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Itapema FM  | 05/07/2010 09h02min

Nesta semana, completam-se 20 anos da morte de Cazuza e 30 da de Vinicius

Artistas são dois dos mais celebrados letristas da música brasileira

CARLOS ANDRÉ MOREIRA e LUÍS BISSIGO

Foram dois cariocas, boêmios, brilhantes, polêmicos, poetas. Nesta quarta-feira, completam-se 20 anos da morte de Cazuza – e, na sexta-feira, a perda de Vinicius de Moraes fecha exatas três décadas. Tempo insuficiente para apagar da memória os versos de dois dos principais letristas da canção nacional.

Ou seria exagerado dizer que quase todo brasileiro já parou ao menos alguns minutos imaginando o que seriam os tais “segredos de liquidificador” cantados por Cazuza em Codinome Beija-Flor? Cantarolou “Olha que coisa mais linda / Mais cheia de graça / É ela menina / Que vem e que passa”, lembrando a Garota de Ipanema de Vinicius e Tom Jobim, em uma tarde na praia? Ficou indignado a ponto de gritar “Brasil / Mostra tua cara / Quero ver quem paga /Pra gente ficar assim”, como fez Cazuza no disco Ideologia? Ou desejou “Passar uma tarde em Itapuã / Ao sol que arde em Itapuã / Ouvindo o mar de Itapuã / Falar de amor em Itapuã” ao som de Toquinho e Vinicius?

Essas e muitas outras canções fazem deles dois dos poetas mais populares do país. Cada um à sua maneira, é verdade. Vinicius, em seus 66 anos de vida, deixou dezenas de títulos, entre livros e discos, além de tomar parte em pelo menos uma revolução da cultura brasileira – o nascimento da bossa nova, o gênero que projetou definitivamente o Brasil no cenário musical mundial. Cazuza partiu aos 32 anos, vítima de Aids, mas teve tempo de fazer muito barulho, primeiro como cantor de banda de rock – num momento em que o gênero conquistou corações e mentes Brasil afora – e depois como compositor afeito à MPB.

Os dois artistas tiveram em comum o gosto pela boemia, pela vida desregrada, pelas paixões incontroláveis. Mas é arriscado tentar compará-los como artistas – tanto em termos absolutos como relativos. Para o crítico e pesquisador musical Zuza Homem de Mello, Cazuza teve o mérito de “retratar um aspecto muito vivo da época em que viveu”, algo que, no entanto, não lhe garantiria um papel mais transcendente como letrista – o que Vinicius, segundo ele, tem de sobra.

– Grandes obras se caracterizam por não se situarem em determinada época. É nisso que vejo o valor da obra de Vinicius como superior – diz Zuza, por telefone. – Vinicius é transcendental, Cazuza fica circunscrito a um determinado período.

Zuza ressalta ainda o papel decisivo de Vinicius como um dos principais pilares artísticos da bossa nova – aspecto que o professor de literatura Luís Augusto Fischer também destaca ao traçar um paralelo entre os dois artistas.

– Algum parentesco poderemos encontrar entre Vinicius e Cazuza, se a gente pensar no roqueiro-baladeiro carioca como ponto de referência da canção brasileira dos anos 1980 na qualidade de um magnífico letrista lírico, tanto como Vinícius fora antes, para a geração anterior – pondera Fischer, por e-mail. – A comparação fica prejudicada em parte porque o que Vinicius ajudou a fazer entrou para a corrente sanguínea da cultura brasileira, a ponto de podermos reconhecer, sem dificuldade, que ele influenciou Cazuza, que especialmente nos últimos anos também fez bossa nova.

No mínimo, foram dois dos brasileiros que melhor souberam cantar o amor demais.

Um tradutor da malandragem

Personagem do renascimento do rock brasileiro, letrista respeitado pelos fãs da canção popular, ídolo que assumiu publicamente ser portador de uma doença-tabu. Esse cara foi Cazuza, artista sempre lembrado por sua obra no pop brasileiro – e também por sua postura pessoal fora de palcos e estúdios.

Agenor de Miranda Araújo Neto já nasceu com apelido, graças à ascendência nordestina do pai, João Araújo – o termo “cazuza” era sinônimo de “moleque”, no vocabulário do Nordeste. A alcunha se revelou certeira já na adolescência, quando o garoto se mostrava bem mais interessado na vida noturna do Baixo Leblon do que nos estudos. Entre baladas, drogas, mulheres e eventuais encrencas com a polícia, Cazuza decidiu tentar a carreira musical, curiosamente, a partir de uma experiência no teatro – em um papel na peça Paraquedas do Coração, ele tinha de cantar em cena, o que o encorajou a virar vocalista.

