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Comunidade  | 01/03/2011 07h13min

O Dia da Tipuana

Em artigo, historiadora relembra estudante que defendeu árvore

Elenita Malta Pereira

Em meio às tragédias dos últimos meses, provocadas pela ocupação humana equivocada de morros e vales, com o desmatamento dessas áreas para a construção de cidades, convém trazer à tona um episódio inusitado de proteção às árvores, ocorrido em Porto Alegre.

Há 36 anos, na manhã de 25 de fevereiro de 1975, o mineiro Carlos Alberto Dayrell, de 21 anos, estudante de Engenharia Elétrica na UFRGS, saiu de casa para realizar sua matrícula, quando, ao passar pela Faculdade de Direito, na Avenida João Pessoa, viu funcionários da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) cortando árvores que estariam atrapalhando a construção do Viaduto Imperatriz Leopoldina.

A reação de Dayrell foi aproveitar um descuido dos trabalhadores para protestar contra os cortes. Subiu no caminhão da Smov e dali passou para a sétima árvore, contando a partir da esquina com a Rua Sarmento Leite, uma tipuana (Tipuana tipa), para impedir o trabalho das motosserras.

O estudante se instalou no alto, no meio dos galhos, e lá ficou, enquanto um grupo de pessoas começou a se formar em torno da árvore, dando apoio moral. Solidários, mais dois estudantes, Marcos Sarassol, de 19 anos, acadêmico de Matemática, e Teresa Jardim, de 27 anos, que cursava Biblioteconomia, subiram na tipuana.

Por volta das 14 horas, havia cerca de 500 pessoas em torno da árvore. A imprensa local foi alertada, a Rádio Gaúcha mobilizava a cidade, descrevendo passo a passo o surpreendente protesto. Também a Brigada Militar, comandada pelo capitão Joaquim Luís dos Santos Monks, observava a manifestação.

Mais tarde, em torno de 15h30min, o diretor da Faculdade de Engenharia da UFRGS, Adamastor Uriartti, pediu que os estudantes descessem para conversar. Teresa o convidou a subir, e ele subiu, sob aplausos do público. Nesse momento, chegou ao local o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o ecologista José Lutzenberger. Só então Dayrell desceu, e foi com Lutzenberger ao gabinete do prefeito à época, Thompson Flores.

Marcos e Teresa resistiram no local até as 17h, quando o comandante da BM foi substituído, e o novo policial decidiu acabar com o protesto. Houve violência contra a população, os estudantes e dois repórteres foram levados para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), um dos órgãos de controle dos cidadãos mantidos pelo regime militar.

Segundo Augusto Carneiro, um dos fundadores da Agapan, Dayrell frequentava as palestras ministradas por Lutzenberger na entidade. Em uma delas, questionado pelo público sobre o que fazer contra a derrubada de árvores que acontecia na cidade, o palestrante teria dito "Nós já fizemos bastante coisa, mas não fomos ouvidos, façam vocês, subam nas árvores!". O estudante de Engenharia Elétrica, portanto, não perdeu a oportunidade de colocar em prática o conselho do ecologista.

Tudo terminou às 23h, com a liberação dos presos. Houve uma mobilização na frente da Delegacia, organizada por membros da Agapan, jornalistas e pessoas simpatizantes do movimento, até o final.

No dia seguinte ao protesto, jornalistas, estudantes e policiais à paisana fizeram vigília no local, a árvore não foi tocada. Dayrell, em entrevista à imprensa, explicou seu feito pela indignação que sentiu com o fato de que, no caminho das obras para a construção do viaduto, havia várias pessoas paradas, observando a demolição de um edifício, em frente à Faculdade de Direito, ao mesmo tempo em que quatro árvores eram derrubadas, porém "ninguém mexia um dedo pela árvore".

O jovem disse que resolveu subir na tipuana para chamar a atenção e conscientizar as pessoas da importância das árvores.

O protesto de Dayrell foi emblemático, característico do movimento ambientalista na década de 70, em que as ações eram propostas por entidades ou indivíduos de diferentes classes sociais e concepções políticas.

O manifestante manteve-se firme, só descendo quando Lutzenberger chegou para negociar. Numa época em que os movimentos sociais eram duramente reprimidos, o ato do estudante promoveu a coesão de diversos indivíduos em torno de um objetivo comum, implicando na mudança de estratégias do poder municipal. Neste caso, os cortes, que vinham ocorrendo no Parque da Redenção e na Avenida Goethe (que já motivara protestos de moradores locais), começaram de madrugada, durante as férias estudantis, diminuindo o potencial de resistência.

O protesto foi vitorioso, pois a tipuana continua no mesmo local até hoje (diante dela, há uma placa de bronze em homenagem a Dayrell, está do lado de dentro dos muros da Faculdade de Direito). Nenhuma outra árvore foi derrubada para construir o viaduto. Atualmente, o corte e a poda de árvores urbanas devem ser licenciados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, e é sempre preferível que elas sejam retiradas e transferidas para outro local. Por um lado, passamos a valorizar esses seres que tanto nos beneficiam com a captura de carbono, além de tornar nossas cidades mais belas; por outro, seguimos desmatando as margens de rios, queimando florestas e ocupando encostas de morros. O ato de Dayrell, bastante corajoso para o contexto da época, ainda possui significado, porque chamou a atenção para o descaso com as árvores e também para a possibilidade de construir sem destruir: na verdade, as plantas não atrapalhavam a construção do viaduto, o projeto é que devia ser adequado a elas.

Seu gesto extremo de abraçar-se à tipuana serve de alerta para a importância de protegermos as árvores, sempre, tanto nas florestas quanto nas áreas urbanas, para o nosso próprio bem e o da biodiversidade como um todo.

Agência RBS / Agencia RBS

Carlos Dayrell subiu em árvore na Avenida João Pessoa para impedir seu corte
Foto:  Agência RBS  /  Agencia RBS


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