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Fernando Becker

1. Por que mesmo sendo a 6ª economia do mundo, o Brasil ainda está no 88º lugar no ranking mundial da educação?

Antes de 1971, apenas o curso primário de quatro anos era obrigatório e gratuito. Em 1971, com a lei 5692, passou a ser de oito anos; em 2010, passou a ser de nove, podendo o Ensino Fundamental iniciar aos seis anos de idade.

Esse lembrete histórico é para dizer que o ensino obrigatório era suprido por professores formados pelo antigo Curso Normal. Com a obrigatoriedade de oito anos, o sistema de ensino inflou enormemente sem professores habilitados e em quantidade suficiente para atendê-lo. O impacto negativo dessa medida positiva foi enorme. O ensino de relativa qualidade para poucos não pôde manter a qualidade assim que se abriu, sem o tempo necessário para o adequado preparo docente e a vontade política de fazê-lo, para toda a população de 7 a 14 anos.

Isso que deveria impactar o sistema com ruídos de um escândalo, foi, devido às restrições ao exercício da crítica impostas pelo regime político de então, reabsorvido pelo sistema e transformado em cultura. A tal ponto essa cultura tem força que a população convive, sem maior desconforto, com políticos de precária formação escolar exercendo importantes cargos públicos ou com lideranças semianalfabetas, como por exemplo, lideranças religiosas atuais ou, ainda, com a insuficiência técnica de numerosos serviços, públicos ou privados.

Estamos distantes, muito distantes, de a obrigatoriedade de nove anos de educação básica, que sob este aspecto nos aproxima de países desenvolvidos, transformar-se em qualidade de ensino.

2. Por que 34,5% dos alunos do Ensino Médio não estão na série correspondente a sua idade?

Olhemos a Coreia do Sul (João Paulo da Rosa, ZH, 14.07.2012, Cultura, p.3). Professores da Educação Básica altamente qualificados, motivados e bem pagos, gestão escolar valorizada, com participação efetiva da população, infraestrutura "com laboratórios de ciências e idiomas e ginásios esportivos" e escola com turno integral. Uma configuração de escola que dificilmente encontramos no sistema educacional público brasileiro no qual o Ensino Fundamental não consegue oferecer alunos com o mínimo de preparo para dar conta dos conteúdos curriculares do Ensino Médio. Além disso, muitos desses alunos já acumularam reprovações e repetências no decorrer do Ensino Fundamental.

Aqui, reveste-se de importância por questão teórica, notar que a equivalência série-faixa etária é muito mais uma questão de gestão escolar do que uma necessidade psicológica ou pedagógica. Considerando a previsão estatística, uma criança poderá chegar à operatoriedade formal aos nove anos de idade; a maioria por volta dos 11/12 anos; outra, nem com 14 ou 15 consegue operar formalmente? Trata-se de uma questão de desenvolvimento cognitivo e não de aprendizagem. A mesma variação (decalagem) é constatada na passagem do período pré-operatório ao operatório concreto. Essas decalagens não são levadas em consideração no regime escolar seriado, o que redunda em não poucos prejuízos a muitos alunos.

Além disso, há conteúdos, como de história, geografia, biologia, etc., ensinados no ensino médio, que podem ser aprendidos por crianças/adolescentes de idades precoces. Isso não acontece com Física, Química e Matemática que exigem raciocínio operatório formal.

O que a estatística do Inep mostra é que 34,5% dos alunos do Ensino Médio estão em séries anteriores às que deveriam estar por sua idade. O que um bom sistema educacional mostraria é que não apenas os alunos comparecem na série própria de sua faixa etária, mas que poderiam, inclusive, adiantar-se a ela.

3. Por que é importante os pais participarem da vida escolar dos seus filhos?

A presença dos pais na vida dos filhos atinge níveis de profundidade insuspeitáveis para o senso comum. Se os pais considerarem a educação algo tão fundamental a ponto de jamais colocarem em questão a escolaridade do filho, por exemplo só dispensando-o de ir à escola em casos limites, esse será um valor que o filho levará consigo para toda a vida. Se, ao contrário, os pais fizerem concessão por qualquer motivo, por exemplo, demonstrando pena dele pelo esforço que a escola lhe exige ou tirando o filho da escola para trabalhar, dificilmente uma força social extrafamiliar poderá reverter esse processo.

