Os ângulos da Legalidade por quem estava lá | |
Brizola / Lara de Lemos / Lauro Hagemann / Mauro Borges Teixeira / José Aparecido de Oliveira / Manoel Soares Leães, o Maneco | |
Leonel Brizola![]() |
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Lara de Lemos Poetisa, professora e jornalista, 76 anos, mora em Friburgo (RJ). Fez a letra do Hino da Legalidade* "A oficina de artistas gaúchos funcionava no Teatro de Equipe, que na época pertencia a vários atores, como o Paulo José, o Mario de Almeida, o Paulo César Pereio. O Brizola mandou pedir à oficina um hino para abrir a Rádio da Legalidade. Fiz a toque de caixa, em cima do joelho, batendo com os dedos em cima de uma mesa, tentando fazer letra com música. O Brizola pediu para mudar uma única palavra para dar maior amplitude. Havíamos colocado 'avante companheiros de pé' e ele pediu para colocar 'avante brasileiros de pé'. Fiz a letra em uma, duas horas. O Pereio tentou fazer a música, mas ele não era propriamente músico. Às vezes, a letra ficava maior do que a música. Na época, havia uma moça muito inteligente chamada Madelaine Rufier, que comandava um coral. Pedimos a ela para fazer a partitura. O hino foi tocado exaustivamente na Rede da Legalidade. O Teatro de Equipe atraiu muita gente que era a favor da legalidade. A gauchada tradicionalista queria revolução. Ficava frustrada porque só saíam hinos, faixas. Revolução que era bom, nada." |
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![]() "Pela primeira vez o rádio foi utilizado como alavanca popular. Naquele dia 25 de agosto, Dia do Soldado, noticiei a renúncia do Jânio Quadros na Rádio Farroupilha. O serviço de imprensa do Palácio Piratini era muito reduzido, só havia um locutor de rádio. Todos outros radialistas ficaram à deriva, porque nossas emissoras tinham sido lacradas por transmitirem o manifesto do marechal Lott defendendo a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência. Só a Rádio Guaíba ficou funcionando porque não havia transmitido o manifesto. Ficamos sem rumo. Daí me deu um estalo. Eu era estudante e achava que aquele movimento do Brizola era por motivo político e social e que a gente devia se meter. Minha voz era muito conhecida, então achei que seria útil me oferecer para ler o material da Rede da Legalidade, transmitida dos porões do Palácio. Me agarraram com as duas mãos quando cheguei lá. Depois os outros radialistas fizeram o mesmo. Organizamos uma escala de serviço, com horários, grupo de redatores. Chegava muito bagulho, mensagens de todo o Estado, do país. Precisávamos selecionar. O Brizola só interrompia, a hora que quisesse, para fazer seus pronunciamentos, mas não interferia. Nasceu naquele movimento a noção clara da importância que tinha a categoria de radialistas no processo social. A partir daí a idéia de um sindicato dos radialistas começou a tomar corpo. Várias tentativas tinham sido feitas anteriormente. Mas não havia entendimento, muito mais por questões de diferença de prefixo. Eu ainda não era do Partido Comunista, mas os comunistas tiveram uma participação muito grande nesse processo. Entrei no PCB em 1963. O partido atuou na agitação social. O sindicato da Carris era dirigido por comunistas. Foi quem liderou o movimento operário, os comitês de resistência. Não podia aparecer, óbvio. O Brizola não tinha simpatia pelos comunistas. Na eleição para governador, ele recusou publicamente o apoio do partido." |
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Governador de Goiás pelo PSD em 1961, tem 81 anos, é coronel da reserva do Exército, mora em Goiânia. Foi um dos poucos governadores a prestar solidariedade ao movimento da Legalidade. Depois da posse de Jango, recebeu o título de cidadão gaúcho* "Goiás se ligou ao Rio Grande em 1961. Tão logo soubemos da renúncia do presidente Jânio Quadros, o Brizola soltou o seu manifesto e nós o nosso, dando absoluta solidariedade ao movimento levantado no Rio Grande do Sul. A situação em Goiás era um pouco diferente da do Sul. Nós estávamos muito próximos de Brasília. Não tínhamos apoio de nenhuma unidade militar da região, ficamos sozinhos, sujeitos a uma série de pressões e violências. Sinceramente, se não fosse o 3° Exército aderir ao movimento, eu talvez tivesse sido vítima de ações militares de grande porte. Chegamos a ser ameaçados por um grupo de pára-quedistas. Por mais que o povo quisesse nos ajudar, não tínhamos