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Itapema FM  | 29/01/2015 10h01min

Thiago Momm comenta o crescimento do mercado de livros no Brasil

Para colunista, há muito trabalho pela frente, principalmente em e-books e traduções

Atualizada às 10h26min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

Pendências

Apesar do temido exu da distração digital, nos últimos 20 anos o mercado de livros brasileiro cresceu com o país. Em 1992 foram publicados 22,5 mil títulos. Em 2012, 57,5 mil. O faturamento com as vendas passou de R$ 902 milhões para R$ 5 bilhões.

Há muito trabalho pela frente, em todo caso. Não só no segmento óbvio dos livros eletrônicos. Também na literatura, por exemplo nas traduções. Um caso significativo é o das várias passagens diretas do russo para o português em anos recentes pela Editora 34. A Nova Antologia do Conto Russo (2012) foi a primeira toda traduzida da língua sem intermediários e oferece dezenas de contos inéditos no Brasil.

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Antes as traduções eram quase sempre do russo para o francês ou inglês e só então para o português, com as previsíveis perdas de telefone sem fio. Além disso, havia um formalismo deprimente. Li Ana Karênina, de "Leão Tolstói", na versão de 1971 da editora Abril. Como o romance é de 1873, o tradutor carregou no português novecentista para evocar o feeling original. No fim ele nos faz sentir no passado, mas nem sempre na Rússia.

Às vezes, com sorte, houve um problema na interpretação anterior que não reverberou na nossa. No artigo The Translation Wars (em português, parte da coletânea O Rei da Floresta; em inglês, online grátis em http://migre.me/ijyva), um especialista conta a David Remnick, editor da New Yorker, que a antiga tradução do romance de Tolstói para o inglês tinha ambiguidades infames. Lemos frases como "did you come recently?", aberta às interpretações vir e gozar. Em português, as ambiguidades safadas não se repetiram.

Mesmo a literatura espanhola tem ótimos livros com tradução pendente para o português. Na Espanha descobri a barcelonesa Esther Tusquets, famosa como editora e autora. El Mismo Mar de Todos los Veranos (1978) mostra a flutuação da narradora entre diversos papéis: o de filha desprezada pela mãe elitista; de esposa do marido de longas ausências; de ela mesma como mãe desapegada, de professora de Literatura, de mulher de meia-idade com as primeiras experiências lésbicas, de burguesa catalã. O que ela quer, porém, é "encontrar a si mesma naquela menina [que foi], que, ainda que triste e solitária, sim existia, anterior à falsificação e à fraude de todos os papéis atribuídos e assumidos".

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O lirismo impressiona. À parte alguns excessos duvidosos, lembra Juan Rulfo, García Márquez. Tem a linda metáfora da narradora buscando "pátios de sombras" como reflexo da sua personalidade. Tem a resistência à mãe, que insiste em querer mudar a casa e ela, narradora: "(...) [você] jamais pode com nós, a casa e eu, mudas, passivas, escuras, povoadas de sombras doentes, de salubres umidades recônditas, de terníssimos segredos subterrâneos, de prazeres dionisíacos proibidos".

E muito mais. É incrível como o livro mantém o leitor no fundo do oceano das sensibilidades femininas. Editoras brasileiras, façam algo. Do contrário, ameaço continuar traduzindo Tusquets eu mesmo.

ANEXO
François Vizzavona / Reprodução MN. Paris,agência fotográfica RMN,acervo Druet-Vizzavona

Traduções de livros de Tolstói eram feitas a partir de versões em inglês ou francês
Foto:  François Vizzavona  /  Reprodução MN. Paris,agência fotográfica RMN,acervo Druet-Vizzavona


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