Floripa 284 anos | 19/03/2010 20h54min
Diário Catarinense - Como é ser tão cobiçada? 
Tainha - Sem falsa modéstia, sou gostosa mesmo. São poucas que mexem com a cabeça de 8 mil homens (risos). Brincadeira. O número de profissionais que dependem de mim na Capital, na minha época, é grande. 
DC - E esse sotaque? 
Tainha - Barbaridade! Dá para notar? Estou na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, de onde saem 40% das tainhas. As outras saem do Uruguai. Ano passado fiz todo o meu ciclo, consegui ir até o Rio de Janeiro e voltar. Difícil é chegar até lá. Na volta ninguém quis saber. Já estava bem magrinha. Até ganhei o apelido de tainha facão. O interesse volta agora, quando saio pro mar e sigo em direção ao norte para depois fazer a desova. 
DC - Sabia que você foi eleita a comida preferida da Capital? 
Tainha - Pois então! Não é que ganhei da ostra, do camarão. Tô me sentindo poderosa. É que não 
faço o tipo modelo, sabe. Sou mais cheinha, daí fico saborosa e suculenta. 
DC - Quando você chega a Florianópolis? A expectativa é grande 
Tainha - Sim, eu sei. Os pescadores cumprem um longo ritual para aguardar a nossa chegada. Nesta época, por exemplo, eles estão trabalhando bastante porque faltam menos de dois meses para o início do período de pesca. Os preparativos vão desde pintura nas canoas, reparos nas redes até a organização dos "camaradas", como são chamados, em muitos lugares, quem participa da pesca. Diz pra eles que chego em maio. 
DC - Você vem em excursão? 
Tainha - Com certeza. É mais divertido. Nesta safra devemos ser 10 mil toneladas em Santa Catarina. Só na Grande Florianópolis devem ser pescadas duas mil toneladas. 
DC - E por qual 
praia vai passar em Florianópolis? 
Tainha - Vai depender do tempo, do vento. Se eu quiser fugir da 
pesca, melhor evitar Barra da Lagoa, Ponta das Canas, Ingleses, Armação, Pântano do Sul e Pinheira. Nesses lugares a concorrência é grande para ver quem pesca mais. O Osvani Gonçalves, que eu conheço muito bem, e é o presidente do Sindicato dos Pescadores de Santa Catarina, me disse que 16 praias estão aptas, pelo Ministério da Pesca, para fazer a captura. 
DC - Sabia que tem muita gente espiando vocês? 
Tainha - Claro que sei. Há vigias por todas as partes. Eles se dividem em vários pontos altos pra ficar olhando pro mar. Às vezes eles passam a madrugada olhando pro mar. Quando os cardumes se aproximam, eles dão o aviso. Cada grupo de pescadores tem a sua senha. Gritam, acenam bandeiras, têm até rádio-amador. 
DC - E as receitas. Qual é a mais diferente? 
Tainha - Sou simples de fazer, mas não quer dizer que 
não posso ser requintada. O Arante Monteiro Filho, dono de um restaurante no Pântano do 
Sul, diz que posso ser servida de diferentes maneiras: assada, escalada, ensopada, cozida no feijão, recheada... e tem a ova, essa é uma iguaria que, fritinha, é uma delícia. 
DC - Quem quiser te comprar, paga quanto? 
Tainha - Melhor perguntar pros pescadores ou aos vendedores lá do Mercado Público. Mas depende muito da época. Durante a safra chegam a vender três por R$ 10. Sem a ova, claro. O preço da ova, que na safra é R$ 20, pode chegar a R$ 100, R$ 120. 
DC - Nos vemos a partir de maio, então? 
Tainha - Mas tem que ficar atento. Olha bem, a pesca dura em média oito semanas, então fica de olho aberto. Isso se a água do mar estiver fria. Caso contrário, a gente demora mais pra sair da Lagoa. Nosso negócio é o frio. 
DC - Agora é só congelada, então? 
Tainha - A maioria de nós entra, literalmente, numa fria. Como aparecemos entre maio e agosto, e só voltamos 
no ano seguinte, é natural passar um longo período no congelador. O tempo máximo costuma ser de oito meses. Posso ser fisgada este ano e ser vendida só no próximo verão. Seja qual for a hora, com certeza deixarei alguém muito satisfeito. 
:: Pesca - A industrial corresponde a 65% de todas as capturas no Estado. Os pescadores artesanais ficam com os outros 35% 
:: Ova - Na alta cozinha, essa rica iguaria de tradições açorianas é conhecida como bottarga, o caviar italiano. Muito consumida na Itália e em outras regiões do Mediterrâneo. Seca ao sol, tem seus mercados consumidores no Canadá, EUA e Japão 
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