Foto: Arte Gonza Rodriguez sobre foto Júlio Cordeiro |
![]() |
Um dos lances mais importantes da longa história de confrontos entre Grêmio e Inter não nasceu da criatividade de um dos tantos grandes jogadores que passaram pelos clubes ou da iniciativa de um dos muitos dirigentes que, na base da coragem e da persistência, transformaram duas equipes de província em potências. O gol de placa desta rivalidade, que chega aos cem anos neste sábado, trocou o campo de futebol ainda pouco confortável daquele início de século 20 pelo tampo de mármore de uma das mesas do Café Colombo, de Porto Alegre, no distante 1926. Foi lá, entre dois velhos amigos, que o jornalista gaúcho Ivo dos Santos Martins rabiscou alguns papéis e fez surgir, pela primeira vez, a expressão Gre-Nal. Pronto: a partir daquela conversa e da iniciativa de um jornalista esportivo, incomodado por ter de escrever sempre o nome completo dos times, surgiu uma das marcas mais poderosas e conhecidas do futebol. A rivalidade passava a ter um nome _ e nunca mais deixaria de fazer parte da vida dos gaúchos, mesmo daqueles que não suportam o futebol. Ganhou seu batismo.
••••
O esporte ainda era algo absolutamente novo naqueles anos. O clube de futebol pioneiro no país, o Rio Grande, nem tinha ainda completado 30 anos, e faltavam quatro anos para a realização da primeira Copa do Mundo, em Montevidéu. Em 15 anos a cidade vira apenas 21 jogos entre Grêmio e Inter e certamente os lados vermelho e azul ainda não tinham desenvolvido a flauta que ao longo do século ajudaria a cimentar a rivalidade, com os inevitáveis exageros, mas o jogo já mobilizava a então pequena Porto Alegre. Redator de esportes, autor de uma marcante entrevista com o goleiro Lara, Ivo queria encontrar um jeito de dar um nome para o clássico, sem necessidade de repetir a todo momento Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense ou Sport Club Internacional. Foi com este espírito que ele se encontrou com dois amigos no Café Colombo, dois anos antes do primeiro clássico de 1926, marcado para 27 de junho. O batismo tinha padrinhos, portanto.
••••
Longe de sua mesa da redação do velho Correio do Povo, Ivo explicou o que o incomodava para os parceiros de bar e falou no plano de criar uma expressão que definisse tudo. Passou a rabiscar, escreveu inicialmente Inter-Gre, rejeitou em seguida porque não queria o nome do adversário de seu time na frente e, por fim, chegou a Gre-Nal. O curioso é que não escreveu o nome em seus textos sobre o jogo, mas, ajudado pelos amigos, passou a repeti-lo pela cidade. A expressão só surgiria nas páginas do jornal sete anos depois, em 1933, quando Ivo já deixara o jornalismo para se dedicar à carreira de promotor, e a partir daí se tornaria oficial, levando o peso de uma das marcas mais conhecidas do futebol. Ivo tinha dado um nome ao jogo - e, ao longo dos tempos, ele seria repetido como sinônimo de rivalidade e de qualquer disputa dura.
••••
Virou o fio condutor de um confronto entre duas instituições e um padrão de comportamento. Um lado impulsiona o outro. Tem sido assim desde aqueles tempos do repórter Ivo dos Santos Martins, quando o clássico pelo citadino de 1926, dois dias depois da conversa de bar e da criação da marca, teve o primeiro caso de um árbitro expulso de campo a bengaladas. O Inter não descansou enquanto não conseguiu sua primeira vitória no clássico, os dois construíram um patrimônio como poucos, espalharam torcedores por todos os lados, têm quadros sociais sem comparação com o resto dos clubes e não param de crescer. Tudo no embalo daquela velha marca.
Gre-Nal virou o maior clássico brasileiro - e esta não é apenas uma opinião da imprensa gaúcha, mas de especialistas consultados por revistas de circulação nacional.
••••
Aquela marca, devidamente homenageada por um caderno especial que Zero Hora publica hoje com imagens dos momentos mais importantes destes cem anos, nunca mais deixaria a companhia dos gaúchos e, aos poucos, ganharia espaço. Se fosse nome de algum produto industrial, teria um valor certamente incalculável por concentrar em poucas letras toda uma história. Basta repetir a expressão para que todos saibam do que se trata, mesmo quando alguém repete "parece Gre-Nal" para definir algum confronto típico do dia a dia. Quem ouve sabe exatamente do que se trata. Em qualquer lugar do vasto universo do futebol, basta repetir Gre-Nal para se fazer entender. É a mágica de uma grande marca.
••••
É tão marcante quanto o velho Fla-Flu, o termo criado por coincidência por outro jornalista, o carioca, irmão de Nelson Rodrigues e nome do Maracanã, Mário Filho, 14 anos antes daquela conversa do gaúcho Ivo no Café Colombo, de Porto Alegre. Os dois perceberam a importância de estabelecer a marca _ e descobriram uma forma simplificada e genial capaz de fazer a fortuna de qualquer prodígio do marketing moderno. A tal ponto que a frase "Gre-Nal é Gre-Nal", que teria sido dita pelo governador e torcedor do Inter Ildo Meneghetti em um momento de pouca inspiração, ganhou um lugar na história não apenas por ser um daqueles chavões que grudam para sempre, mas por resumir toda uma história. Todos sabem do que se trata quando alguém repete Meneghetti e fala Gre-Nal é Gre-Nal. Precisa dizer mais?
Jornalista desde abril de 1970, formado pela Ufrgs em 1971, catarinense de Criciúma, onde nasceu no distante 27 de setembro de 1948. No blog, como tem acontecido até agora, você não verá apenas futebol, mas um olhar também sobre os outros esportes, além de um bom espaço para debate.
Fale com o colunista:
mario.souza@zerohora.com.br
Dúvidas Frequentes | Fale conosco | Anuncie - © 2009 RBS Internet e Inovação - Todos os direitos reservados.