Ao contrário, se os pais, apesar do ritmo às vezes estafante de seu trabalho, incluírem em suas atividades diárias o acompanhamento da realização das tarefas escolares dos filhos, muitos benefícios poderão advir dessa determinação:

- o filho perceberá o processo educativo como um valor que deverá ter em alta consideração;

- as perguntas ou comentários que o filho não pode, por qualquer motivo, formular na escola, poderá fazê-los aos pais, desbloqueando seu processo de aprendizagem;

- insatisfações com o comportamento de colegas ou professores que sobrecarregam o mundo afetivo da criança e, também, do adolescente, podem ser faladas, com todos os benefícios do efeito catártico que tais falas poderão produzir, beneficiando o processo de aprendizagem;

- incompreensões de conteúdos curriculares poderão ser supridas pelos pais ou, na impossibilidade de isso acontecer por qualquer motivo, eles poderão alertar a escola ou consultar parentes ou vizinhos que se dispuserem a responder ou, ainda, no limite, contratar um professor particular;

- se considerarmos que um ano tem 8.760 horas; se admitirmos que a criança durma dez horas por dia, ela permanece acordada durante 5.110 horas por ano; dessas, a escola ocupa apenas 800 horas; sobram 4.310 horas que a criança convive, na maioria dos casos, com pessoas que pouco ou nada tem a oferecer a ela em termos de desenvolvimento cognitivo e de novas aprendizagens. Se os pais não ocuparem um mínimo desse tempo, a situação educacional da criança ficará insustentável. Para lembrar a referência atual em educação, na Coreia do Sul todas as escolas, públicas ou privadas, funcionam em turno integral, praticamente duplicando o tempo escolar se comparadas às brasileiras. Escolas que têm infraestrutura para que os alunos nela permaneçam o dia inteiro.

4. Por que apenas 2% dos estudantes querem seguir a carreira de professor?

É comum um professor preparar as aulas da próxima semana ou, pelo menos, as de segunda-feira, no final de semana.

Alguém já afirmou que a função docente é das mais complexas que existe. O professor tem por função modificar os conhecimentos do aluno - de muitos alunos ao mesmo tempo - para mais e melhor; modificar os conhecimentos em quantidade e qualidade. Conforme interpretações mais recentes, da psicologia ou da neurologia, o trabalho docente modifica a própria estruturação cerebral do aluno, seu desenvolvimento cognitivo e afetivo; isto é, sua capacidade de aprender. Quando se olha a tarefa do professor, sob estes pontos de vista, ela parece o que realmente é: ingente, complexa e de importância que não pode ser subestimada.

Se, por um lado, ela é atrativa, por outro, quando se olha a valorização social, especialmente a expressa no salário, é desanimadora. É difícil imaginar um jovem ou uma jovem, nestes tempos de amplo trânsito de informações, apresentar-se aos pares dizendo: "Eu vou ser professor?". O próprio exercício da docência, marcado pela precariedade, ajuda a consolidar essa desvalorização.

5. Por que 89% dos estudantes chegam ao final do Ensino Médio sem aprender o esperado em matemática?

Uma falha generalizada no Ensino Fundamental gera distorções no ensino dessa disciplina que vão se acumulando no decorrer das séries produzindo esse resultado catastrófico no Ensino Médio. A iniciação do aluno na Matemática, nas primeiras séries do Ensino Fundamental, é feita em larga escala por docentes egressas de cursos de Magistério ou Pedagogia com formação precária nessa disciplina e, com frequência, sem gosto pela mesma. Nas licenciaturas não é muito diferente: as disciplinas pedagógicas, cursadas pelos licenciandos, são ministradas desvinculadas dos conteúdos dos respectivos cursos (Física, Química, Matemática, Biologia, etc.).