Quando o Barão Vermelho – já com Cazuza como cantor e letrista – lançou seu primeiro disco, em 1982, o rock ainda não era um estilo muito popular no Brasil. Depois do deslumbre da Jovem Guarda nos anos 1960, as guitarras haviam ficado relegadas ao circuito underground na década seguinte. O Barão – ao lado de Paralamas do Sucesso, Blitz, Kid Abelha e Lulu Santos – teve a oportunidade de virar esse jogo ao participar da programação do Rock In Rio, em janeiro de 1985, dividindo o palco com estrelas como Queen, Iron Maiden e AC/DC. Deu certo: o rock virou fenômeno de massa no país, e a banda foi um dos símbolos dessa nova era. A imagem que ficou foi a de Cazuza cantando Pro Dia Nascer Feliz na Cidade do Rock no mesmo 15 de janeiro em que Tancredo Neves foi eleito para governar o país, encerrando o regime militar.

Consta que João Araújo – presidente da gravadora Som Livre nos anos 1980 – relutou antes de decidir contratar a banda do filho, temendo eventuais acusações de nepotismo. Na verdade, a principal ajuda paterna já havia sido oferecida em casa: graças ao trabalho do pai, Cazuza conviveu desde cedo com artistas como Caetano, Elis, Gal e João Gilberto e ouviu muito Cartola, Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues. Essa parte brasileira na formação do poeta viria a se tornar mais evidente na trajetória solo, iniciada com o disco Cazuza, ainda em 1985, e bem resumida no disco ao vivo O Tempo Não Para, de 1989 – a energia roqueira estava ao lado da sutileza da bossa nova, acompanhando versos como “A tua piscina tá cheia de ratos / Tuas ideias não correspondem aos fatos” e “E se eu achar a tua fonte escondida / Te alcanço em cheio, o mel e a ferida”.

Esse mesmo disco simboliza a agonia pública de Cazuza. Ele fez o show já completamente desfigurado em função da aids – havia dois anos que a doença vinha se manifestando, e o artista chegou a dar entrevistas desmentindo que fosse portador do HIV. Bissexual, ele não abandonou o comportamento desregrado – mas sua imagem pública mudou muito em fevereiro de 1989, quando ele assumiu publicamente a condição de soropositivo. O que gerou uma comoção cada vez maior a cada aparição – para receber o Prêmio Sharp para o disco Ideologia (1988), por exemplo, ele estava sentado em uma cadeira de rodas. O álbum duplo Burguesia (1989) é o principal registro sonoro do ocaso do cantor, já quase sem voz para cantar suas próprias letras. Cazuza teve a fama, o sucesso, o amor do público e, com a morte precoce, alcançou o status de mito – como pessoa e como artista, ser exagerado sempre fez parte de seu show.

Exagerado, amado, singular

Muito antes de Cazuza proclamar-se exagerado em letra e melodia, Vinicius construía uma vida e uma obra em que o exagero, mais do que medida, era método. Vinicius produziu com muito sentimento, dando voz a um lirismo que o tornou um poeta popular como poucos no Brasil. E teve tempo ainda de casar nove vezes, viver incontáveis paixões e ser um dos pilares de uma revolução musical que tornou o Brasil referência internacional.

Vinicius é um personagem com estatura de gigante na cultura nacional, ao ponto de parecer ter vivido mais do que os 66 anos com que morreu. A prova da importância de Vinicius no cenário nacional é o quanto livros sobre personagens tão díspares quanto João Gilberto, João Cabral, Roberto Carlos, Jayme Ovalle e Chico Buarque abrem espaço para a figura de Vinicius, amigo, colaborador, inspirador ou simplesmente influência para uma boa parte da arte nacional na segunda metade do século 20.

