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Itapema FM  | 05/11/2015 17h57min

Exposição da 10ª Bienal do Mercosul no Margs destaca os modernismos na América Latina

Abrangência do projeto moderno nos países latinos esbarra na maior presença da arte brasileira e mexicana, mas mostra revela diálogos entre as vanguardas construtivistas e as manifestações do abstracionismo geométrico nas Américas

Francisco Dalcol  |  francisco.dalcol@zerohora.com.br

Muito já se disse que a arte contemporânea é de difícil acesso, exigente com o espectador e cifrada em seus significados. E também há muito já se sabe que não existem condições inatas que garantam o interesse pela arte. Ninguém nasce conhecendo e gostando, é necessário algum tipo de disposição e envolvimento. O olhar precisa ser submetido a um longevo treinamento, formando-se um pouco a cada dia, no contato com a arte e com a vida. E, quanto mais vemos e conhecemos, mais aprendemos e sabemos.

Por isso, a importância assumida pelas exposições históricas ao longo dos 18 anos da Bienal do Mercosul. Com maior ou menor ênfase, esse segmento, voltado ao que podemos chamar de arte do passado, sempre ganhou espaço nos projetos curatoriais. Se as edições são marcadas por exposições estritamente de arte contemporânea, os núcleos históricos costumam oferecer portas de entrada para o público, uma espécie de primeiro convite e orientação inicial. A validade dessas mostras históricas sempre alimenta debates. Alguns acham que uma bienal deve exibir o que há de mais novo em arte, propondo novas situações e experiências, cabendo aos museus e a outras instituições culturais a função de historicizar.

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Ocorre que, em um contexto institucional longe das condições ideais como é o nosso aqui no Rio Grande do Sul, em que museus públicos lidam com restrições orçamentárias, precariedade de infraestrutura e cujas lacunas em seus acervos dificultam a tarefa de mediar com abrangência uma História da Arte regional, nacional ou internacional, as mostras históricas da Bienal do Mercosul acabam tendo o papel de contribuir para a formação de público.

Eis que esta 10ª edição não trouxe apenas um segmento histórico, apresentou-se ela mesma como uma grande mostra histórica. Reúne, ao longo de suas oito exposições em diferentes espaços de Porto Alegre, obras do século 18 até a atualidade, sem se organizar por divisões de época ou percursos cronológicos. Está tudo junto e misturado, numa disposição de trabalhos em que a curadoria busca estabelecer conexões.

Esse é um estilo de fazer exposições que o curador-chefe da 10ª Bienal do Mercosul, Gaudêncio Fidelis, deixou como marca em sua gestão à frente do Margs, entre 2011 e 2014. Foi quando fez diversas mostras que ambicionavam mobilizar o acervo do museu propondo as tais conexões no modo com que eram aproximadas e relacionadas obras distantes no espaço e no tempo.

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Por isso, percorrer a exposição Modernismo em Paralaxe no Margs, a mais extensa das oito mostras da Bienal do Mercosul, é também revisitar o espaço onde se realizou uma espécie de ensaio e laboratório para o que se propõe nesta edição. Não só porque reaparecem ali certas obras canônicas que constantemente ganhavam as paredes nas mostras daquele período no Margs – como é o caso das pinturas de João Fahrion e Pedro Weingärtner –, mas também pela grande quantidade de trabalhos aparentemente díspares que são colocados em diálogos amparados pelo discurso curatorial.

Modernismo em Paralaxe parte de uma premissa interessante: tratar dos diferentes contextos e épocas em que o modernismo artístico se desenvolveu nos países da América Latina. É uma abordagem importante, pois busca desconstruir a noção de que o modernismo foi um movimento internacional coeso e organizado. Entretanto, trata-se de uma questão de teoria, crítica e História da Arte que talvez pouco diga ao público não especializado. Enquanto defesa de uma tese, a mostra se enfraquece pelo fato de não alcançar a amplitude da manifestação do projeto moderno nos países latinos – a maioria dos trabalhos expostos são de artistas do Brasil e do México.

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Foto Omar Freitas

Mas há um foco que revela potentes diálogos, com a reunião das diferentes vanguardas construtivistas e das diversas manifestações do abstracionismo geométrico nas Américas. Ou seja, um momento seminal da arte latino-americana. O Brasil está representado por nomes fundamentais desse período, como Amilcar de Castro, Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Mira Schendel, Sérgio Camargo, Waldemar Cordeiro e Willys de Castro. Torna-se revelador identificar paralelos dessa produção não só com artistas de outros países latinos, mas de outras regiões do Brasil, como os trabalhos de André Petry e Carlos Asp, dois dos gaúchos inclusos na mostra.

De Oiticica, são apresentados seus revolucionários Parangolés (acima). Mistura de capa, túnica e estandarte a ser trajado pelas pessoas em uma situação de música e dança na rua, eliminando a distância entre artista e observador, entre arte e vida, a "antiobra", nas palavras de Oiticica, buscava a "incorporação do corpo na obra e da obra no corpo". Mas, ao ser levada para dentro do museu hoje, acaba tendo sua ousadia reprimida: os Parangolés estão pendurados na parede do Margs, com uma faixa branca no chão bloqueando a aproximação do público.


Foto Omar Freitas

Da primeira geração do modernismo brasileiro, a exposição oferece ao público a chance de ver Tarsila do Amaral, com a pintura A Negra (acima). Outra oportunidade é a reunião de nomes que ajudaram a projetar internacionalmente a arte latino-americana, como o argentino Lucio Fontana, com seus experimentos sobre a espacialidade da pintura, e os venezuelanos Carlos Cruz-Diez e Jesús Rafael Soto, com sua arte cinética. Esse campo cinético em flerte com a abstração geométrica é bem explorado na Sala Negra do Margs, onde são mostradas obras de efeito ótico do uruguaio Diego Masi (abaixo) e projetado um trabalho composto por slides do mexicano Francisco Ugarte.


Foto Omar Freitas

Por fim, um comentário sobre o porco empalhado dentro de grades de madeira com o qual o visitante certamente irá deparar no térreo do Margs (abaixo). Trata-se de um trabalho histórico de Nelson Leirner, que polemizou o 4° Salão de Arte Moderna de Brasília, em 1967, questionando os critérios do que pode ser arte ao inscrever uma obra que consistia em um porco empalhado enjaulado com um presunto pendurado no pescoço.

Lembrança que não é de hoje que a arte questiona e se questiona a si mesma. E que atos radicais do passado, ao fim, perdem sua potência ao serem mumificados como item de museu.


Foto Omar Freitas

Visite

A 10ª Bienal do Mercosul começou no último sábado e segue até 6 de dezembro, com entrada gratuita. As exposições são apresentadas na Usina do Gasômetro, Margs, Memorial do RS (todos de terça a domingo, das 9h às 19h), Santander Cultural (terça a sábado, das 9h às 19h, e domingo, das 13h às 19h) e no Instituto Ling (segunda a sexta, das 10h30 às 22h, domingo, das 10h30 às 20h).

 

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Omar Freitas / Agencia RBS

No Margs, é apresentada a mostra "Modernismo em Paralaxe"
Foto:  Omar Freitas  /  Agencia RBS


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