sala da Infraero.
– Vamos atrás das imagens da pista – diz o homem incumbido de comandar a investigação do acidente.
Ele olha o vÃdeo uma, duas, três vezes.
– O Airbus passa muito rápido – sussurra para um colega.
Intrigado, volta a gravação até o pouso de outro Airbus. Compara as velocidades. É um indÃcio de que houve problemas na frenagem, quem sabe provocados por deficiência da pista, recém-reformada, mas com o histórico problema do acúmulo de água, responsável por derrapagens. Os investigadores decidem vistoriar o local.
No Salgado Filho, sem notÃcias da irmã, o advogado Alex Santos Charara vai para casa. Aos que fazem contato, anuncia que ela estava em outro voo. De tanto repeti-la, começa a acreditar na própria mentira. O empresário Luiz Fernando Moyses, já liberado das algemas, apanha roupas em casa e vai para São Paulo em um voo fretado.
Depois da viagem de carro desde São Leopoldo, o professor da Unisinos Dario Scott e a mulher, Ana SÃlvia, pais da estudante Thais Volpi Scott, que viajara com Rebeca Haddad para férias na casa dos avós, conseguem lugar em um avião da TAM que parte para São Paulo à s 23h. Quando chegaram ao Salgado Filho, haviam buscado apenas uma resposta:
– Foi o voo 3054?
Com a confirmação, não precisam saber mais nada. Não têm passagem, não têm dinheiro, não têm bagagem alguma, só a roupa do corpo. Mesmo assim, embarcam. Sentados na primeira fila, choram durante toda a viagem.