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Itajaí-Açu
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Das nascentes á foz, paixões e esperanças


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Nao há degradação que impeça o Itajaí-Açu de ser amado. Enquanto ama, uma legiao de fas incondicionais pede dias melhores nao só para as águas, mas principalmente para a consciência humana. O encontro com o mar, com um novo ciclo, parece provar que tudo isto é possível


Adeptos de religioes afro-brasileiras acreditam que o sal tem poder purificante. O paranaense Severino Marques, 34 anos, católico, também. Morando em Navegantes, ele percorre de bicicleta mais de 10 quilômetros quase todo dia para pescar em Itajaí, na chamada Boca da Barra, local do encontro geográfico entre o Rio Itajaí-Açu e o mar. Severino acredita que só a água salgada pode combater a poluição do rio. De outra forma, jura, ele nao teria coragem de comer qualquer peixe que tivesse contato com as águas que percorrem o Vale recebendo todo tipo de poluentes. Mas nao é só a suposta qualidade do pescado que atrai Severino. Enquanto se diz conhecedor de vários Estados brasileiros, ele garante nunca ter visto lugar tao lindo. Mesmo sem a purificaçao da água salgada, o Itajaí-Açu tem amantes por onde passa. Em Indaial, a dona de casa Ilda Maria de Souza, 39, chega a esquecer os afazeres domésticos enquanto pesca. Na verdade, o que ela faz nao é bem uma pescaria. Lembra mais uma terapia solitária, tendo como diva o barranco no quintal de casa, tendo o rio por testemunha. Ilda nao faz nem questao de fisgar, independente de quanta isca gaste. "Aqui eu esqueço meus problemas, me sinto melhor", diz.

Despretenciosa, Ilda sempre pega alguma coisa. Peixe mesmo é raro, mas ela anda se especializando em pescar lagostins, um bicho igualzinho ao camarao, mas com garras. Alguns pesam mais de 300 gramas. Ela garante que o sabor nao perde em nada para os frutos do mar. Quando nao pega nada, ainda assim fica contente por ter alimentado os animais. Criada na Zona Leste de Sao Paulo, lugar onde ela afirma que só a sorte garante a vida dos moradores, Ilda só quer deixar o rio depois de morta.

Água benta

A dona de casa nao acredita na possibilidade dos lagostins estarem contaminados pela poluiçao. Para ela, que tinha como referência de rio o famigerado Tietê em Sao Paulo, o Itajaí-Açu é tao limpo quanto água benta. O aposentado José Grava também nao admite a possibilidade dos peixes do rio estarem contaminados. Também pudera. Aos 65 anos, ele trabalhou mais da metade da vida como barbeiro para conseguir comprar uma propriedade às margens do Rio Itajaí-Açu, em Ascurra. E adivinhem o que ele mais gosta de fazer? Pescar. O barbeiro até inventou um dispositivo de alarme para nao ficar parado esperando o peixe fisgar a isca. Uma linha percorre quase 20 metros do caniço à varanda do aposentado, onde chacoalha um sino toda vez que um peixe se prende ao anzol. Só aí, com a calma de quem já viveu tanto, ele vai até à beira do rio retirar o bicho da água. Se o peixe for muito grande, possibilidade que o barbeiro garante ser quase corriqueira, ele entra no rio de barco para apanhar o animal. A volta com a embarcaçao revela outra invençao inusitada de José Grava. Para nao perder tempo tirando água do barco, ele construiu uma garagem móvel e flutuante na beira do rio. No começo de abril, o barbeiro teria conseguido sua maior façanha como pescador: tirou do Itajaí-Açu uma carpa com mais de 20 quilos. Quase um monstro que faz questao de confirmar por fotografias.
O medo de perder o investimento de uma vida inteira enraizou no aposentado um sentimento ecológico. Temendo que o assoreamento do rio, e a conseqüente erosao das margens diminuísse gradativamente a propriedade, José Grava está reflorestando o pequeno sítio. Já perdeu a conta de quantos pés de angico e jequitá já plantou, além de quase 100 árvores frutíferas. Como o paraíso só pode ser completo com o canto de pássaros, o aposentado espalhou 30 minúsculas casinhas de madeira em volta da residência, onde inúmeras espécies de pássaros fazem seus ninhos.

