Aeroporto de Congonhas, 1º minuto

O painel eletrônico no saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, informa que o voo JJ 3054, vindo de Porto Alegre, aterrissou.

Lauri Volpi vai até a área de desembarque e posta-se à espera, de olho na porta. Aguarda a neta, Thaís Volpi Scott, 14 anos, que está chegando de São Leopoldo para uma semana de férias. Ela vem acompanhada de uma amiga, Rebeca Haddad, também de 14 anos.

O celular de Volpi chama. É o genro, o professor da Unisinos Dario Scott, ligando do Rio Grande do Sul.

– As meninas chegaram?

– Chegaram, mas ainda não desembarcaram – responde Volpi.

O voo 3054, de fato, chegara. Às 18h54min, o terceiro-sargento da Aeronáutica Celso Domingos Alves Júnior autorizara o pouso alertando pelo rádio da torre de controle:

– A pista está molhada e escorregadia.

Cinquenta minutos antes, debaixo de chuva, o aeroporto fechara por causa das poças no asfalto. Mas a interrupção duraria apenas 16 minutos, e outras 24 aeronaves de grande porte já haviam aterrissado.

Quando o Airbus-320 da TAM toca o solo, com 187 pessoas a bordo, o terceiro-sargento percebe que há algo errado. A velocidade é elevada demais, 170 km/h, quando devia ser reduzida. "Se o avião não arremeter, vai derrapar", pensa o controlador. Então ele escuta dentro da torre, pelo radiocomunicador, o último registro de vida no voo JJ 3054:

– Vira! Vira! Vira! – grita na cabine do avião a voz desesperada do copiloto, Henrique Stephanini Di Sacco.

Do alto, Alves Júnior vê, atônito, a pista terminar e o avião prosseguir, descontrolado, até derrubar uma mureta, atravessar a Avenida Washington Luís, atingir um posto de combustíveis e bater no prédio da TAM Express, o setor de cargas da companhia. Diante dos seus olhos, a aeronave com 7 mil litros de querosene explode. Um fogaréu se levanta. É a eclosão da maior tragédia aérea brasileira, com 199 mortos.

Naquele momento, algumas das principais autoridades da aviação no país tomam cafezinho a poucos metros dali, em uma sala do aeroporto. São diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que chegaram de Brasília no final da manhã para tratar do caos aéreo que o país vivia. As reuniões ocorrem sempre no Rio ou em Brasília, mas naquele dia, o encontro havia sido marcado para São Paulo. Em discussão, o incêndio no sistema de ar-condicionado recém-reformado do aeroporto Santos Dumont, no Rio, que interrompeu pousos e decolagens duas horas antes. É quando chega a informação sobre a explosão. O Airbus em chamas do lado de fora do prédio é o mesmo que trouxera os diretores da Anac de Brasília, naquele dia.

Agora, a aeronave está despedaçada e faz arder o táxi clandestino de Thiago Domingos Silva, 22 anos. Uma hora antes, o jovem deixara a noiva, Jacqueline Cristiane Souza dos Santos, 18 anos, no setor de embarque de Congonhas, onde ela trabalha como vendedora. Como sempre, Silva tentara caçar algum passageiro no aeroporto, mas não tivera sorte. Sem outro remédio, entra no posto Supergás, da Shell, à esquerda da cabeceira da pista. Vai abastecer o tanque e jogar conversa fora com frentistas e outros motoristas de praça. Mas não chega a descer do Corsa branco 2004. A avião passa raspando, explode e engolfa o carro na onda de fogo.

No terminal, Jacqueline escuta o estrondo. Liga para o celular do namorado – e nada. Tenta de novo e de novo, esperando pela voz que nunca mais ouviria.

No mesmo prédio do aeroporto, mas na área reservada à Anac, outra mulher, Denise Abreu, diretora de Serviços Aéreos da agência, também faz uma chamada. O telefonema, para Roberto Barradas, secretário de Saúde de São Paulo, desencadeia uma série de ações de socorro e de informes a autoridades.

Na pista do aeroporto, junto à aeronave que o levaria a Manaus (AM), o empresário Ildercler Ponce de Leão testemunha de longe a morte da mulher, Jamile Ponce de Leão, 21 anos, e do filho, Levi Ponce de Leão, um ano e oito meses. O trio estava voltando de férias do Rio Grande do Sul, mas Ildercler embarcou três horas antes em Porto Alegre, por falta de lugares em um mesmo voo. Jamile ficara com o assento 1F do Airbus da TAM, que oferecia mais espaço e conforto para viajar levando um bebê.

O estrondo do avião batendo contra o muro ao final da pista apanha o empresário do Amazonas à porta da aeronave para Manaus. Em sobressalto, ele escuta duas explosões.

– O que foi isso? – quer saber.

O piloto do voo para o Amazonas responde-lhe: uma aeronave acaba de se chocar contra o prédio da TAM. "Eles estão nesse voo", imagina Ildercler, entrando em pânico. Ele grita. Sente a pressão subir, passa mal, tem de ser socorrido por paramédicos. É como se já adivinhasse que tudo o que teria a partir dali seria a dor, a perda.

No prédio da TAM Express, que serve de depósito para as cargas transportadas pela companhia, o português José Antônio Garcia, 50 anos, descobre-se no meio de um inferno que arde a mil graus Celsius. Gerente geral de tráfego de cargas da TAM, ele era uma das 37 pessoas no edifício. Agora, 10 dos funcionários e prestadores de serviço estão mortos ou agonizantes, outros gritam de horror e as chamas envolvem tudo. No meio do pandemônio, Garcia atende seu telefone. É a mulher, Giselle Garcia. A mãe dela vira o fogo pela janela e a avisara. Ela quer saber o que está acontecendo, quer que o marido abandone o posto e salve a pele.

– Um avião bateu no prédio – é tudo o que ele diz, antes de a ligação cair.

Naquela hora, os 11 bombeiros de plantão no aeroporto correm pela pista, em direção ao prédio. Na mesa em que estavam sentados, a comida esfria nos pratos. Eles interromperam a refeição ao ser avisados pela soldado Carla dos Santos, que vira a bola de fogo ao final da pista. São os primeiros a chegar ao local, cinco minutos depois da explosão, seguidos dos bombeiros de uma guarnição localizada a 500 metros do aeroporto.

Um deles tropeça em um corpo. É o de José Antônio Garcia. O coração dele está parado, mas conseguem ressuscitá-lo. O português morreria dois dias depois no hospital – a vítima de número 199, a última da tragédia.