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Itapema FM  | 27/04/2010 10h10min

Tom Zé se renova com novos CD e DVD

Artista se firma como o pai da reinvenção

FÁBIO PRIKLADNICKI  |  fabio.pri@zerohora.com.br

Alguém já disse que Tom Zé é duas vezes mais inovador do que a maioria dos artistas brasileiros com menos da metade de seus 73 anos. O Pirulito da Ciência (Biscoito Fino), DVD e CD que ele lançou neste mês, é uma boa síntese de sua criação. E se certa vez um crítico da revista Rolling Stone o chamou de “pai da invenção”, já passou da hora de se atualizar, porque Tom Zé tem uma tremenda capacidade de reinvenção.

O público de seus shows, por conta disso, tem cada vez mais jovens que se identificam com suas atitudes, ao mesmo tempo em que mergulham na história do mais inquieto dos tropicalistas.

– Logo cedo, percebi minha incapacidade de trabalhar no que hoje se chama mainstream – diz Tom. – Aí me dirigi para um extremo onde você está quase no ridículo e, às vezes, até no razoável.

Refere-se a sua produção como uma espécie de “jornalismo cantado”. Na entrevista registrada para o DVD, diz:

– Pratico observar a sociedade quando ela baixa a guarda por descuido, fotografar rapidamente, falando metaforicamente, e depois tentar descrever aquilo que ficou desnudado.

Na montagem, a fala está entre as canções Companheiro Bush e Classe Operária, ambas de tom irônico.

Charles Gavin, compositor, produtor, pesquisador e ex-baterista dos Titãs, produziu e dirigiu Tom Zé no show gravado em agosto de 2009, em São Paulo, traçando uma significativa linha do tempo da sinuosa carreira do baiano de Irará. Como deveria ser para um documento histórico, o show é longo, tem 24 músicas no DVD e 16 no CD (com algumas variantes entre eles). O repertório tem raridades como Menina Jesus, Brigitte Bardot e Jimmi Renda-se, e outras mais conhecidas, como Augusta, Angélica e Consolação e Ogodô, Ano 2000. No palco ou na entrevista feita em seu escritório, ele fala sobre algumas de suas canções, dando pistas da origem de suas letras e seu estilo.

– Quebrei o DNA do folclore e coloquei peças que eram semelhantes, mas eram do mundo vivo – diz, exemplificando com Lavagem da Igreja de Irará, que canta ao violão.

Tom se lembra do ingresso na música ainda no sertão baiano, fala de sua prisão em São Paulo pela repressão em 1972, da volta à Bahia quando estudou música pra valer. Outro momento de reviravolta é o famoso episódio da “descoberta” do disco Estudando o Samba por David Byrne, que o tirou do ostracismo em 1985. O show é uma catarse lúdica em que ele esmerilha política, religião, amor e rock.

Crítica: Os tempos de Tom Zé

Projetos como O Pirulito da Ciência, apanhado abrangente da carreira de Tom Zé em CD e DVD ao vivo, costumam ser uma prova de fogo: permitem observar, de uma posição privilegiada – ou seja, com a distância do tempo –, os caminhos e eventualmente descaminhos de um artista. O tempo fez bem ao filho mais famoso de Irará, na Bahia. Tom Zé mostra que a Tropicália pode ser uma marca associada a uma determinada época, mas os elementos dos quais se serviu ainda carregam uma eficácia especial.

Está lá, por exemplo, o eco do concretismo em Nave Maria (Tom Zé), do disco homônimo de 1984, que abre o show: “E eu era uma nave / uma ave / da ave-maria / e como uma fera / que berra / entrei / na atmosfera”. Música após música, os vários talentos de Tom Zé desfilam como carros alegóricos, no sentido mais literal, com a força das figuras de linguagem: o crítico do imperialismo, o satirista da religião, o cronista de muitos tempos (“A Brigitte Bardot está ficando velha / envelheceu antes dos nossos sonhos”, diz a letra da canção de 1973 que leva o nome da atriz no título). E também o melodista, como no refrão de Jimmy, Renda-se (Tom Zé/Valdez), em pot-pourri com Moeda Falsa (Tom Zé).

Os formatos se complementam. O CD tem músicas que não estão no DVD (e vice-versa), enquanto o DVD apresenta depoimentos de Tom Zé entre algumas faixas – além de cenas dos ensaios para o espetáculo, gravado no ano passado em São Paulo. Em um trecho, afirma que não faz “música de protesto”, mas que suas canções podem estimular a consciência do público. Nesses tempos de fronteiras cada vez menos definidas entre projetos políticos que um dia já foram antagônicos, a “política” do artista permanece coerente com a trajetória. Companheiro Bush (Tom Zé), de 2003, certamente ganha um ar de passado na era Barack Obama, mas está em sintonia com a ironia de composições como Ui! (“Você inventa o trabalho / e eu invento as mãos”), de 1975.

Antropófago como sempre, o artista refaz a história da música brasileira pela via da paródia, sempre respeitosa. Tem rock e João Gilberto em Roquenrol Bim-Bom (apenas no CD) e mais brincadeira no pot-pourri João nos Tribunais/O Céu Desabou/Síncope Joãobim (apenas no DVD). Depois de estudar o samba, o pagode e a bossa nova, Tom Zé está mais do que preparado para a missão.

ZERO HORA
Marcelo Rossi, Divulgação  / 

Tom Zé
Foto:  Marcelo Rossi, Divulgação


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