col1.jpg (3520 bytes) col2.jpg (2808 bytes) col-especiais.jpg (4486 bytes)

Itajaí-Açu
fio.jpg (2836 bytes)

Cascatas de mentira, poluição de verdade


a001.jpg (61470 bytes)

A intervençao humana no Rio Itajaí-Açu nao apenas degrada, mas também engana. Até o despejo puro e simples de esgoto é capaz de produzir uma bela queda d'água. A aparência só nao consegue esconder o mau cheiro e o prejuízo ao meio ambiente


Nem tudo que reluz é limpo, mesmo que seja lindo, no Itajaí-Açu. Em alguns momentos parece ao observador que desce o rio ser mais fácil à humanidade imitar a natureza que preservá-la. Sao comuns, de Rio do Sul à foz, cascatas que sugerem a forma como deveria ser o encontro dos afluentes com a maior
bacia hidrográfica do Estado. Pena que sao artificiais - e até podres. Os detalhes, alguns sutis, outros gritantes, fazem a diferença entre o real e o imaginário. Cascatas de ribeiroes intocáveis, como as encontradas nas nascentes, sao tao raras no caminho ao mar quanto consciência ecológica. Em alguns casos, a ignorância, por pura falta de informaçao, causa danos. Em Apiúna e Gaspar, pelo menos duas empresas despejam água colorida diretamente no rio.
Em Apiúna, o primeiro indício de que a vida nao segue seu curso normal é o cheiro, quase insuportável, de algo cáustico ao ponto de irritar as narinas, encher os olhos d'água e a imaginaçao de perguntas. De onde viria tao horrível odor, pergunta o agricultor Arno Woehl, 62 anos. Morando desde que nasceu às margens do Itajaí-Açu, onde hoje os Correios entregam correspondência no remetente cujo endereço é km 98 da BR-470, há sete anos ele se incomoda com o cheiro que associa com morte. O próprio Arno se mostrou surpreso ao descobrir que, a poucos metros da casa onde mora com a família, ainda às margens do Itajaí-Açu, a empresa Startêxtil despeja um efluente (resultado líquido de algum processo industrial) negro no Itajaí-Açu.
Para o aposentado Antonio Luis, 65, o mesmo cheiro já nao desperta a ânsia que tira o sono de Arno Woehl. Em Gaspar, a empresa nao é a mesma. Agora se chama Tinturaria Chantelle. Além do endereço, mudou também a cor do efluente jogado no rio. Em Apiúna, era de um negro que imita os olhos sem brilho das carcaças podres encontradas ao longo do rio. Na paisagem que passa ao alcance dos olhos na varanda de Antonio Luis sao de um azul anil artificial. "Sempre foi assim. Antes eram de outras cores e empresas mais ao longe. Hoje elas estao mais perto. Mas sempre houve esse caldo escorrendo pelo rio. Cansei de ouvir falar que isso ou aquilo, principalmente a fiscalizaçao, iria mudar alguma coisa. Adoro tanto o lugar que finjo nao ver ou sentir esses detalhes. Faço de conta que as cores fazem parte da paisagem. Só assim continuo amando esse rio", diz, como poeta, Antonio.
Os odores e os líquidos de diferentes tonalidades expelidos pelas duas tinturarias porém estao dentro da lei. As empresas têm amparo legal para despejar temporariamente os efluentes coloridos direto no rio. Ambas conseguiram licença específica da Fundaçao de Amparo e Tecnologia ao Meio Ambiente (Fatma) para fazer o despejo enquanto executam obras no parque industrial.

