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Vestibular  | 01/04/2014 02h11min

Como o cinquentenário do golpe pode virar pergunta nas provas da UFRGS e no Enem

Professores história, geografia, filosofia, literatura e redação indicam possíveis abordagens sobre a deposição de Jango

Bruno Moraes  |  bruno.moraes@zerohora.com.br

Faz 50 anos que João Goulart foi deposto pelos militares que instauraram um regime ditatorial no Brasil a partir do golpe de 1964. E quem nasceu anos depois do restabelecimento de direitos civis e da democracia — caso de boa parte dos vestibulandos —, deve estar se perguntando: como um tema que gera tanta discussão pode aparecer em uma prova de múltipla escolha?

No programa da prova de história do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 2014, consta "a crise do populismo e o golpe militar de 1964", além do período pós-64, que considera os modelos político e econômico do regime militar e a repressão e a resistência ao Estado totalitário.

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Seguindo um modelo diferente, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também listou como conteúdos, no edital do ano passado, as ditaduras políticas na América Latina, o Estado Novo, a luta pela conquista de direitos civis, humanos, políticos e sociais, sem qualquer referência a "golpe". Além disso, a matriz de referência da prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias estabelece algumas competências que podem ser ligadas ao tema, como "analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder" e "analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas".

Mas tem um porém nisso tudo: o aniversário do golpe e a importância do fato para o Brasil rendem tanto pano para tanta manga que podem levar o tema para além das provas de história ou ciências humanas. O cinquentenário pode motivar uma questão em uma prova de literatura ou geografia. Pode suscitar um tema de redação ou, ainda, estar relacionado a assuntos de sociologia ou filosofia — e o Enem adora um assunto interdisciplinar.

— Há diversos pontos que podem ser explorados. Um deles é a volta do discurso de direita. As pessoas perderam a vergonha de defender publicamente teses de direita. Pode-se fazer um link com democracia, liberdade de pensamento, voto universal — cogita o professor de filosofia do Grupo Unificado Marco Jordão.

Dizer que o golpe será o tema da prova de redação da UFRGS ou do Enem é dar um tiro na lua — até porque é mais provável que os avaliadores não tentem ir além da manobra dos militares, tirando a discussão do nível "sou contra" ou "sou a favor". Uma dissertação é uma reflexão a respeito de um fato ou mesmo de um comportamento, lembra a professora de redação do Unificado Luisa Canella.

— É interessante pensar em qual seria a pergunta que motivaria o texto. A prova pode abordar o significado do golpe, além do óbvio da ditadura, tratar da falta de liberdade de expressão, comparar a juventude da época com a que saiu às ruas no ano passado, ou mesmo abrir para questões filosóficas — sugere Luisa.

Te liga nisso: embasar o ponto de vista

No manual do vestibular da UFRGS de 2014, as orientações sobre a redação priorizam aspectos linguísticos, como estrutura do texto, adequação de linguagem, abordagem do tema e ponto de vista defendido. No Enem, há um ponto que merece atenção: uma das competências é "elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos".

— O Enem foca em dois assuntos transdisciplinares: ética e direitos humanos. Quem quiser colocar uma opinião mais polêmica precisaria de um discurso muito bem estruturado, mas não há espaço para rever muitas questões na redação — explica o professor Marco Jordão.

> Na literatura e na cultura

A ditadura teve forte impacto na produção artística brasileira em razão da censura e de outras privações. O professor de literatura do Unificado Pedro Gonzaga diz não ter dúvida de que o golpe será um tema abordado na prova de literatura da UFRGS e na de linguagens do Enem.

— É provável que as produções culturais, em especial a partir do AI-5, estejam presentes. Imagens como a do jornalista Vladmir Herzog (morto por militares que forjaram seu suicídio) também têm bastante chance de serem lembradas. Chico Buarque e outros artistas que usaram sua arte como forma de protesto devem ser considerados.

O disco Tropicália ou Panis et Circensis, "leitura obrigatória" da UFRGS é um marco cultural na luta contra o regime militar.

> Marchas pelo Brasil

Recentemente, algumas pessoas que defendiam uma "intervenção militar" no país tentaram reeditar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O professor Alexander Magnus destaca duas marchas dos anos 1960 que podem aparecer separadas ou no mesmo teste:

— A primeira manifestação apoia a intervenção militar e ocorre às vésperas do golpe na cidade de São Paulo e fica conhecida como Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Já durante a fase do marechal Artur da Costa e Silva, ocorre a Marcha dos Cem Mil, em junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro. O estopim para a manifestação na capital carioca é o assassinato do estudante Edson Luis, ocorrido em março daquele ano.

> Discursos pró-EUA e pró-Rússia

Na época do golpe, havia dois discursos antagônicos no Brasil: um que defendia o liberalismo dos Estados Unidos e outro que propunha o comunismo da Rússia. A crise na Crimeia trouxe de volta esses discursos da Guerra Fria. Seria possível propor uma questão que relacionasse o que se dizia naquela época com o que se diz hoje, afirma o professor Marco Jordão:

— Nos anos 1960, havia a União Soviética de um lado e os Estados Unidos de outro, o comunismo contra o capitalismo. Hoje, não é bem isso. Temos o discurso liberal dos americanos, mas o discurso russo agora é nacionalista. O golpe de 1964 poderia render uma questão sobre o nacionalismo no Brasil, que foi uma marca dos governos militares.

> Atos Institucionais

Professor do Colégio La Salle Santo Antônio e do curso GruposdeHistória.com, Alexander Magnus ressalta a frequência com que os Atos Institucionais (AIs) aparecem no Enem e nas provas das federais, mas ressalva:

— O primeiro AI define eleições indiretas para presidente e não determina o fechamento do Congresso Nacional. O fechamento ocorre somente entre o AI-3, que estabelece eleições indiretas para governadores e prefeitos, e o AI-4, decreto responsável pela aprovação da Constituição de 1967. O AI-5, igualmente comum em provas, decreta o fechamento do Congresso e a suspensão do habeas corpus.

> Comissão Nacional da Verdade

Criada para apurar violações dos Direitos Humanos de 1946 a 1988, sobretudo as praticadas por agentes do Estado, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) está intimamente ligada à ditadura. Com as investigações, alguns fatos vêm sendo reescritos:

— Uma das principais ações realizadas foi a constatação de que o ex-presidente Juscelino Kubitschek sofreu um atentado político, contrariando a versão de que havia morrido em um acidente de carro, em uma investigação conduzida pela Comissão da Verdade de São Paulo. Outro fato importante é a exumação do corpo do presidente deposto João Goulart, pela suspeita de envenenamento. O ex-presidente teve, décadas após sua morte, direito a funeral como chefe de estado. A CNV de São Paulo também promoveu a mudança no laudo de morte de Vladimir Herzog para homicídio, após investigação a pedido da família — salienta o professor de geografia César Martinez.

> Pátria de chuteiras

Outro tema do momento, a Copa do Mundo pode aparecer numa questão de cunho político-social.

— Na copa do México, em 1970, em que o Brasil conquista o tricampeonato, a ditadura se aproveita do evento para difundir o ufanismo. Frases como "Ninguém segura este país", "Ame-o ou deixe-o" e "Pra frente Brasil" delinearam o período do general Emílio Garrastazu Médici. Contudo, é importante destacar que, nesta mesma época, ocorrem os assassinatos dos líderes Carlos Marighella e Carlos Lamarca, fatos que podem surgir nas provas — aponta o professor Alexander Magnus.

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Henrique Tramontina / Arte ZH


Foto:  Henrique Tramontina  /  Arte ZH


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