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 | 02/08/2011 06h10min

Proibição de obscuro filme sérvio reaviva debate sobre liberdade de expressão

"A Serbian Film - Terror sem Limites" tem cenas que sugerem incesto e violência sexual contra crianças

Luiz Antônio Araújo  |  luiz.araujo@zerohora.com.br

A longa história da censura no Brasil, que remonta aos tempos coloniais, acaba de ganhar mais um capítulo. Desta vez, o banimento recai sobre um filme produzido e rodado na Sérvia por um jovem diretor estreante e que colheu mais escândalo do que aplauso em um ano de carreira no circuito mundial de cinema trash e de horror. Para sustentar as proibições, foram invocados os cerca de quatro minutos do filme que sugerem incesto e violência sexual contra crianças.

>>> Leia a crítica de "A Serbian Film –
Terror sem Limites"
no blog Cineclube


A Serbian Film – Terror sem Limites é o primeiro filme a ter exibição proibida no Brasil desde 1985, quando o governo vetou Je vous Salue Marie, de Godard. Para seu diretor, Srdjan Spasojevic, A Serbian Film pode ser visto como uma alegoria da sangrenta história da Sérvia nos últimos 20 anos. A maior parte da crítica mundial torce o nariz e sustenta que, se essa foi a intenção, faltou combinar com o público. Pouco dadas a sutilezas, autoridades togadas ou não decidiram impedir a exibição da obra do Oiapoque ao Chuí, independentemente de classificação etária.

O afundamento de A Serbian Film ocorreu em três movimentos. No primeiro, a Caixa Econômica Federal proibiu no último dia 23 que fosse apresentado em seu espaço cultural no Rio, num festival de cinema fantástico. Em seguida, atendendo a pedido do diretório fluminense do DEM, a 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio barrou a exibição no octogenário Cine Odeon, na Cinelândia. Finalmente, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério da Justiça suspendeu o processo de classificação indicativa do filme, do qual depende a realização de qualquer sessão em território nacional – a estreia estava prevista para 26 de agosto. Antes de chegar ao Rio, o filme havia tido uma participação no 7º Fantaspoa, em Porto Alegre (em cópia com cortes), e no 1º Festival Lume, em São Luís (MA) – na íntegra.

A cruzada contra A Serbian Film não chega a ser um feito na folha corrida brasileira, que inclui medidas bizarras como a de cortar cenas de estátuas nuas em Macunaíma (1969) ou a de cobrir detalhes anatômicos com bolas pretas em Laranja Mecânica (1971). (Aliás, a partir de hoje a Sala P. F. Gastal da Usina do Gasômetro, na Capital, exibe mostra com filmes censurados no país, entre eles Último Tango em Paris.) A Serbian Film também foi alvo de censura na própria Sérvia, na Espanha e na Noruega. Na Grã-Bretanha, a obra teria sofrido dezenas de cortes por razões comerciais, segundo o distribuidor do filme no Brasil, Raffaele Petrini:

— Para exibir em mais cinemas, foram reduzidas as cenas que estão sendo contestadas no Brasil, mas elas permanecem no filme. No Brasil, a proibição foi um ato de pessoas que não viram e não se informaram sobre o filme, apenas leram páginas da Wikipedia. Poderiam ter me ligado e pedido um DVD.

Petrini afirma que o filme não incita à violência contra crianças e à pedofilia:

— Pode incitar a tudo, menos a isso. O filme tem uma mensagem bem clara contra essa e outras barbaridades tratadas na trama.

A polêmica no Brasil tende a assumir contorno político: o Estado pode ou não intervir nas manifestações artísticas, de opinião e de expressão além da classificação etária? A Constituição de 1988 é categórica: em seu Artigo 220, sepulta de vez a censura. É sob essa bandeira — a da liberdade de expressão — que se erguem, há uma semana, vozes inconformadas com a proibição.

— Se permitirmos que obras de arte, de bom ou mau gosto, violentas ou não, sejam proibidas, abrimos mão de um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito — entende Marcos Rolim, jornalista e professor da cátedra de direitos humanos do IPA. 

— Seria totalmente diferente se o filme tivesse sua exibição vetada na TV, meio de comunicação de natureza pública voltado para a educação da população. Filme exibido em cinemas deve apenas ser classificado para adultos.

Críticos da proibição citam como agravante o fato de que nem os representantes do DEM fluminense nem a desembargadora que decidiu em primeira instância parecem ter visto A Serbian Film. Dos dois lados, porém, há a convicção de que se trata de uma polêmica sobre valores e não sobre um filme específico.

— Não preciso assistir a um filme desses para ter certeza de que não tenho nada a ganhar. Para a nossa felicidade e da família carioca também, o filme foi proibido — disse o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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