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Itapema FM  | 31/10/2014 18h16min

Bob Dylan lança "The Basement Tapes Complete" com as históricas músicas gravadas em um porão em 1967

Cantor abre baú e finalmente lança pela "Bootleg Series" as mais de cem canções que registrou com o The Band em uma casa de campo. É um dos momentos mais lendários de sua trajetória artística

Francisco Dalcol  |  francisco.dalcol@zerohora.com.br

Em 1961, quando Bob Dylan apareceu em Nova York, aos 19 anos, para logo mudar definitivamente os rumos da música, ele inventou uma historinha para conferir certo charme rebelde a sua chegada: era órfão, não sabia o paradeiro dos pais e tinha viajado como clandestino em trens de carga. Romantizando sua origem, o cantor começava a forjar uma mitologia que faria dele um dos personagens mais enigmáticos da cultura pop, objeto de fascínio para os fãs.

Se Dylan ainda não abriu tudo o que se espera sobre sua vida, o mesmo não se pode falar da obra. Ele deixou tantas gravações fora dos álbuns oficiais que, em 1991, criou a coleção The Bootleg Series ("a série pirata") só para reunir estas raridades. Já lançou 10 discos com canções perdidas e versões desconhecidas. Mas, nesses 23 anos, ainda não havia tirado do baú uma preciosidade muito bem guardada até agora. Na próxima terça (4/11), lança o 11º Bootleg, reunindo mais de cem músicas de uma das mais lendárias gravações da história do rock.

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The Basement Tapes Complete
traz em seis CDs as gravações que Dylan realizou entre junho e outubro de 1967 no porão de uma casa de campo no norte de Nova York. Junto a ele, estava o grupo que o acompanhava e depois ficaria conhecido como The Band. Das músicas que eles registraram nessas sessões, algumas ficaram conhecidas em 1975, com o lançamento de The Basement Tapes ("as gravações do porão"). Contudo, esse álbum (abaixo, a capa dupla) nunca deixou de despertar críticas entre especialistas e ouvintes mais dedicados.

 Reprodução

O escritor Eduardo Bueno, o Peninha, reconhecido por ser um dylanólogo, conta mais:
– Como o Dylan foi descuidado nessa edição, os fãs querem matar o Robbie Robertson (integrante do The Band) porque ele deixou fora duas músicas inacreditáveis, I'm Not There e Sign on the Cross, e porque colocou algumas do The Band que não são da mesma época. Essa remasterização que o Robertson fez em 1975 é uma canalhice, mostra algo que é falso, não é verdadeiro.

Daí a expectativa pelas versões definitivas que chegarão agora como ponto alto da Bootleg Series. No seu site, Dylan diz que as 138 músicas passaram por um processo meticuloso de restauração. Pelo menos 30 delas não são conhecidas nem mesmo pelos fãs mais fanáticos.

Algumas das diversas fases de Dylan contadas pelo visual e pelas músicas
 

Muitas lendas e mistérios envolvem as sessões de Basement Tapes, por isso a sedução que elas exercem. Em 1966, aos 25 anos, Dylan já era o cara. Tinha lançado quatro LPs que redefiniram a canção de protesto e fizeram dele o prodígio do folk. Mas não era o bastante. Influenciado pela contracultura dos anos 1960, Dylan resolveu radicalizar sua música ao eletrificá-la com blues e rock. Foi um escândalo, e também uma manobra. Ele passou a ser xingado de traidor e chamado de Judas pelos mais puristas, mas amplificou sua mensagem atingindo novos públicos além do restrito circuito universitário e intelectual.

 
Reprodução

Essa virada aconteceu com uma trinca de discos que está entre as sequências mais inspiradas da história do rock: Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965, acima) e Blonde on Blonde (1966). Ao dar poesia e consciência à música jovem, Dylan redefinia o pop como coisa de adulto. Uma amostra dessa fase é retratada em dois documentários: Don't Look Back (1967), de D.A. Pennebaker, e No Direction Home (2005), de Martin Scorsese.

 
Reprodução

E o que fez Dylan no auge da fama? Foi morar com sua jovem família em uma fazenda, no norte de Nova York. Há diferentes versões sobre os motivos. O certo é que ele estava desgastado por dois anos seguidos de shows, na famosa turnê híbrida em que, na primeira parte, aparecia cantando e tocando sozinho ao violão e, na segunda, pegava a guitarra e ganhava reforço de uma banda. O público ficou chocado com a eletricidade do novo som, e as vaias, que começaram a ser rotineiras, eram respondidas com um Dylan ao microfone destilando desdém e desprezo pelo conservadorismo do público.

 
Elliott Landy, Divulgação

Em junho de 1966, um acidente de moto na casa de campo onde Dylan vivia em família adiou seu retorno e o tirou de cena. Até hoje, não se sabe a gravidade nem as exatas circunstâncias. Surgiram até teorias conspiratórias. Algumas diziam que ele havia enlouquecido, outras que a CIA teria sabotado os freios da sua motocicleta Triumph 500. Dylan ficou ainda mais recluso e cancelou todos os compromissos dos meses seguintes. Em 1967, mesmo recuperado, resolveu seguir com a vida pastoril e familiar. E, assim, reencontrou-se com os músicos canadenses de sua banda de apoio, que estavam morando na vizinhança, em West Saugerties.