Na mais completa biografia do poeta, O Poeta da Paixão, o jornalista José Castello conta que Vinicius se fez Vinicius aos nove anos de idade, quando, acompanhado da irmã Lygia, foi a um cartório no centro do Rio e simplificou o nome original mais pomposo que havia recebido ao nascer: Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes. Carioca, filho de uma pianista e de um poeta, Vinicius parecia fadado a seguir a trajetória modelo dos bem-nascidos de sua estirpe: bons colégios, educação refinada e formação universitária em Direito. Mas, em paralelo com os estudos jurídicos e o curso para oficial da reserva, ia lapidando os primeiros poemas, editados no volume O Caminho para a Distância, em 1933, quando contava apenas 20 anos. A essa estreia seguiram-se os premiados Forma e Exegese (1935), Novos Poemas (1938), Cinco Elegias (1943) e Poemas, Sonetos e Baladas (1946). Nos livros dessa fase já se notava a gradual transição entre um misticismo sublime que marcou a primeira fase de sua produção e o lirismo sentimental, derramado, erótico, que seria a característica de Vinicius dali em diante.

Desde a adolescência, Vinicius dividia-se entre o fazer poético e a música. Chegou a formar, aos 14 anos, um conjunto para atuar em festinhas e teve entre seus amigos de juventude os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós – com quem compôs, com apenas 15, anos, canções de relativo sucesso. O equilíbrio entre a poesia e a canção foi uma característica de sua trajetória, o que lhe garante lugar peculiar dentre os literatos de sua geração – esteve em posição privilegiada para manter contato com o melhor de ambas as correntes artísticas. Ao mesmo tempo em que angariava a admiração e o elogio de nomes como Drummond, Mario de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, também conheceu Tom Jobim, formando uma das mais profícuas duplas de compositores do Brasil. Tom e Vinicius têm para a bossa nova o peso que Lennon & McCartney para o rock ou Gardel e Le Pera para o tango. São ao mesmo tempo marco e essência.

Apaixonado pela vida e por seu ofício, Vinicius é frequentemente citado como o grande poeta brasileiro do amor – o que talvez não seja exatamente apropriado no sentido em que a maioria usa a frase, mas serve à perfeição para definir a relação do próprio público com o poeta. Vinicius foi um escritor amado pelo público, alcançou, com a música e o lirismo de seus versos, aquele Olimpo literário rarefeito: a memória afetiva do grande público. E fez isso como compositor, poeta, dramaturgo e cronista de imprensa. Uma obra que faz de Vinicius algo próximo, nas letras nacionais, a um Homem do Renascimento.

Para ler, ver e ouvir

VINICIUS

Livros

> Livro de Sonetos (1957) – Vinícius na forma poética em que compôs alguns de seus poemas mais populares.

> Para Viver um Grande Amor (1962 ) – Crônicas e poemas tendo o amor como eixo temático.

> O Poeta da Paixão (1994) – Este livro de José Castello ainda é a mais completa biografia do poeta.

> Nova Antologia Poética (2003) – Coletânea dos poetas Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz a partir da Antologia Poética que Vinicius organizou em 1954.

Discos

> Orfeu da Conceição (1956) – Trilha da peça homônima, marca o início da parceria entre Tom e Vinicius.

> Canção do Amor Demais (1958) – Álbum de Elizeth Cardoso considerado um dos marcos iniciais da bossa nova.

> Os Afro Sambas de Baden e Vinicius (1966) – Com oito parcerias de Vinicius com o violonista Baden Powell, é um clássico da MPB.

DVD

> Vinicius (2005) – Filme de Miguel Faria Jr. que combina documentário (com depoimentos de artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso) e dramatizações de poemas do escritor.

CAZUZA

Discos

> Maior Abandonado (1984) – Último disco de Cazuza no Barão Vermelho, antecipou o sucesso da banda no Rock In Rio do ano seguinte com hits como Bete Balanço, Por que a Gente É Assim e a faixa-título.

> Cazuza (1985) – Inaugura a carreira solo do cantor e compositor, com canções que vieram a se tornar clássicos do pop brasileiro – Exagerado, Codinome Beija-Flor e Só as Mães São Felizes entre elas.

> O Tempo Não Para (1989) – Registro do histórico show da turnê Ideologia no Canecão, no Rio, em que um já desfigurado Cazuza canta sucessos, incluindo Vida Louca Vida e a faixa-título.

> Burguesia (1989) – Registro final do cantor, já com a voz bem debilitada, o álbum duplo mira em dois alvos: um LP é voltado ao rock (com Perto do Fogo) e o outro, à MPB (com Quando Eu Estiver Cantando).

DVD

> Cazuza – O Tempo Não Para (2004) – Cinebiografia de Sandra Werneck e Walter Carvalho, com Daniel de Oliveira no papel principal. Inspirada no livro Cazuza, Só As Mães São Felizes (de Lucinha Araujo e Regina Echeverria).

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