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Itajaí-Açu
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Um gigante que brota em gotas


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Da água cristalina que surge da terra em três nascentes, até o encontro com o mar, a maior bacia hidrográfica do Estado percorre centenas de quilômetros colecionando histórias de pessoas anônimas. Além dos afluentes, o Rio Itajaí-Açu também é formado por suor, lágrimas e contrastes. E como em toda boa história, tudo começa em lugares encantados


Aos 44 anos, Nauri Miranda morre de saudade da infância, quando caçava borboletas para sobreviver. Nas andanças à procura de espécies como a Azul Gigante ou a 88, ele se tornou um dos maiores conhecedores da regiao do Alto Rio Azul, em Rio do Campo, onde mora até hoje. É justamente lá, na Serra do Morro Alto, divisa com Papanduva, que se encontram duas nascentes do Rio Itajaí-Açu. A natureza, mae zelosa, a exemplo do que faz com a terceira nascente, em Alfredo Wagner, esconde as fontes com a mesma maestria com que as transforma na maior bacia hidrográfica de Santa Catarina, com uma área de 15 mil quilômetros quadrados envolvendo 47 municípios. A dificuldade para chegar em cada uma das fontes, porém, é recompensada pela paisagem exuberante e pelo mais saboroso dos goles d'água que um ser humano pode imaginar.
A localidade onde se escondem as duas nascentes é povoada também por histórias antigas, quase lendas. Algumas Miranda aprendeu com a mae, Lídia Tool, 76 anos. Hoje viúva, ela e o marido foram os desbravadores da regiao. Orgulhoso, Miranda conta que os pais chegaram de Ituporanga carregando tudo que tinham em um carro de boi. Até encontrarem o local ideal para viver, eles passaram meses em acampamentos solitários, encontrando abrigo em barracas improvisadas e comida na caça abundante da época. Cada palmo caminhado era aberto pela lâmina do facao.

Lendas

Das histórias que mais gosta de contar, Miranda prefere duas. Uma é sobre um boi chamado Encaroçado. O animal, segundo o caçador de borboletas, fugiu ainda bezerro para o mato, e se criou sozinho. Já adulto, o bicho era tao bravo que ninguém conseguia prendê-lo. Depois de várias tocaias frustadas e perseguidores feridos, Encaroçado só teria sido morto por acaso, após cruzar com um grupo de caçadores.
Em outra história, Miranda parece querer ter um pouco das características do protagonista. Segundo ele, um dos mais famosos caçadores da regiao ganhou o apelido de Manoel Facao, depois de matar o que eles chamam de leao (na verdade um puma). Diz a lenda que Manoel encontrou o animal numa noite clara, há muito e muito tempo. Sem arma de fogo, o caçador teria matado o puma a golpes de facao.
Criado na roça, Miranda vê com ironia o fato de as únicas estradas existentes na Serra do Morro Alto terem sido abertas para retirada de madeira, atividade responsável em grande parte pelo assoreamento dos rios. Uma delas, inclusive, por muito pouco nao enterra a mais pitoresca das três fontes que formam o Rio Itajaí-Açu, que, em Papanduva, nasce com o sugestivo nome de Rio Bonito. No alto da serra, da ponta de um estalactite, a nascente brota em gotas.

Sede

O caçador de borboletas aprendeu que a retirada desordenada de árvores prejudica todo o meio ambiente, mas nao consegue entender como o velho Itajaí-Açu, daquele tamanho todo, pode nascer uma gota de cada vez. Poucos metros abaixo, já em Rio do Campo, Miranda mata a sede da mesma forma que fazia quando adolescente. Enche as maos em concha e traz à boca um pouco d'água que acabou de brotar da rocha e passou a se chamar Ribeirao Verde, a segunda nascente do Rio Itajaí-Açu.
Apesar da proximidade das duas nascentes, ambas a mais de 700 metros de altura, elas seguem caminhos distintos até se reencontrarem. O Rio Bonito logo passa a se chamar Rio Azul, após misturar-se com outras águas. Quando se encontra com o Ribeirao Verde, o que antes eram apenas duas nascentes se transforma no Rio Itajaí do Oeste.