Incoerências

As cascatas, mentiras, estao por toda parte. De Blumenau, do Bairro Ponta Aguda, até Itajaí, os pedidos de que as balsas extratoras de areia respeitem o limite de 20 metros das margens estao em placas solitárias, anônimas. Sem identidade, também sao as máquinas que ultrapassam o limite às dezenas. Em dinheiro, retiram do fundo do rio milhares. Das margens, respeitam apenas centímetros. As dragas, fonte de riqueza para tantos, criam também belas imagens em forma de cascatas de areia.
Sao também as máquinas que alimentam o imaginário do operador de balsas Amilton Theis, 56. Hoje com três filhos, e o mesmo número de netos, ele imagina ter construído um belo legado aos seus descendentes. Pelo que aprende há mais de 40 anos, ele hoje acredita que a extraçao de areia é, ao contrário do que dao por certo os cientistas, uma atividade salutar ao rio.
Na convicçao de Amilton, quanto mais material for retirado do fundo do rio, mais água cabe ali. "Assim estou ajudando a diminuir a possibilidade de outra enchente com as proporções daquela de 1983. Não quero que meus filhos, nem os filhos deles, passem por aquele drama todo que eu passei. Estou fazendo a minha parte", acredita. Tanto que, independente de ser sábado ou domingo, feriado ou dia santo, Amilton está sempre trabalhando pelo bem da empresa que o ajudou a construir a casa onde mora hoje.
O agricultor Arno Woehl já nao tem tantas convicçoes. É um homem cercado de dúvidas. A mais fustigante delas é quanto aos órgaos que fiscalizam o meio ambiente, como Polícia Ambiental e Ibama. Ambos já estiveram em sua propriedade. Em duas oportunidades ameaçaram multá-lo, como manda a legislaçao, por derrubar algumas árvores no pequeno pasto onde cria gado e retirar pedras do rio. "Se eles sao tao eficientes a ponto de perceber um pobre colono, como nao conseguem enxergar tanto veneno que escorre pelo Itajaí-Açu?", pergunta.
Mas nem tudo passa despercebido aos olhos da fiscalizaçao. Em Blumenau, na localidade de Encano, fiscais do Ibama aplicaram tantas multas em uma serralheria que obrigaram o dono a abandonar o ofício. Horst Fischer, 65 anos, trabalhou a vida inteira na oficina de cortar madeira criada pelo pai. Todas as serras e máquinas eram movidas pelas águas do Ribeirao Encano, um dos afluentes do Rio Itajaí-Açu.Hoje, fechada depois de quase 100 anos de funcionamento, a serralheria mais parece um museu abandonado.
Horst revela que cortava madeira para os colonos que vivem na localidade. "Eram pessoas que derrubavam uma ou outra árvore para ampliar a casa, fazer pequenos reparos, coisas assim. Mas, como os fiscais encontravam as árvores aqui, me multavam. Nao fazia mais sentido continuar funcionando, e resolvemos fechar. Quem sabe, algum dia, se tivermos algum apoio ou financiamento, possamos transformar a serralheria em museu", sonha.
Não são apenas máquinas que produzem cascatas de mentiras. Em Blumenau, onde o índice da qualidade das águas é monitorado mensalmente, o Ribeirao Fortaleza, no bairro do mesmo nome, detém um triste recorde. É o mais poluído da cidade, chegando a ter 10 vezes mais coliformes fecais que o máximo previsto pela Organizaçao Mundial de Saúde (OMS). Os responsáveis, porém, sao de carne e osso, pessoas que despejam seus próprios dejetos no rio.
Em outros ribeiroes, como nos bairros da Velha e Garcia, a poluiçao humana também é alta, bem acima dos níveis suportáveis. Neles, e em outros afluentes do Itajaí-Açu, a presença de água colorida é constante, fedorenta e desafia quem quiser fiscalizar a encontrar a origem da degradação.

d002.jpg (51193 bytes) a011.jpg (80932 bytes)
DIÁRIO DE VIAGEM
O repórter fotográfico Gilmar de Souza sentiu na pele os efeitos do efluente despejado no Itajaí-Açu por uma empresa em Apiúna. Ele literalmente afundou no lamaçal encontrado em abundância no rastro que, antes de chegar à água, já mata a vegetaçao. A sujeira que impregnou os pés, porém, incomodou muito menos que o forte cheiro de soda cáustica
O operador de balsa Amilton Theis, 56, tira areia do rio, em Ilhota, e acha que previne o Vale de enchentes.

d003.jpg (53337 bytes) d005.jpg (36337 bytes) d006.jpg (31670 bytes) d007.jpg (59570 bytes)
A catinga do esgoto que corre do Centro de Blumenau para o rio beira o insuportável. Ainda assim, nao faltam pescadores dispostos a fisgar o peixe que se aproxima do imenso córrego para se alimentar dos dejetos humanos Em Gaspar, o azul que tinge o rio só é belo na tonalidade. O encontro das águas com o caldo anil produz espuma de um branco gosmento até ser diluído pela correnteza A tinta negra despejada como efluente, em Apiúna, mancha o rio como doença, que se espalha e parece nao ter mais fim Em Blumenau, na localidade conhecida por Encano, Horst Fischer, 65, lamenta ver fechada a serralheria movida a água de um dos afluentes do Itajaí-Açu. A oficina funcionou por quase 100 anos

d008.jpg (41181 bytes)

d009.jpg (58817 bytes)

d010.jpg (9949 bytes)

À distância, algumas quedas d'água até aparentam beleza. Em Blumenau, o esgoto produzido pelos moradores do Bairro Ponta Aguda cai com boa aparência, mas péssimo cheiro e tao poluente quanto qualquer outro dejeto A água negra despejada no Itajaí-Açu, em Apiúna, já mata antes de chegar ao rio. Toda a vegetaçao por onde passa o córrego está morta. A corredeira artificial deixa um rastro de lodo por onde passa As balsas que retiram areia do fundo do rio proprocionam quedas de água que se movem entre as margens. Em algumas cidades, como em Ilhota, junta gente pra ver a cena

 

 

menu_ante_off.jpg (3741 bytes) menu_topo_off.jpg (3964 bytes) menu_santa_of.jpg (4008 bytes) menu_prox_off.jpg (3716 bytes)

 

Copyright © 1996-2000. Jornal de Santa Catarina.