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Semana Farroupilha  | 20/09/2010 04h23min

Contos Gauchescos: Gineteada

Zerohora.com publicou série de contos de Dioclécio Lopes

Desde terça-feira (14) até a próxima segunda-feira, Zerohora.com publica a série de contos "Causos de João Furtuoso", em comemoração à Semana Farroupilha. Personagem criado por Dioclécio Lopes, João Furtuoso é protagonista das narrativas ambientadas na zona rural, mais precisamente em um lugar chamado Bom Jardim, palco da difusão dos costumes, dos afazeres e da linguagem utilizada pelas gentes que marcam e mantêm acesa a cultura gaúcha.

GINETEADA

Floreava-se a gaita e sorvia-se o chimarrão no galpão da Fazenda do Minuano naquele domingo ensolorado, quando apeou por lá Truvisco, tido como o melhor ginete do Bom Jardim. Era um indivíduo alto, de cabelos ralos, cavanhaque bem aparado, sobrancelhas grossas e fala mansa. Mais ouvia do que falava e, quando apertado por alguma opinião mais exigente, murmurava apenas um "poisé".

Mas montado no animal chucro era outro. Esporeava-o com precisão, grudava-se nos arreios que nem sanguessuga. Não se afrouxava aos corcoveios nem às meneadas — não perdia o rumo nem o aprumo. Isso lhe deu prestígio, algum dinheiro, respeito e... mulheres. Estas são notáveis admiradoras das qualidades de um bom ginete — repetia ele quase murmurando.

Conta-se que dessa feita João Furtuoso não despregou os olhos de Truvisco, que tinha como tarefa a doma de um cavalo mui chucro da Fazenda do Minuano. Observou-lhe todos os movimentos: a rédea firme, a posição do corpo, as esporeadas, o manejar do relho. Então decidiu que dali em diante seria, no mínimo, o segundo melhor ginete do Bom Jardim.

Assim que amanheceu o dia seguinte, João escolheu um redomão que pastava descansado num potreiro de pasto farto, iludiu-o com um embornal cheio de milho,

Enfrenou o animal com rapidez, botou-lhe no brete, atirou-lhe os arreios, apertou-lhe bem a chincha, montou-o (barbaridade!) e mandou que o soltassem. O fato deixou a gauchada de cabelo em pé, mas se o homem pediu...

O redomão, tão logo sentiu o peso do domador sobre os arreios, agiu como a sua natureza xucra assim ditava: corcoveava a mais não poder em meio a meneadas e relinchos de protesto pela imposição da montaria. E por fim atirou-se numa corrida arriscada, enveredando-se por um corredor que dava lá na estrada principal. Em poucos minutos, só dava para ver o chapéu de barbicacho esvoaçando no pescoço do iniciante e corajoso domador, que, de corpo encurvado, agarrava-se ao animal mais do que carrapato.

As horas passavam.

Quando o sol era quase encoberto pelas elevações do horizonte, já era visível a preocupação nos semblantes de todos os viventes da Estância, que minuto a minuto se perguntavam: "mas e o Furtuoso, hein?". O patrão Antônio Balta, então, chamou dois peões e mandou que rastreassem as pegadas de João, pois temia uma tragédia estúpida. Mas quando os viventes já apertavam as sobrechinchas em seus animais, o patrão pediu que esperassem... Escutava sons familiares... Um galope que cada vez mais se ouvia melhor. E, a menos de cem metros, já era possível enxergar a figura inconfundível de João Furtuoso apontando no corredor da Fazenda, sob os olhos curiosos do gentario, que viram apear do potro o ginete de roupa esfarrapada e cravejada de pega-pega, pedaços de caraguatás grudados pelos cabelos, com as pernas e os braços lanhados de dar dó — mas muito feliz —, assobiando Tordilho Negro.

— Credo, homidideus, que animalzinho arisco era esse, hein?! — disse dessa vez Furtuoso, tateando o chapéu que não mais estava sobre a sua cabeça, nem preso ao pescoço, enquanto os peões estaqueados de espanto botavam as mãos sobre a cabeça, e a Negra Carminha já preparava a salmoura com ervas para lhe aplicar nas feridas que não eram poucas.

Arre!

ZEROHORA.COM
Godinho, Arte ZH / 

"Enfrenou o animal com rapidez, botou-lhe no brete, atirou-lhe os arreios, apertou-lhe bem a chincha, montou-o (barbaridade!) e mandou que o soltassem"
Foto:  Godinho, Arte ZH


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