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Entrevista  | 03/09/2012 06h08min

Tarso Genro: "O sistema escolar precisa produzir mecanismos que aproximem as comunidades das escolas"

Governador do RS defendeu a necessidade de mudanças como o aperfeiçoamento da matriz curricular colocada em prática nas escolas

Marcelo Gonzatto  |  marcelo.gonzatto@zerohora.com.br

Lançada na terça-feira passada, a campanha institucional do Grupo RBS sobre educação apresenta seis perguntas sobre a situação do ensino no país que servirão de mote para reportagens, avaliações de especialistas — e considerações de gestores como o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.

Convidado a expressar sua visão sobre temas como o mau desempenho nacional, o desinteresse dos jovens pela carreira do magistério e a participação das famílias no ambiente escolar, o ex-ministro da Educação durante o governo Lula (entre 2004 e 2005) sustenta que avanços vêm sendo feitos. Porém, observa que alguns projetos só terão resultado em médio ou longo prazo, e defende a necessidade de mudanças como o aperfeiçoamento da matriz curricular colocada em prática nas escolas.

Confira, a seguir, as opiniões do governador sobre alguns dos principais dilemas da educação brasileira, resumidos nas seis questões que norteiam a campanha A Educação Precisa de Respostas, encaminhadas por e-mail para Zero Hora.

1— Por que, mesmo sendo a sexta economia do mundo, o Brasil ainda está no 88º lugar no ranking mundial da educação?

Desde os anos 70, o Brasil se posiciona entre as 10 primeiras economias mundiais. No entanto, somente a partir desta década há um incremento das políticas de democratização do acesso à educação pública, como a universalização do Ensino Fundamental, a expansão das escolas técnicas federais, a Universidade Aberta do Brasil, o ProUni e o Fundeb.

É importante lembrar que o Brasil faz, hoje, o que países como Chile, Argentina e Uruguai fizeram no início do século passado. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira é de 1961; as elites políticas do país nunca priorizaram devidamente a educação. Enquanto alguns países da América Latina tiveram suas primeiras universidades criadas nos séculos 16 e 17, no Brasil só na década de 30 do século 20 tivemos a criação da primeira universidade. Além disso, até o final do século 20 o Brasil privilegiou a educação privada no Ensino Superior.

Somente a partir da primeira década do século 21 acontece de forma ostensiva a democratização do ensino e a articulação da política de distribuição de renda com a expansão da educação pública, exemplos são o Bolsa Família, o ProUni. Se o Ensino Fundamental foi universalizado no país nos últimos anos, este é um desafio ainda não respondido em relação ao Ensino Médio e à Educação Infantil.

Também diferentemente de países latino-americanos, que têm jornada escolar média de sete horas diárias, somente a partir dos últimos anos acompanhamos a adoção de implementação de políticas e programas que visam à melhoria da qualidade da educação e à ampliação gradativa da jornada escolar, como o Escola Aberta, Mais Educação, Ensino Médio Inovador. Essas medidas trarão resultados positivos em médio e longo prazo.

2— Por que 34,5% dos alunos do Ensino Médio não estão na série correspondente à sua idade?

Esse é um fator que está relacionado à ampliação da democratização do acesso, que colocou nas redes públicas as crianças que compõem os setores sociais mais vulneráveis da sociedade, como consequência do processo de inclusão. Há que se considerar que nas redes públicas não existe seleção e escolha de alunos: todos são admitidos, independentemente de sua condição social, cultural ou física.

Muitas dessas crianças que chegam à escola não passaram pela Educação Infantil, e as dificuldades pedagógicas, como não adequação do currículo às necessidades dos estudantes, acabam por acarretar em alto índice de reprovação e abandono escolar. Por outro lado, muitos estudantes, crianças e adolescentes abandonam a escola por necessidade de sobrevivência e alguns retornam à escola posteriormente, quando têm resolvida a questão da subsistência. A Educação de Jovens e Adultos está aí para atender a esses sujeitos.

3— Por que é importante os pais participarem da vida escolar dos seus filhos?