Um ensino precário nas primeiras séries entrega alunos despreparados para as séries seguintes obrigando os professores a fazer todo tipo de concessões em termos de pré-requisitos, não sobrando alternativas a não ser a diminuição do nível de exigência acadêmica. Poucos alunos resistem a esse descalabro e, frequentemente, reclamam porque não conseguem progredir nesse conhecimento para o qual nutrem paixão; a docência, ocupada com a maioria da turma, não consegue responder às suas exigências.

A rigor, somente na universidade, na licenciatura ou bacharelado em Matemática, esses alunos remanescentes encontrarão professores com o desejado domínio de conteúdo; porém, despreparados muitas vezes sob os pontos de vista pedagógico e didático.

Em minha pesquisa Epistemologia do professor de matemática (Ed. Vozes, 2012) encontrei um problema que explica, em grande parte, a deficiência no ensino dessa disciplina. Os professores, em sua grande maioria, tratam o conhecimento matemático como se fosse um conhecimento do senso comum. Acreditam que só se aprende matemática porque alguém ensina - desde que o aprendiz repita o ensinado. Ou que se sabe matemática porque se nasceu com talento. Ou, ainda, acreditam nas duas coisas em doses que variam de professor a professor. A ideia de que o conhecimento humano, na medida em que nasce da organização das ações do próprio sujeito, é fundamentalmente lógico-matemático e a educação - em particular, o ensino - deveria promover o desenvolvimento dessa capacidade, é quase inexistente.

Preso a crenças epistemológicas trazidas do senso comum, o professor não consegue visualizar os alunos como sujeitos matemáticos em desenvolvimento, embora em níveis diferenciados. Ele os vê como predeterminados, ou pelo meio social (epistemologia empirista) ou pela bagagem hereditária (epistemologia inatista). Não compreende que talento se constrói e que, para essa construção o aluno precisa de um ensino qualificado e que o professor é peça-chave dessa construção.

Na medida em que visualiza o aluno como talentoso (a minoria) ou não talentoso, concentra seu ensino no talentoso, descuidando dos demais - justamente daqueles que precisam mais ajuda. Além disso, enfrenta turmas excessivamente numerosas, em escolas com infraestrutura precária, sem laboratórios, e percebe salários indignos. Essa situação do ensino de matemática na educação básica pode, na verdade, servir de metáfora para todo ensino praticado nesse nível.

6. Por que a maioria dos alunos matriculados no último ano do Ensino Fundamental não aprendem o mínimo considerado adequado?

Em países desenvolvidos, como a França, as crianças aprendem a ler no primeiro anos do Ensino Fundamental; no final do segundo ano, apresentam uma razoável performance na escrita e nas operações aritméticas elementares. Grande parte dos alunos das escolas brasileiras chega ao final do terceiro ano sem mostrar essas aquisições. Para não falar de adolescentes e, até, adultos que não chegam sequer a um desempenho mínimo em leitura. Simplesmente, não transformaram a leitura em algo que faça parte de sua vida.

Há uma cultura de desvalorização da educação escolar que encontra na escola aliados: a precária formação docente, professores sem hábito de leitura, docentes que não compreendem os conteúdos que ensinam, ambientes físicos inadequados à aprendizagem, bibliotecas inexistentes, precárias ou desatualizadas, inexistência de laboratórios, gestores despreparados, etc.

Observando especialmente a escola pública parece que é preciso reinventar a roda da pedagogia e da didática. Exemplo, numa escola pública da periferia de uma das maiores cidades do interior do Rio Grande do Sul, uniram-se professores, pais e direção para decretar a extinção do recreio porque havia alunos que eram violentos nas brincadeiras. Precisamente a brincadeira que é a instância pela qual a criança organiza e recria seu mundo, isto é, constrói sua capacidade de aprendizagem. A brincadeira que deveria ser a forma por excelência da aprendizagem escolar foi considerada um mal a ser extinto ou, pelo menos, a ser controlado.

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