Rotina

A beleza de Maria Tereza Domingues, 75 anos, precisou esperar exatas seis décadas para ser vista pelos vizinhos do Bairro Passo Manso, em Blumenau. Até entao, dedicada ao marido e aos seis filhos, ela praticamente nao saía de casa. Com os filhos crescidos, casados e independentes, depois da morte do marido em 1985, ela descobriu o quanto gosta de pescar no Rio Itajaí-Açu. Há 15 anos cumpre uma rotina quase sagrada de sair de casa antes do amanhecer e passar o dia pescando no rio. Detalhe: com receio do peixe estar contaminado pela poluiçao, Maria Tereza nao tem coragem de comer qualquer coisa que venha no anzol. Tudo que pega, doa aos mesmos vizinhos que nao a conheciam. A viúva gosta mesmo é de ficar na beira do rio, nem que seja só para ouvir o esporádico canto de algum pássaro. Além dos traços e da beleza típicos dos negros, Maria Tereza chama atençao pela imobilidade quase absoluta enquanto pesca. Ela nao sabe explicar o motivo que a leva a passar horas na mesma posiçao. Acredita apenas que é assim que gosta de pescar. O gosto é tanto pelo ofício, que Maria Tereza desenvolveu a própria isca, uma massa feita a partir de restos de pao e trigo. Ela nao revela as quantidades exatas da receita, mas garante que nunca voltou pra casa de maos vazias. A negra de cabelos brancos e pele lisinha só nao entende como antes de ter a menor noçao de como se pescar, há mais de 10 anos, pegava muito mais do que hoje, depois de ter desenvolvido várias e eficientes técnicas. Apenas arrisca que o número de peixes deve ter diminuído consideravelmente nos últimos tempos.

Dias melhores

O desempregado Nelson de Andrade, 37, também pede aos céus por dias melhores ao Itajaí-Açu, o que, em conseqüência, melhoraria a vida da própria família. Nelson mora com os cinco filhos em uma casa de madeira, encravada em uma rocha ameaçada pelo avanço do rio em Ibirama. Ele sabe que nem seria necessária uma enchente de grandes proporçoes para que as águas levassem a residência e tudo que conseguiu ganhar na vida. Há um ano a mulher de Andrade o abandonou. Ficou a responsabilidade de criar os filhos com idades entre 2 e 12 anos. A preocupaçao com uma possível enchente é recompensada pela vista paradisíaca que tem do quintal. "Aqui eu pesco, esqueço por uns minutos dos problemas e educo meus filhos", diz, com o olhar perdido em um ponto imaginário no horizonte.
Vivendo de pequenos trabalhos, Nelson aposta que os filhos vao saber cuidar melhor do Itajaí-Açu. "O rio faz parte da vida deles, moço. Essa paisagem é a coisa mais bonita que eu posso dar pra eles no momento, e a única lembrança que gostaria que ficasse na memória das crianças depois que eu melhorar de viª da. Tenho certeza que eles vao fazer o que for possível pra deixar o rio do jeito que tá. Mas se nao sujar mais, já está bom", fala, com a voz embargada. Antes de ter a umidade dos olhos transformada em lágrimas, ele cala. A conversa está encerrada.

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DIÁRIO DE VIAGEM
Conseguir ângulos inusitados para a melhor fotografia e chegar até onde estao os personagens da históriar podem colocar jornalistas em situaçoes perigosas. A equipe do Santa chegou a afundar no Itajaí-Açu, quando chegava na foz, a bordo de uma embarcaçao do Corpo de Bombeiros de Itajaí. Por sorte foi apenas susto - e muitas braçadas forçadas. O equipamento fotográfico teve de ser resgatado por mergulhadores
Da garagem flutuante para barcos construída em Ascurra, e a família do desempregado Nelson de Andrade, 37, em Ibirama são exemplos de esforço para se viver muito perto do Itajaí-Açu.

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Demorou, mas valeu a pena. Como alforria, só depois de criar os filhos e ficar viúva Maria Tereza Domingues, 60 anos, descobriu o quanto gosta de pescar. Desde 1985 ela é presença certa nas margens que cortam o Bairro Passo Manso, em Blumenau Quando nãoo fotografa, o barbeiro aposentado José Grava, 65, guarda no freezer pelo menos um pedaço dos gigantes que garante tirar do Itajaí. O último, uma carpa húngara, pesou mais de 20 quilos, segundo a história do pescador que mora em Ascurra Célio Kiefer, 36, nasceu colono em Rio do Sul. Ao longo dos anos veio descendo a BR-470, sem saber ao certo onde ia parar. Lembra com tristeza de quanto agrotóxico jogou no rio quando plantou arroz. Também tenta esquecer dos dejetos de uma criaçao de porcos que canalizou direto para o Itajaí-Açu. Hoje ganha a vida como pescador, e quer apagar o passado toda vez que o barco atravessa a linha que divide rio e mar, em Itajaí. Quando volta, se confessa impressionado com a imponência do rio que ajudou a poluir Finalmente, depois de conhecer tanta gente, receber desde declaraçoes de amor até veneno, o velho descansa em paz na foz, entre Itajaí e Navegantes. O encontro com o mar, porém, nao é fim. É recomeço. Em breve, o Sol levará o rio às nuvens, para, depois de fazer pontaria, voltar novamente ao leito. Por favor, diria se falasse, me tratem melhor a cada volta

 

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