Esperança

Na outra ponta da história, e do Estado, está a terceira nascente, localizada em Alfredo Wagner e tao escondida e cercada de encantos como as outras duas. Ali mora outro caçador. Nao de borboletas, mas de esperanças. Apesar das dificuldades em que vive, Volnei Schaeffer, 22, quer continuar a  tradiçao camponesa da família, porém  teme que a vida dos colonos fique ainda pior. "A cada ano trabalhamos ainda mais na roça, em troca de um rendimento cada vez menor", lamenta.
Para aumentar os ganhos, a família Schaeffer comprou pouco mais de 100 hectares de terra ao pé da Serra do Campo dos Padres, interior do município, para criar gado. A necessidade de água para os animais fez o patriarca da família, Sebon Schaeffer, escolher uma propriedade cortada por um ribeirao. Volnei ficou surpreso ao saber ser herdeiro da fazenda que abriga uma das nascentes do Rio Itajaí-Açu.
A propriedade fica na localidade de Campo dos Padres, 30 quilômetros afastada da regiao onde mora a família Schaeffer. O caminho só pode ser vencido a pé ou por veículos com traçao nas quatro rodas. A chegada justifica o esforço. O cenário parece ter sido esculpido à mao antes de ser escondido da degradaçao humana.
A regiao é cercada por uma formaçao montanhosa, com um canyon tao fundo que nao se vê o chao. Nas bordas do paredao de pedra, duas araucárias desafiam a lei da gravidade. As árvores conseguiram crescer verticalmente, de cabeça para baixo, com as raízes encravadas na rocha.
A água que brota da terra, descendo a serra, passa a se chamar Rio Lageado. Mas à frente, a nascente já se chama Rio Santo Anjo, para, em seguida, se tornar Rio Caeté. No Centro de Alfredo Wagner, o encontro do Caeté com os rios Adaga e Aguas Frias dá origem ao Rio Itajaí do Sul.
O Rio Itajaí do Oeste, nascido em Rio do Campo, se une ao Rio Itajaí do Sul, de Alfredo Wagner. O encontro se dá em Rio do Sul, onde nasce o Itajaí-Açu. Mas à frente, em Ibirama, o Rio Itajaí do Norte, ou Hercílio, nascido em Papanduva, engorda a maior bacia hidrográfica do Estado. Mas isso já é outra história.

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DIÁRIO DE VIAGEM
Encontrar as nascentes do Rio Itajaí-Açu exigiu quase 40 quilômetros de aminhada. Mas valeu a pena. Na localidade de Campo dos Padres, em Alfredo Wagner, por exemplo, todo o cansaço foi recompensado por um almoço especial. Com ajuda do fotógrafo Gilmar de Souza (E) e do repórter Fiu Saldanha (D), Vonei Schaeffer, herdeiro das terras onde está uma das nascentes, preparou um manjar em panelas de ferro, fogao à lenha e muita fome. A casa onde o almoço foi servido, na verdade um barraco construído com tábuas cortadas por motosserras, é to antiga quanto as tantas histórias que encantam a localidade
Uma das três fontes se escondem em Aldredo Wagner, entre formações montanhosas altas ao ponto de dar a impressão de tocar o céu

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A 700 metros de altura, já em Rio do Campo, a nascente brota de uma parede de pedras, escondida em meio à mata exuberante. Surge ali o Ribeirao Verde Em Alfredo Wagner, a fonte tem ares sagrados, brotando da terra na
localidade de Campo dos Padres. Desce a montanha escondida para formar a maior bacia hidrográfica do Estado
Nauri Miranda, o caçador de borboletas, mostra onde o Ribeirao Verde se encontra com o Rio Azul. O Itajaí-Açu começa a tomar forma e tamanho. Até entao, as águas sao cristalinas. Nauri nem imagina o quanto a paisagem se transforma no caminho até a foz Em Papanduva, no alto da serra, o Itajaí-Açu nasce uma gota de cada vez. Pitoresca, a fonte só poderia mesmo dar origem a um rio chamado Bonito

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Volnei Schaeffer nem imaginava que iria herdar as terras que escondem uma das nascentes do Itajaí-Açu. De uma simplicidade cativante, o agricultor nao mede esforços para agradar quem considera amigo. Na cozinha, ele parece saber que o melhor alimento é aquele consumido quando se tem fome Ir embora da regiao onde nasce o rio é dizer adeus para cenas tao inusitadas
como o comboio de gado puxado a tobatas. As histórias de Nauri Miranda e Volnei Schaeffer também ficam para trás, deixam saudades. Depois de sair
da terra, a independência das águas nao espera por ninguém
A transparência das nascentes consegue
até enganar o olho humano. Mesmo
submersas, mao e folha nem parecem
estar envoltas pela água. O gosto, ou
ausência dele, também surpreende Nao
há cheiro, nao há nada, além de sede
morrendo
A natureza, intocada, embriaga. Sugere
imagens que só existem para o espectador. Transforma pedra em cobra,
folha em olho, contemplaçao em delírio.
Se existisse mesmo, o réptil nao poderia escolher melhor fonte

 

 

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