John Byrne Cooke, Divulgação


Na casa que apelidaram de Big Pink, desceram ao porão e começaram a fazer jam sessions. Enquanto o verão do amor rolava lá fora com sexo, drogas e rock'n'roll, Dylan e sua turma embarcavam em uma viagem musical nostálgica, revisitando clássicos do cancioneiro dos EUA, de temas tradicionais a nomes como Clarence Williams, Johnny Cash, Hank Williams e Peter Seeger. Dylan também estava compondo material novo. Dividindo-se entre as vozes e os instrumentos, ele e o grupo registraram as sessões informalmente, capturando o clima de camaradagem e liberdade de estar fazendo som entre amigos.
– Enquanto todo mundo carregava flores e tomava LSD no verão do amor, os caras também estavam em 67, só que em 1867! – diverte-se Peninha. – E cantando sobre a guerra civil americana.


Johndan Johnson-Eilola, Divulgação

No meio de tudo isso, havia uma demanda comercial por Dylan. Seu empresário Albert Grossman cogitou lançar as gravações do porão, mas o músico se negou. Ainda assim, Grossman enviou algumas faixas a artistas e gente do meio, como forma de saberem que o cantor estava vivo e o que andava fazendo (abaixo, o The Band no porão, mas sem Dylan). O jornalista Jann Wenner, editor da Rolling Stone, foi um dos que ouviu o material e cravou na capa da revista: "O disco perdido de Dylan". No texto, ele lamentava o embargo comentando que "o conceito de um disco coeso está presente" e que "a fita do porão precisa ser lançada" porque "seria um clássico".

Elliott Landy, Divulgação


A temporada bucólica só acabaria ao final de 1967. Mas nada das Basement Tapes. Em vez disso, Dylan reapareceu com o lançamento de John Wesley Harding, disco que marcava seu retorno, agora dedicado ao country. No ano seguinte, quando ele lançava Nashville Skyline, o mercado da música foi impactado pela notícia de que circulava um disco pirata com algumas das gravações do porão. Era Great White Wonder, que logo apareceria em diversos países, em versões diferentes.

Basicamente, esse LP trazia, em um lado, faixas gravadas em um quarto de hotel em 1961. E, no outro, algumas das músicas registradas no porão. A gravadora não sabia como lidar e emitiu nota conclamando os fãs a não comprar. Era novidade um disco não oficial virar fenômeno de vendas.

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Foi assim que Great White Wonder se tornou o primeiro álbum pirata da história do rock. E mais: o primeiro pirata a ser incorporado por um artista do peso de Dylan em sua discografia oficial – em 1975, inesperadamente, ele lançou o álbum duplo The Basement Tapes. Sobre esse disco, que chegou às paradas de sucesso dos EUA e do Reino Unido, o jornal The New York Times disse na época: "é um dos maiores álbuns da história da música popular americana".

Agora, com o aguardado lançamento de The Basement Tapes Complete pela Bootleg Series, Dylan oferece uma recompensa e um acerto de contas esperado há 47 anos. Mas, pelo seu histórico de surpresas e imprevisibilidade, também gera certa apreensão entre os fãs.
– É como se o ciclo se completasse, de tal jeito que, embora se saiba que o baú do Dylan é interminável, ele parece estar encerrando o ciclo dos bootlegs. Mas tomara que não! – torce Peninha.

"The Basement Tapes" por Eduardo Bueno, o Peninha, escritor e fã-pesquisador de Bob Dylan:
Já pensei um milhão de vezes. Se tivesse que levar um único disco do Dylan para uma ilha deserta, seria o Basement Tapes. É o meu favorito. Saiu em 1975, mas não no Brasil. Eu tinha 17 anos, Dylan tinha mudado minha vida há pouco e pedi que comprassem pra mim nos EUA. E aí foi uma situação tipicamente dylaniana: eu tinha um lançamento de 75 que era, na verdade, de 67. O disco me causou um superestranhamento, foi muito misterioso pra mim, me pirou. No livro Invisible Republic, o Greil Marcus diz que, ao resgatar a história da música americana desde antes da guerra civil até aquele momento dos anos 1960, o Dylan construiu no porão de uma casa uma nova história musical para os EUA. Só que o disco era tão denso que o Dylan acabou dando um nó na cabeça das pessoas. E a influência do álbum não se concretizou porque era tão profundo e intenso que ninguém conseguiu dar continuidade.

The Basement Tapes Complete
Bob Dylan

Importado, à venda no site da Amazon. São 4 versões:
> Box de 6 CDs (138 faixas, US$ 130)
> CD duplo (38 faixas, US$ 20)
> 3 discos de vinil (38 faixas, US$ 70)
> MP3 (38 faixas, US$ 17)

 
Reprodução

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