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Itapema FM  | 30/10/2014 14h53min

De literatura e boates

Thiago Momm comenta sobre escritores que criticam boates em seus textos

Atualizada às 15h26min Thiago Momm  |  thiagomomm@gmail.com

No post mais recente do seu blog, no site da Companhia das Letras, o escritor Paulo Scott bateu nas boates. Na verdade, estava batendo no futebol e decidiu surrar os dois juntos: "Futebol é circo e também é boate (é o lúdico desesperado e é zorra total), uma ferramenta eficaz garantindo que um bando de gente consiga atravessar a semana e a derrocada psicológica que aguarda boa parte da humanidade nas tardes e nas noites de domingo".

Na palheta psicológica da semana, a depressão domingueira é realmente um clássico: mesmo nas melhores épocas da nossa vida ela continua lá, desinflando nossos sentimentos expansivos de sábado, readaptando-os à tacanharia iminente da segunda-feira de manhã.

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Mais questionável é a outra ideia, a de que o lúdico do futebol e da boate serve para esconder o desespero de passar a semana. Implícita nessa ideia está a de que as emoções intensas são artificiais, descartáveis, uma escolha burra dos que não têm a capacidade thoreauniana de se maravilhar com a tranquilidade.

Deixei um protesto do tipo lá no blog, mas impulsivo, desajeitado. Depois relativiza de lá, relativiza de cá e concordamos um tanto: Scott me disse até que já trabalhou como DJ e não queria cuspir no prato onde comeu.

Vários bons escritores, em todo caso, batem sem piedade nas baladas.

O francês Pascal Bruckner, por exemplo. Bruckner é um intelectual atípico: mundano, sangue quente. Ainda assim ele define, no seu livro-ensaio O Paradoxo Amoroso, os clubes noturnos como "templos da 'bolsa de corpos'", lugares de "veredictos instantâneos", "pouca cordialidade", "puro artifício", "adoração das coisas perecíveis", uma "feira de narcisismos" onde nos escolhemos como nos "departamentos de contratação de grandes empresas".

Em Infinite Jest, David Foster Wallace chama uma boate de "The Unexamined Life", A Vida Não Analisada. Em Barba Ensopada de Sangue, o protagonista de Daniel Galera entra em uma casa noturna surfista de Garopaba para logo se angustiar e sair. Em Eu Sou Charlotte Simmons, a protagonista se aflige com o ensardinhamento e a insanidade na pista. Wolfe, em todo caso, oferece uma cena prolongada, dando mais elementos para o julgamento do leitor..

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A experiência de uma noite merece abordagens menos pessoais, mais múltiplas. O hedonismo de uma geração contém infinitas nuances e histórias de potencial literário, podendo render dezenas de páginas. Foi o que provou o próprio Wolfe no mais antigo O Teste do Ácido do Refresco Elétrico (1968).

Os poréns listados por Bruckner fazem certo sentido, não sendo por acaso que tanta gente frequenta boates sem muita convicção e migra para bares ali pelos 25 anos. Mesmo assim, não é por autoengano coletivo que as casas noturnas têm tanto público. Elas são uma aposta arriscada que pode compensar generosamente. Muitas pessoas, e aí me incluo, viveram baladas que fazem a lista de Bruckner parecer ressentimento hiperbólico. Muitas vezes saímos da boate extremamente gratos, registrando confusos nossa alegria para o céu escuro. Falta à literatura também dar conta dessa gratidão.

ANEXO
Edon Kumasaka / Divulgação

"Uma ferramenta eficaz garantindo que um bando de gente consiga atravessar a semana e a derrocada psicológica que aguarda boa parte da humanidade nas tardes e nas noites de domingo", disse o escritor Paulo Scott em seu blog
Foto:  Edon Kumasaka  /  Divulgação


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