armamento suficiente. Graças a Deus não houve derramamento de sangue. Aconteceu algo interessante quando conseguimos manter contato com a Rede da Legalidade. O Brasil todo ouvia nossos diálogos. A exemplo do Rio Grande, tivemos uma grande manifestação do nosso povo. Todo mundo queria lutar se fosse preciso. Em maio de 1963, fiz uma ruptura completa com João Goulart. Não por questões políticas. Eu achava que ele não estava levando a sério questões de interesse do nosso Estado. Quando houve a revolução de 64, eu fui favorável, mas mesmo assim o pessoal não perdoou a minha posição nacionalista e a minha ajuda na posse de João Goulart. Fui perseguido e cassado." | |
José Aparecido de Oliveira ![]() "A renúncia de Jânio Quadros é um episódio que até hoje não foi analisado com isenção. O que se tentou fazer até aqui foi uma caricatura deste homem público, que tem uma singular presença na História do Brasil. Foi a única figura que chegou à Presidência numa caminhada de absoluta coerência, não só na pregação, mas na legitimidade da representação popular. Jânio Quadros foi o único presidente que não foi nomeado a nada por ninguém. Só foi mandatário do povo. O Jânio chegou à Presidência assumindo compromissos com o povo. A renúncia não foi um ato de temperamento, gratuito. Ele inclusive disse que não ocorreu uma renúncia, e sim uma denúncia da realidade brasileira. Denunciou um Brasil ingovernável. As razões permanecem até hoje. Todo mundo sabe que estamos vivendo uma interferência do FMI na condução dos destinos nacionais. Os ministros militares agiram com grande solidariedade junto dele. Hoje, ninguém tem duvida que se Jânio quisesse dar um golpe, teria dado golpe. Quem trabalhou com ele sabe que ninguém sofreu campanha mais violenta que ele. Deixou a Presidência e, no outro dia, estavam articulados os que foram derrotados com aqueles que foram frustrados com a renúncia." |
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Manoel Soares Leães, o Maneco ![]() "Jango me deu férias quando foi viajar para a China. Saí de São Borja para Brasília de automóvel com a família e fui até o Rio de Janeiro. Lá vivia a irmã dele e mais a dona Vicentina, que era a mãe do Jango. No dia da renúncia eu estava casualmente num consultório médico com dona Vicentina, quando desci numa banca do jornal, dia 25 de agosto, e ouvi pelo rádio que o Jânio Quadros tinha renunciado. Subi e avisei dona Vicentina o que estava acontecendo e que o filho dela naquela hora era o presidente da República. Ela ficou surpresa, nervosa, era uma pessoa já de idade. Ela disse: - Ah, deixa de bobagem, Maneco. Do consultório fomos para a casa dela. Ela se pôs em contato com os amigos, políticos e foi confirmada a notícia. Só que logo em seguida veio o veto dos militares. Daí deu uma crise de nervosismo em todos nós. Começou a minha via crucis de voltar ao Rio Grande do Sul. Estava com o avião do presidente João Goulart lá em São Paulo. Levei a minha família de carro para uma fazenda no interior de São Paulo, em Araçatuba, para ver como se delineava tudo. Peguei o avião particular, que estava em Congonhas, e fui para Porto Alegre no dia seguinte, onde aguardei a volta do dr. João Goulart. Desci no Salgado Filho e fui para o Palácio. Até a chegada de Jango fiquei no palácio, participando como soldado da Legalidade. Daqui nós fomos para Brasília num Caravelle da Varig. Quando estávamos no aeroporto veio uma ordem de Brasília para que não decolássemos porque havia uma revolta dos sargentos no aeroporto em Brasília, a chamada Operação Mosquito. Voltamos para o Palácio e, horas depois, veio outra ordem para embarcar. Do aeroporto de Brasília o presidente foi para a Granja do Torto, onde morava como vice-presidente. Lá aguardamos os acontecimentos. Amanheceu na granja fazendo conferência com políticos, discutindo formação do gabinete. Até que chegou 7 de setembro e ele tomou posse. Eu estava sempre junto dele. Não participava dos despachos. Ficava mais aguardando os chamados dele para problemas particulares. Gostava muito de conversar, trocar idéias sobre os problemas particulares. Dai sim eu participava mais ativamente. O Jango sempre foi homem de poucas palavras. Conversava pouco e ouvia muito. Uma das grandes virtudes dele. Dali ele tirava deduções. Nos momentos de lazer conversava sobre assuntos particulares, de fazenda. |
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