A escola está inserida em um contexto social, não pode ser vista de forma isolada. Todos os atores dessa comunidade, que inclui escola, família e sociedade, precisam agir de forma integrada, visando ao acompanhamento tanto da gestão escolar quanto do processo de ensino-aprendizagem. É importante lembrar que muitas famílias dos alunos de escola pública também não tiveram acesso à escola e, portanto, devem ser acolhidos no ambiente escolar.

O sistema escolar precisa produzir mecanismos que aproximem das escolas as comunidades, principalmente aquelas com menor escolaridade. Conhecer a escola, mantê-la aberta à comunidade, com bibliotecas comunitárias, atividades esportivas e culturais, entre outras ações, contribuirá tanto para uma gestão mais qualificada da escola quanto do processo de aprendizagem das crianças e sua permanência na escola. O sentido do pertencimento da comunidade em relação à escola é essencial para a garantia de educação de qualidade. Da mesma forma, o incentivo à atuação dos conselhos escolares é essencial para que o controle social se efetive.

4— Por que apenas 2% dos estudantes querem seguir a carreira de professor?

Independentemente do índice, temos constatado que todos os concursos públicos de professores têm enorme procura, ou seja, o interesse na carreira ainda existe. Exemplo é o concurso realizado em 2012 pela rede estadual, que atraiu 69 mil candidatos para 10 mil vagas. No entanto, cabe às políticas públicas estimular a atividade docente com ações que busquem a valorização da carreira, inclusive salariais. Aqui no Rio Grande do Sul há um avanço: hoje ninguém recebe, em termos remuneratórios, menos que o piso salarial nacional. O debate é sobre os reflexos que o pagamento do benefício têm na carreira, mas todos recebem o piso.

5— Por que 89% dos estudantes chegam ao final do Ensino Médio sem aprender o esperado em matemática?

Os resultados da Prova Brasil colocam o Rio Grande do Sul em 1° lugar em matemática no Ensino Médio e em 2º lugar nos anos finais do Ensino Fundamental. Entretanto, o ensino de matemática, como o das demais áreas do conhecimento, deve estar vinculado à prática e à resolução de problemas. Em geral, a matemática vem sendo tratada de forma abstrata, não considerando a realidade dos sujeitos.

É preciso reestruturar a matriz curricular, vincular as áreas do conhecimento por meio da interdisciplinaridade, adequar a didática às formas de avaliação, enquanto as provas avaliativas trabalham com a resolução de problemas, a didática trabalha com questões desconectadas de suas tecnologias, está fragmentada. Esta fragmentação precisa ser rompida por meio da reestruturação curricular. A matemática, nas práticas pedagógicas do cotidiano, em geral, é trabalhada como a área do conhecimento mais distante da realidade.

6— Por que a maioria dos alunos matriculados no último ano do Ensino Fundamental não aprende o mínimo considerado adequado?

Da mesma forma como citado no item anterior, é importante registrar que os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental da rede estadual gaúcha obtiveram o segundo lugar na Prova Brasil tanto em matemática quanto em língua portuguesa. No entanto, a maioria dos alunos da rede pública não teve Educação Infantil e, portanto, esses estudantes têm necessidades que a escola precisa adequar para garantir o processo de aprendizagem.

Da mesma forma como citado no item 5, a reestruturação curricular do Ensino Fundamental, com a adoção da organização do ensino estruturada nas áreas do conhecimento, vinculada às necessidades reais de aprendizagem dos nossos alunos, certamente induzirá a melhoria da qualidade do ensino (como já evidenciado em relação ao Ideb dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede estadual, onde já iniciamos a implantação da reestruturação curricular e cujo índice demonstra a superação da meta prevista para 2011).

A reestruturação também envolve um trabalho e oferta permanente de formação continuada aos professores e educadores, o que tem acontecido de forma efetiva no país a partir da segunda metade da última década, com a definição de políticas públicas do governo federal.

ZERO HORA
Tadeu Vilani / Agencia RBS

Governador Tarso Gentro avalia o desempenho e os dilemas da educação
Foto:  Tadeu Vilani  /  Agencia RBS


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